Sabe-se que em sede de direito criminal, não bastam meros indícios acerca da materialidade e autoria do crime que está sendo apurado, fazendo-se necessária a existência de prova cabal a este respeito.
No processo criminal não há incertezas; ou demonstra-se cabalmente a autoria e a materialidade do delito ou absolve-se, pois a dúvida é sinônimo de ausência de provas.
Havendo um mínimo de incerteza, prevalece o princípio do in dubio pro reo, tornando-se preferível absolver mil culpados do que condenar um inocente.
O princípio do in dubio pro reo determina seja absolvido o réu se o processo não deixar comprovada a materialidade ou autoria, esta dolosa, ou ao menos que tenha agido com negligência ou a imperícia ou a imprudência nos crimes culposos.
Ou seja, se o acervo probatório produzido não se mostra robusto e seguro para se afirmar, com certeza, que o réu praticou o fato criminoso descrito na denúncia, deve ele ser absolvido.
No processo penal, a dúvida deve sempre ser interpretada em favor do acusado, como decorrência da máxima in dubio pro reo, já que decisão em contrário poderia implicar no apenamento de um possível inocente, sendo certo que pelo terríveis efeitos e consequências, a condenação deve sempre ser sempre evitada se o mínimo de dúvida existir.
Neste vértice, a fragilidade, a deficiência ou a contradição do conjunto probatório implica em dúvida, ensejando inquestionavelmente a absolvição do réu, tendo em vista que, nesta hipótese, vige em seu favor a presunção relativa de inocência.
Índice
Princípio do in dubio pro reo aplicado aos crimes ambientais
O critério in dubio pro reo equivale dizer que, nas situações de dúvida, haja de se decidir em favor do réu.
Tal princípio não somente consagra a prudente exigência de certeza bastante para condenar (o que, na órbita penal, significa exigir certeza moral da culpa), mas também corresponde, num território mais estritamente processual penal, à ideia de que a acusação tem o ônus de provar a culpa.
A ausência de prova segura a respeito da autoria e materialidade delitiva conduz à absolvição do réu, como corolário do princípio in dubio pro reo.
Ou seja, a certeza suficiente para a condenação, o que se tem entendido como probabilidade confirmatória da culpa quanto a um fato singular e concreto imputado ao réu, é a que guarda correspondência com a prova da imputação, prova que onera quem acusa.
É neste quadro, em que atua o consequente do status da dúvida, ou seja, em que a dúvida não deposta afasta uma condenação duvidosa, um estado em que a liberdade tem preferência sobre a restrição, em que a boa-fé (e não a má-fé) tem primazia, que se deve considerar o papel do silêncio dos arguidos.
Meros indícios ou conjecturas em relação ao dolo do agente, isoladamente, não bastam para firmar um decreto condenatório, o qual deve alicerçar-se em provas estremes de dúvidas. Dessa forma, milita em favor do acusado o princípio in dubio pro reo.
E neste norte, a existência de provas conflitantes ou mesmo a ausência de elementos aptos a confirmarem a autoria do delito, conduz à absolvição do acusado.
Referida assertiva pressupõe, também, que o ônus da prova deve recair sobre a acusação, de sorte a ensejar a improcedência da denúncia caso a pretensa condenação não venha acompanhada do conjunto probatório suficiente a auxiliar o magistrado na busca pela verdade real.
A doutrina sobre princípio do in dubio pro reo
A respeito do princípio do in dubio pro reo, colhe-se da lição de Guilherme de Souza Nucci[1]:
“A prova insuficiente para a condenação é consagração do princípio da prevalência do interesse do réu -” in dubio pro reo “. Se o juiz não possui provas sólidas para a formação de seu convencimento, sem poder indicá-las na fundamentação da sua sentença, o melhor caminho é a absolvição.”
Renato Brasileiro de Lima[2] também tece valiosa contribuição ao aclarar o princípio in dubio pro reo como regra de valoração probatória:
“Por força da regra probatória, a parte acusadora tem o ônus de demonstrar a culpabilidade do acusado além de qualquer dúvida razoável, e não este de provar sua inocência. Em outras palavras, recai exclusivamente sobre a acusação o ônus da prova incumbindo-lhe demonstrar que o acusado praticou o fato delituoso que lhe foi imputado na peça acusatória.
