A Constituição Federal de 1988, em seu art. 129, I, consagrou o sistema acusatório no âmbito de nossa Justiça Criminal, e desde a sua vigência, as legislações penais e processuais penais foram se adaptando através de importantes alterações legislativas.
Novos instrumentos de política criminal foram incorporados para racionalizar a atuação do titular da ação penal, transformando a antiga obrigatoriedade da ação penal em verdadeira discricionariedade mitigada.
Assim ocorreu, inicialmente, com as previsões de transação penal e suspensão condicional do processo pela Lei 9.099/95, depois com a possibilidade de “delação premiada” e, mais recentemente com a Lei 13.964/19 (“Pacote anticrime”), que trouxe para o ordenamento jurídico nacional a possibilidade do “acordo de não persecução penal”.
Dessa maneira, constatada a materialidade da infração penal e indícios suficientes de autoria, o Ministério Público, enquanto titular da ação penal, deixou de estar obrigado a oferecer a denúncia e, consequentemente, pretender o início da ação penal.
O Ministério Público pode, dependendo da hipótese, deixar de apresentar a denúncia e optar pelo oferecimento do acordo de não persecução penal, desde que, presentes os requisitos legais.
Essa opção ministerial encaixa-se dentro desse novo sistema acusatório, onde a obrigatoriedade da ação penal foi substituída pela discricionariedade mitigada; ou seja, respeitados os requisitos legais o Ministério Público poderá optar pelo acordo de não persecução penal, dentro de uma legítima opção da própria Instituição.
Contudo, ausentes os requisitos legais, não há opção ao Ministério Público, que deve oferecer a denúncia em juízo.
Entretanto, se estiverem presentes os requisitos descritos em lei, esse novo sistema acusatório de discricionariedade mitigada não obriga o Ministério Público ao oferecimento do acordo de não persecução penal, nem tampouco garante ao acusado verdadeiro direito subjetivo em realizá-lo.
Simplesmente, permite ao Ministério Público a opção, devidamente fundamentada, entre denunciar ou realizar o acordo de não persecução penal, a partir da estratégia de política criminal adotada pela instituição.
Índice
Requisitos do acordo de não persecução penal – ANPP
O acordo de não persecução penal – ANPP previsto no art. 28-A do Código de Processo Penal, introduzido pela Lei 13.964/19, também é cabível aos crimes ambientais praticados sem violência ou grave ameaça, com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos.
Além disso, o ANPP está condicionado ao não cabimento de transação penal ou suspensão condicional do processo, ou ainda, se esta última mesmo cabível for recusada pelo acusado.
Ou seja, caso o acusado recuse o ANPP, poderá o Ministério Público a qualquer tempo oferecer a suspensão condicional do processo, desde que presentes os requisitos para seu oferecimento.
Por exemplo, o acordo de não persecução penal – ANPP é cabível para o crime ambiental previsto no art. 38-A da Lei 9.605/98 — norma penal em branco complementada pela Resolução CONAMA 4/1994 —, o qual prevê pena mínima de 1 ano (e preenche o requisito da suspensão condicional do processo) e máxima de 3 anos (pena que comporta o ANPP).
Vale lembrar que o art. 28-A, do Código de Processo Penal estabeleceu que o Ministério Público “poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições.”.
Assim, consoante previsto no art. 28-A do CPP, um dos requisitos para a celebração do acordo de não persecução penal é que a medida mostre- se necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do crime.
Aceitação do ANPP exige reparação do dano ambiental
Contudo, a aceitação do ANPP exige que o acusado confesse formal e circunstancialmente a prática do crime ambiental — embora não conste na certidão de antecedentes criminais — e depende, ainda, do preenchimento de premissas do direito penal ambiental e do direito processual penal ambiental, notadamente quanto à necessidade de reparação do dano ambiental, revelando-se necessária, para a própria extinção da punibilidade, a recuperação do dano (arts. 27 e 28 da Lei n. 9.605/98).
