A aplicação do princípio da insignificância é possível a casos de pouca relevância, já que o crime, como fato social que é, deve ser apreciado em sua integralidade, notadamente em relação à afetação do bem jurídico e ao desvalor da conduta.
Pode ser conceituado como aquele que permite desconsiderar a tipicidade de fatos que, por sua inexpressividade, constituem ações de bagatela, afastadas do campo de reprovabilidade, a ponto de não merecerem maior significado aos termos da norma penal, emergindo, pois, a completa falta de juízo de reprovação penal.
Dito de outra forma, a aplicação do princípio da insignificância é instrumento que afasta a tipicidade material, tornando o comportamento atípico quando o dano causado ao bem jurídico protegido pela norma for desprezível, tornando desproporcional a pena cominada, remanescendo a tipicidade formal.
Índice
Requisitos para aplicação do princípio da insignificância
Segundo entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal, a incidência do princípio da insignificância pressupõe a concomitância de quatro vetores:
- a mínima ofensividade da conduta do agente;
- a inexistência de periculosidade social da ação;
- o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e,
- a inexpressividade da lesão jurídica provocada.
Por seu turno, o Superior Tribunal de Justiça, acompanhando o entendimento da Suprema Corte, também admite a aplicação do referido postulado aos crimes ambientais, desde que a lesão seja irrelevante, a ponto de não afetar de maneira expressiva o equilíbrio ecológico, hipótese caracterizada na espécie.
Muito embora haja certa resistência da doutrina e jurisprudência pátrias quanto ao reconhecimento da atipicidade material relacionada aos crimes ambientais, os Tribunais têm admitido sua aplicação de maneira excepcional, na esteira do que pacificado pelas Cortes Superiores.
Mas para isso, deve ficar comprovada a lesão ao bem juridicamente tutelado é ínfima, sem potencial de dano concreto ao meio ambiente, desde que reste caracterizada a mínima ofensividade da conduta praticada.
Com efeito, somente haverá lesão ambiental irrelevante no sentido penal quando a avaliação dos índices de desvalor da ação e do resultado indicar que o grau da lesividade da conduta praticada contra o bem ambiental tutelado é ínfimo.
E, embora o tipo penal apurado esteja previsto na Lei 9.605/98, não autoriza que o agente seja condenado quando a conduta não apresentar relevância material, posto que o direito não pode e não deve se ocupar de bagatelas.
Princípio da insignificância quando não há lesão direta ao meio ambiente
Entendemos que é possível aplicar o princípio da insignificância em favor do réu nas hipóteses em que o número de pássaros mantidos irregularmente em cativeiro não for expressivo, não houver identificação de maus tratos, nem intenção de comércio ou lucratividade, e as espécies não estiverem ameaçadas de extinção, situação que pode ser considerada insignificante para fins de intervenção do direito penal.
A própria Lei 9.605/98 relativiza a conduta do agente quando estabelece o chamado perdão judicial, conferindo ao Juiz o poder de não aplicar a pena se a guarda doméstica for de espécie silvestre não ameaçada de extinção.
Ainda que o fato se enquadre no tipo penal previsto pelo legislador, a conduta que não causa lesão ao bem jurídico impede a caracterização do tipo. Isso porque o direito penal só deve intervir nos casos em que ocorrem efetiva lesividade, em observância aos princípios constitucionais implícitos da intervenção mínima e da fragmentariedade.
Outra hipótese em que entendemos possível a aplicação do princípio da insignificância é quando o agente, embora surpreendido em atividade ilegal ou irregular de pesca, em local ou com petrechos proibidos, não captura nenhum peixe.
Isso porque, se nenhum peixe foi retirado da água, não há qualquer ameaça ao bem jurídico tutelado.
Por ser assim, a conduta de pesca em local ou com petrechos proibido, embora se subsuma à definição jurídica do crime ambiental e, em muitos casos, se amolde à tipicidade subjetiva, não ultrapassa a análise da tipicidade material.
Desse modo, mostra-se desproporcional a imposição de pena privativa de liberdade prevista no tipo penal do art. 34, sobretudo quando a ofensividade da conduta se mostrou mínima; não houve nenhuma periculosidade social da ação; a reprovabilidade do comportamento foi de grau reduzidíssimo e a lesão ao bem jurídico se revelou inexpressiva.
E mesmo que o agente capture algum peixe, não se pode ter a conduta como ofensiva ao meio ambiente e passível de causar um desequilíbrio ecológico uma ação dessa natureza, ainda que levada a efeito em local interditado para pesca.
