O crime contra a flora está assim descrito no art. 38, da Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998):
Art. 38. Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção. Pena detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, ou multa, ou em ambas as penas cumulativamente.
Para sua configuração, portanto, exige-se a presença da elementar “floresta” que deve vir qualificada, ou seja, “considerada de preservação permanente, mesmo que em formação”.
Índice
1. Conceito de floresta
Segundo o Vocabulário Básico de Recursos Naturais e Meio Ambiente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE[1], a expressão “floresta” significa o:
Conjunto de sinúsias dominado por fanerófitos de alto porte, e apresentando quatro estratos bem definidos: herbáceo, arbustivo, arvoreta e arbóreo. Deve ser também levada em consideração a altura, para diferenciá-la das outras formações lenhosas campestres.
Para Frederico Amado[2]:
Floresta não se confunde exatamente com vegetação ou mesmo flora, sendo um vocábulo com acepção mais estrita. Em termos comuns, significa uma vegetação arbórea densa, devendo, em casos fronteiriços, ser definida por perícia.
2. Área de preservação permanente para fins do art. 38
Por sua vez, os arts. 3º e 4º da Lei 12.651/2012 trazem os vetores para a conceituação como área de preservação permanente:
Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por: […]
II – Área de Preservação Permanente – APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas;
Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei: […]
IV – as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros;
3. Exigência de laudo pericial
Como se percebe, a configuração do tipo penal em análise só ocorre se houver laudo pericial, confeccionado por especialista no assunto, para determinar se houve destruição ou danificação de floresta considerada de preservação permanente, ainda que em formação. Ou seja, sem tais indicações, é impossível a configuração da materialidade e tipificação do delito.
Isso porque, nos termos do art. 158, do Código de Processo Penal – CPP:
Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
Além disso, segundo prevê o art. 159 e seu § 1.º do CPP:
Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior.
§ 1o Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame.
Como nos crimes ambientais o corpo de delito é consubstanciado no laudo pericial que demonstrará a existência da própria materialidade delitiva, é de se considerar que sua ausência caracteriza a falta de provas para se condenar uma pessoa pelo crime ambiental em questão.
Cumpre destacar, ainda, que ainda que existam provas em uma ação penal que evidenciem que realmente foi praticada uma conduta infracional contra o meio ambiente, se não houver laudo pericial como exige o Código de Processo Penal, não há que se falar em condenação.
4. Jurisprudência
O Superior Tribunal de Justiça entende imprescindível a realização de perícia para configuração destes crimes ambientais, como se observa:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. CRIME AMBIENTAL. CONDENAÇÃO PELO ART. 38-A, CAPUT, C/C O ART. 53, II, “c”, DA LEI N. 9.605/98. AUSÊNCIA DE LAUDO PERICIAL. CRIME QUE DEIXA VESTÍGIOS. PRECLUSÃO AFASTADA IN CASU. FUNDAMENTAÇÃO A QUO NÃO IDÔNEA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA, DE OFÍCIO. […]
II – Sobre os crimes ambientais em comento, assim se pronunciou esta eg. Quinta Turma, acerca da imprescindibilidade da perícia: “Para a tipificação dos delitos previstos nos arts. 38 e 38-A da Lei ambiental é necessário que a conduta tenha sido praticada contra vegetação de floresta de preservação permanente (art. 38) e vegetação primária ou secundária, situada no Bioma Mata Atlântica (art. 38-A) […]
III – O tema é complexo, não facilmente identificável por leigos, sendo imprescindível a realização de perícia na medida em que não é qualquer supressão/destruição que caracteriza o ilícito do art. 38 da Lei Ambiental” (AgRg no AREsp n. 1.571.857/PR, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 22/10/2019).
IV – No mesmo sentido, entende a eg. Sexta Turma desta Corte Superior: “A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça está fixada no sentido de que é necessária a realização de exame pericial em delitos não transeuntes, sendo possível a sua substituição por outros meios probatórios somente quando a infração não deixar vestígio ou se o corpo de delito houver desaparecido, a teor do disposto nos arts. 158 e 167 do Código de Processo Penal (AgRg no AgRg no REsp 1.419.093/DF, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, QUINTA TURMA, julgado em 10/03/2015, DJe de 26/03/2015; sem grifos no original) […]
V – O exame de corpo de delito direto somente pode ser suprido por outros meios probatórios, na forma indireta, para fins de comprovação da materialidade dos crimes ambientais de natureza material e não transeunte – no caso, o art. 38 da Lei n.º 9.605/98 -, na hipótese em que houver o desaparecimento dos vestígios ou quando o lugar dos fatos tenha se tornado impróprio à análise pelos experts, circunstâncias excepcionais que não se enquadram ao caso em análise” (AgRg no REsp n. 1.782.765/PR, Sexta Turma, Relª. Minª. Laurita Vaz, DJe de 02/08/2019).