Acordos de não persecução penal que exigem a reparação dos danos ambientais geralmente possuem cláusulas no sentido de apresentação de Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD) realizado por profissional técnico habilitado a ser apresentado e aprovado pelo Órgão Ambiental em determinado prazo.
Além disso, exigem documentos comprobatórios da implantação do PRAD, dando conta das primeiras etapas para a reparação da área degradada; apresentação de relatórios periódicos; apresentação em Juízo de documentos comprobatórios da conclusão/finalização da implantação do PRAD.
E, geralmente, há prestação de serviços à comunidade por determinado período; pagamento de multa a título de prestação pecuniária; pagamento de indenização a título de dano moral ambiental coletivo e dano patrimonial; dentre outros.
A questão que deve ser considerada pelo acusado e seu defensor antes de aceitar um acordo, seja de transação penal, de suspensão condicional do processo ou de acordo de não persecução penal – ANPP, são as obrigações neles impostas que geram consequências imediatas.
Quando não aceitar o ANPP
Em casos de construção em área de preservação permanente, por exemplo, a aceitação do acordo implica na demolição da edificação, o que pode se tornar difícil se ela é habitada. Por outro lado, crimes ambientais como de pesca ilegal, em que não há dano a ser reparado, o acordo mostra-se mais adequado.
O que se deve perquirir, portanto, é se do crime ambiental decorreu dano que deve ser reparado, revelando-se tal circunstância necessária para a própria extinção da punibilidade. Se há dano a ser reparado, deve-se observar se tal é possível ou viável.
Embora todos os crimes ambientais previstos na Lei 9.605/98 são passíveis de acordos de transação penal, de suspensão condicional do processo ou de acordo de não persecução penal – ANPP, a depender de suas penas, devendo o acusado e seu advogado considerar as consequências de sua aceitação.
Conclusão
O acordo de não persecução penal, previsto no art. 28-A do Código Penal, implementado pela Lei n. 13.964/2019, indica a possibilidade de realização de negócio jurídico pré-processual entre a acusação e o investigado.
É uma fase prévia e alternativa à propositura de ação penal, que exige, dentre outros requisitos, que o crime ambiental tenha sido praticado sem violência ou grave ameaça e possua pena mínima inferior a 4 anos.
Também é requisito para seu cabimento, que o investigado tenha confessado formal e circunstancialmente a infração, e seja suficiente para reprovação e prevenção do crime.
Além disso, extrai-se do § 2º, inciso II, que a reincidência ou a conduta criminal habitual, reiterada ou profissional afasta a possibilidade da proposta.
A finalidade do acordo de não persecução penal – ANPP é evitar que se inicie o processo, caracterizando-se como um importante instrumento de política criminal dentro da nova realidade do sistema acusatório brasileiro, não constituindo direito subjetivo do acusado.
Embora as condições descritas em lei são requisitos necessários para o oferecimento do acordo de não persecução penal, o Ministério Público pode deixar de oferta-lo no caso em que sua finalidade não for suficiente para concretizá-lo, ou seja, não se mostrar necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime.
Por fim, frise-se que a aceitação do acordo de não persecução penal – ANPP nos casos de crime ambiental depende da prévia reparação do dano ambiental, se da conduta decorreu dano a ser reparado, sendo importante ao acusado e seu advogado terem isso bem claro antes de aceita-lo.
4 Comentários. Deixe novo
Aceito o ANPP há arquivamento do processo administrativo? Isto é, pagar ou realizar o PRAD susta a sanção na via administrativa?
Não exatamente, Rafael. As esferas são independentes e é possível que o processo administrativo ambiental continue. Mas você pode buscar o órgão ambiental e fazer um acordo.
Uma vez aceito o ANPP e determinada a apresentação do PRAD nos autos, qual o prazo para ingressar com o PRAD no órgão ambiental?
O prazo para apresentar o PRAD é estipulado pelo próprio Ministério Público no ANPP. Mas o advogado pode negociar esse prazo com o promotor.