O que diz a jurisprudência sobre o princípio da insignificância
A jurisprudência admite, embora haja divergências, a aplicação da insignificância quando da lesão ao bem jurídico não houver maior extensão lesiva:
APELAÇÃO CRIMINAL – CRIME CONTRA A FAUNA – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – POSSIBILIDADE – AUSÊNCIA DE LESÃO AO SISTEMA ECOLÓGICO. Aplica-se o princípio da insignificância, mesmo em crimes ambientais, se a conduta do agente não causa qualquer lesão ao bem jurídico tutelado, ou seja, ao meio ambiente, pois o acusado apenas foi flagrado com as redes de pescar, sem ter havido a pesca efetiva de algum peixe. (TJMG, Apelação Criminal 1.0701.12.019735-8/001, Relator(a): Des.(a) Denise Pinho da Costa Val, 6ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 03/09/2013, publicação da súmula em 11/09/2013).
APELAÇÃO CRIMINAL – CRIME AMBIENTAL – PESCA PREDATÓRIA – UTILIZAÇÃO DE APETRECHO PROIBIDO – AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS – PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA – EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE – NÃO OCORRÊNCIA – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – RECONHECIMENTO – AUSÊNCIA DE APREENSÃO DE PESCADO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. A criminalização de uma conduta somente se justifica e legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. Caso contrário é de se aplicar o chamado princípio da insignificância ou da bagatela, para absolver o réu. (TJMG, Apelação Criminal 1.0116.07.013442-8/001, Relator(a): Des.(a) Márcia Milanez, 6ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 04/12/2013, publicação da súmula em 09/01/2014).
HABEAS CORPUS. CRIME AMBIENTAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. INEXISTÊNCIA DE DANO AMBIENTAL PASSÍVEL DE ENQUADRAMENTO LEGAL. ACEITAÇÃO DO SURSIS PROCESSUAL. ART. 89 DA LEI N.º 9.099/95. RENÚNCIA AO INTERESSE DE AGIR QUE NÃO FOI RECONHECIDA PELO STF, QUE DEFERIU ORDEM PARA DETERMINAR O EXAME DO MÉRITO PELO STJ. 1. O bem jurídico protegido pela lei ambiental diz respeito a áreas cujas dimensões e tipo de vegetação efetivamente integrem um ecossistema. A lei de regência não pode ser aplicada para punir insignificantes ações, sem potencial lesivo à área de proteção ambiental, mormente quando o agente se comporta com claro intuito de proteger sua propriedade, no caso, com simples levante de cerca, em perímetro diminuto, vindo com isso, inclusive, a resguardar a própria floresta nativa. 2. Ordem concedida para trancar a ação penal em tela. (STJ, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 12/06/2006, QUINTA TURMA).
HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. CRIME AMBIENTAL. ART. 34 DA LEI N. 9.605/98. AUSÊNCIA DE DANO AO MEIO AMBIENTE. CONDUTA DE MÍNIMA OFENSIVIDADE PARA O DIREITO PENAL. ATIPICIDADE MATERIAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. TRANCAMENTO. ORDEM CONCEDIDA. 1. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o princípio da insignificância tem como vetores a mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. Hipótese em que, com os acusados do crime de pesca em local interditado pelo órgão competente, não foi apreendido qualquer espécie de pescado, não havendo notícia de dano provocado ao meio-ambiente, mostrando-se desproporcional a imposição de sanção penal no caso, pois o resultado jurídico, ou seja, a lesão produzida, mostra-se absolutamente irrelevante. 3. Embora a conduta dos pacientes se amolde à tipicidade formal e subjetiva, ausente no caso a tipicidade material, que consiste na relevância penal da conduta e do resultado típicos em face da significância da lesão produzida no bem jurídico tutelado pelo Estado. 4. Ordem concedida para, aplicando-se o princípio da insignificância, trancar a Ação Penal n. 2009.72.00.002143-8, movida em desfavor dos pacientes perante a Vara Federal Ambiental de Florianópolis/SC”. (STJ, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 25/05/2010, QUINTA TURMA).
Conclusão
Deve-se ter claro em mente, que o Direito Penal deve intervir somente nos casos em que a conduta ocasionar lesão jurídica de certa gravidade, permitindo a afirmação da atipicidade material nos casos de perturbações jurídicas mínimas ou leves, consideradas também em razão do grau de afetação da ordem social que ocasionem.
Portanto, o princípio da insignificância exclui a tipicidade material, admitida pela doutrina e pela jurisprudência em observância aos postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Direito Penal.
Contudo, demanda o exame do preenchimento de certos requisitos objetivos e subjetivos exigidos para o seu reconhecimento, traduzidos no reduzido valor do bem tutelado e na favorabilidade das circunstâncias em que foi cometido o fato criminoso e de suas consequências jurídicas e sociais.
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Excelente! Recomendo a leitura, muito didático.