(…) A regra acusatória deve ser utilizada sempre que houve duvida sobre fato relevante para a decisão do processo. Na dicção de Badaró, cuida-se de uma disciplina do acertamento penal, uma exigência segundo a qual, para a imposição de uma sentença condenatória, é necessário provar, eliminando qualquer dúvida razoável, o contrário do que é garantido pela presunção de inocência, impondo a necessidade de certeza. (…) O in dubio pro reo não é, portanto, uma simples regra de apreciação das provas. Na verdade, deve ser utilizado no momento da valoração das provas: na dúvida, a decisão tem de favorecer o imputado, pois não tem ele a obrigação de prova que não praticou o delito.
(…) Enfim, não se justifica, sem base probatória idônea, a formulação de qualquer juízo condenatório, que deve sempre assentar-se – para que se qualifique como ato revestido de validade ético-jurídica – em elementos de certeza, os quais, ao dissiparem ambiguidades, ao esclarecerem situações equívocas e ao desfazerem dados eivados de obscuridade, revelam-se capazes de informar, com objetividade, o órgão judiciário competente, afastando, desse modo, dúvidas razoáveis, sérias e fundadas que poderiam conduzir qualquer magistrado ou Tribunal a pronunciar o non liquet.”
Hélio Tornaghi[3] assevera:
“Nesse caso é que a máxima in dubio pro reo se aplica em toda sua força. Existem, no processo, elementos que levariam a considerar o réu culpado, mas há outros que permitem supô-lo inocente. Estabelece-se a dúvida no espírito do juiz e, nesse estado de incerteza, ele absolve.”
Aliás, sobre o ônus probante, Fernando da Costa Tourinho Filho[4] ensina:
“A regra concernente ao onus probandi, ao encargo de provar, é regida pelo princípio actori incumbit probatio, vale dizer, deve incumbir-se da prova o autor da tese levantada. Se o Acusador afirma que Mévio furtou, o ônus da prova lhe cabe, mesmo porque, enquanto não definitivamente condenado, o réu é presumidamente inocente. Se este alega que a pretensa res furtiva era sua, compete-lhe a prova. […] Se o réu invoca um álibi, o ônus da prova é seu. Se argúi legítima defesa, estado de necessidade, etc., o onus probandi é inteiramente seu […] Se alegar e não provar, a decepção também será sua.”
Conforme ensina a doutrina, o único caminho cabível quando as provas conduzirem a fundada dúvida sobre a autoria ou materialidade do crime ambiental é a absolvição do acusado.
Isso porque, a dúvida razoável só pode beneficiar o réu, jamais prejudicá-lo, pois esse é um princípio básico que deve sempre prevalecer nos modelos constitucionais que consagram o Estado Democrático de Direito.
O que diz a jurisprudência sobre o princípio do in dubio pro reo
A jurisprudência entende que havendo dúvida sobre a autoria ou materialidade, esta sempre deve beneficiar o réu por aplicação de princípio inarredável in dubio pro reo:
APELAÇÃO CRIMINAL – CRIME AMBIENTAL – MATERIALIDADE – VESTÍGIOS – EXAME DE CORPO DE DELITO – AUSÊNCIA DE PROVA – PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO – ABSOLVIÇÃO – SENTENÇA MANTIDA. – Crime ambiental, por deixar vestígios, exige prova pericial para constatação do efetivo dano ambiental e, consequentemente, da materialidade delitiva – A ausência de prova segura a respeito da materialidade delitiva conduz à absolvição do réu, como corolário do princípio in dubio pro reo – Embasada a imputação criminosa em meros indícios e não tendo o Ministério Público se desincumbido do ônus de provar a materialidade do delito em questão, a manutenção da sentença absolutória é medida que se impõe – Recurso ao qual se nega provimento. (TJ-MG – APR: 10134170037169001 MG, Relator: Lílian Maciel, Data de Julgamento: 28/11/2019, Data de Publicação: 02/12/2019).