VI- No caso concreto, a perícia in loco foi dispensada com fundamentação que não se coaduna às exigências do Código de Processo Penal. Soma-se a isso o afastamento, in casu, de eventual preclusão, tendo em vista o requerimento do laudo em resposta à acusação e o efetivo debate do tema em alegações finais. Habeas corpus não conhecido. Ordem parcialmente concedida, de ofício. (HC 570.680/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 26/05/2020, DJe 03/06/2020).
E ainda:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FUNDAMENTOS INATACADOS. SÚMULA N. 182/STJ. CRIME AMBIENTAL. ARTS. 38 E 38-A DA LEI N. 9.605/1998. DESMATAMENTO. AUSÊNCIA DE LAUDO PERICIAL. CRIME QUE DEIXA VESTÍGIOS. NULIDADE. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS, DE OFÍCIO. […]
2. Nos casos em que a infração deixar vestígio, por imperativo legal (art. 158 do Código de Processo Penal), é necessária a realização do exame de corpo de delito direto. Somente será possível a substituição de exame pericial por outros meios probatórios, na forma indireta, para fins de comprovação da materialidade dos crimes ambientais de natureza material – no caso, o art. art. 38 da Lei n. 9.605/1998 – quando a infração não deixar vestígios ou quando o lugar dos fatos tenha se tornado impróprio à análise pelos experts.
3. Para a tipificação dos delitos previstos nos arts. 38 e 38-A da Lei ambiental é necessário que a conduta tenha sido praticada contra vegetação de floresta de preservação permanente (art. 38) e vegetação primária ou secundária, situada no Bioma Mata Atlântica (art. 38-A).
4. O tema é complexo, não facilmente identificável por leigos, sendo imprescindível a realização de perícia na medida em que não é qualquer supressão/destruição que caracteriza o ilícito do art. 38 da Lei Ambiental.
5. No presente caso, foi comprovada a existência de vestígios (imagens do local, laudo de verificação de denúncia, auto de infração do IAP), sendo possível a realização do exame direto, não sendo, todavia, apresentadas justificativas idôneas para a não realização do exame pericial.
6. Agravo regimental não conhecido. Concessão de habeas corpus de ofício para absolver o acusado, diante da ausência de prova de materialidade delitiva. (AgRg no AREsp 1571857/PR, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 15/10/2019, DJe 22/10/2019).
Assim, não havendo prova pericial para comprovar a existência do crime ambiental, deve-se reconhecer a falta de materialidade delitiva, o que conduz à absolvição do acusado.
Por fim, convém salientar que as atividades desenvolvidas pelos agentes de fiscalização ambiental dotados de poder de polícia são de relevante valor, contudo se faz necessário que o trabalho de fiscalização seja referendado por laudo pericial elaborado por especialista, o qual pode ser, inclusive, um agente de fiscalização, desde que demonstre ser graduado ou especialista na área de habilitação técnica ou científica para elaboração do laudo ambiental.
5. Caso concreto
Em um caso concreto, o réu acusado de praticar o crime ambiental previsto no art. 38 foi absolvido ante a ausência de laudo pericial. Vamos entender.
Segundo os autos, o Réu foi denunciado pela prática do crime ambiental previsto no art. 38, da Lei 9.605/1998, por destruir floresta considerada de preservação permanente, sem autorização do Órgão Ambiental competente, ao longo de curso d’água existente em sua propriedade.
A denúncia foi recebida e o réu foi citado para apresentar defesa prévia. Por conseguinte, foi designada audiência de instrução e julgamento, na qual foram ouvidas as testemunhas de acusação, e na sequência, foi feito o interrogatório do réu.
Encerrada a instrução processual, foram apresentadas as alegações finais, e sobreveio a sentença que absolveu o Réu do crime ambiental previsto no art. 38 da Lei 9.605/98, com fundamento no art. 386, VII, Código de Processo Penal.
Contudo, o Ministério Público interpôs recurso de apelação requerendo a reforma da sentença e, consequente, a condenação do Réu, sob a alegação de que as provas produzidas nos autos eram suficientes para comprovar a materialidade do crime ambiental do art. 38.
No entanto, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina manteve a sentença absolutória, rejeitando o recurso de apelação do Ministério Púbico, por entender que a falta de laudo pericial elaborado por especialista importa no reconhecimento de ausência de materialidade delitiva.