PENAL. ART. 38, CAPUT, DA LEI Nº 9.605/98. CRIME AMBIENTAL. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. DOLO NÃO COMPROVADO. DÚVIDA RAZOÁVEL. IN DUBIO PRO REO. ABSOLVIÇÃO. 1. Comete o crime ambiental tipificado no art. 38 da Lei nº 9.605/98 quem destrói ou danifica floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou a utiliza com infringência das normas de proteção. 2. Elementos probatórios que não afastam a existência de dúvida razoável no tocante à vontade livre e consciente do agente. 3. Ausente o elemento subjetivo essencial do artigo 38 da Lei nº 9.605/98, não é possível a prolação de um juízo condenatório, em homenagem ao princípio in dubio pro reo. 4. Apelação do Ministério Público Federal desprovida. Apelação da defesa provida, para absolver o acusado, com base no artigo 386, III, do Código de Processo Penal. (TRF-4 – ACR: 50013919820114047103 RS 5001391-98.2011.4.04.7103, Relator: JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, Data de Julgamento: 23/05/2018, OITAVA TURMA)
PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME AMBIENTAL. ART 55 LEI 9.605/98. USURPAÇÃO. ART 2º LEI 8.176/91. INEXISTÊNCIA DE CONFLITO APARENTE DE NORMAS. EXTRAÇÃO DE ARGILA SEM AUTORIZAÇÃO LEGAL. MATERIALIDADE COMPROVADA. AUTORIA NÃO EVIDENCIADA NOS AUTOS. AUSÊNCIA DE PROVAS QUANTO À AUTORIA DELITIVA. PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. 1. Os tipos penais previstos nos art. 2º, caput, da lei 8.176/91 e art. 55, caput, da lei 9.605/98 caracterizam crimes formais, de perigo abstrato, que se consumam independentemente da ocorrência de resultado naturalístico, já que os bens protegidos são, respectivamente, o patrimônio da União e o meio ambiente ecologicamente equilibrado. Desnecessária, portanto, a perquirição quanto à existência de dano ambiental. 2. Materialidade delitiva dos crimes dos arts. 55 da Lei nº 9.605/98 e 2º da Lei nº 8.176/91 devidamente comprovadas nos autos. 3. As provas arregimentadas aos autos não dissipam as dúvidas quanto à participação do acusado na prática delitiva. O conjunto probatório sinaliza em sentido contrário ao pretendido pela acusação. 4. Necessária a absolvição do réu diante da fragilidade dos indícios existentes, com base no princípio in dubio pro reo, que tem fundamentação no princípio constitucional da presunção de inocência, segundo o qual se impõe a absolvição quando a acusação não lograr provar a participação do acusado no evento criminoso. 5. Apelação do Ministério Público Federal não provida. (TRF-1 – ACR: 00003927320194013826, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL NEY BELLO, Data de Julgamento: 20/07/2021, TERCEIRA TURMA).
Logo, não havendo provas suficientes para firmar a condenação daquele que se repute o causador do crime ambeintal, deve-se presumir, em princípio, a sua inocência, não a culpa (in dubio pro reo).
Conclusão
Conforme visto, se o acervo probatório produzido durante a instrução criminal não se mostrar robusto e seguro para se afirmar, com certeza, que o réu praticou o fato criminoso, absolve-se ou réu em homenagem ao princípio in dubio pro reo.
Dito de outra forma, não basta à condenação o fato criminoso, sendo imprescindível que haja provas incontroversas acerca da autoria e materialidade, o que se não ocorrer de forma suficiente, existindo meros indícios, esparsos, de que o acusado praticou um crime ambiental, a sua absolvição é o caminho a ser adotado.
A dúvida não pode militar em desfavor do réu, haja vista que a condenação, como medida rigorosa e privativa de uma liberdade pública constitucionalmente assegurada requer a demonstração cabal da autoria e materialidade, pressupostos autorizadores da condenação.
Na hipótese de constarem nos autos elementos de prova que conduzam à dúvida acerca da autoria delitiva, a absolvição é medida que se impõe, em observância ao princípio do in dubio pro reo.
Dessa feita, não sendo as provas colhidas suficientes o bastante para a condenação daquele a que se repudie o autor dos fatos pela prática do crime ambiental, pode-se, ou melhor, deve-se invocar o princípio in dubio pro reo.
No direito penal, suspeita, suposição ou conjectura acerca da autoria não é fundamento apto a embasar o decreto condenatório. A prova deve ser firme, integral, de modo a não dar margem a incertezas.
Portanto, se as provas no tocante à autoria forem frágeis, ou sendo a materialidade questionável quanto a titularidade do réu, melhor solução é a sua absolvição, isso em respeito ao princípio in dubio pro reo.
[1] Guilherme de Souza Nucc. Código de Processo Penal Comentado. 8. ed. Editora RT, 2008, p. 689.
[2] Renato Brasileiro de Lima. Manual de Processo Penal: volume único. 5. ed. rev., ampl. e atual. Editora JusPodivm, 2017, p. 44-4).
[3] Hélio Tornaghi. Instituições de processo penal. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1978. v. 4. p. 393.
[4] Fernando da Costa Tourinho Filho. Código de processo penal comentado. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 1999. v. 1. p. 356.