É muito comum que órgãos de fiscalização ambiental apreendam bens de terceiros de boa-fé que estavam alugados e em tese estariam sendo usados para a prática de infração ambiental
Na prática funciona assim: o locador celebra um contrato de locação com o locatário transferindo para este a posse de um determinado bem, como um trator, caminhão, escavadeira ou outro maquinário ou veículo, para ser utilizado em um trabalho específico.
Contudo, como qualquer atividade está sujeita a uma fiscalização ambiental, quando constatada uma infração às normas de proteção do meio ambiente, será lavrado um auto de infração ambiental, bem como um termo de apreensão do bem usado na prática da infração.
Ocorre que se o maquinário ou veículo apreendido pertencia a terceiro de boa-fé, que não participou de qualquer ilícito nem tinha conhecimento de que o locatário usaria o bem para cometer uma infração, será possível a declaração de nulidade do termo de apreensão e devolução do bem ao locador, desde que preenchidos alguns requisitos.
Índice
Maquinários de propriedade de terceiro de boa-fé que não praticou a infração ambiental
O artigo 25 da Lei 9.605/1998 estabelece, como efeito imediato da infração, a apreensão dos bens e instrumentos utilizados na prática do ilícito ambiental.
Ocorre que a apreensão e o confisco de instrumento vinculado à prática de crime ambiental, que trata o dispositivo supracitado, não se revelam como medidas absolutas e indiscutíveis, de sorte que devem sempre ser submetidas ao crivo jurisdicional para aferição da razoabilidade/proporcionalidade entre a perda do bem e o dano ambiental causado.
Isso porque todo regramento deve ser interpretado com observância às peculiaridades específicas do caso concreto.
Nada dispondo a Lei Ambiental quanto à restituição de bens apreendidos, é certo que tal medida se encontra submetida, por analogia, ao disciplinamento procedimental dos artigos 118 e seguintes do Código de Processo Penal, devendo o julgador avaliar, à luz de um juízo de razoabilidade, a pertinência da devolução em cada caso.
O que diz o Código de Processo Penal sobre apreensão de bens
Extrai-se do Código de Processo Penal que a restituição de coisas apreendidas é possível quando demonstrada:
- a propriedade do bem (art. 120, CPP);
- a ausência de interesse na manutenção da apreensão para o deslinde do inquérito policial ou da ação penal (art. 118, CPP); e,
- a não sujeição do bem à pena de perdimento (art. 91, II, CP).
Demais disso, o artigo 119 do CPP prevê expressamente que os bens apreendidos poderão ser restituídos se “pertencerem a terceiro de boa-fé”.
Então, a priori, o bem apreendido durante a prática de infração ao meio ambiente, quando comprovadamente pertencente a terceiro, sem imprescindibilidade para a apuração da infração, pode ser devolvido, desde que demonstrada à boa-fé de seu proprietário.
Isso porque as penalidades administrativas não podem alcançar quem não tenha causado ou mesmo concorrido para praticar o dano ao meio ambiente, não podendo, portanto, haver punição a terceiro, quando não ficar comprovado o nexo causal entre sua conduta e o dano.
Maquinário objeto de contrato de locação
Quando o maquinário apreendido foi objeto do contrato de locação de maquinário agrícola firmado entre o locador (proprietário) e o locatário (autuado), deve-se demonstrar a total ausência de ciência do locador quanto a sua utilização na prática da infração ambiental.
Por isso, é importante que o locador faça constar no contrato uma cláusula expressa e específica no sentido de que “é dever do locatário usar os maquinários locados apenas para fins lícitos”, ou cláusula semelhante.
Assim, demonstrado que, pelas circunstâncias da prática envolvida e apesar de ter tomado as precauções necessárias, o locador não tinha condições de prever a utilização de seus bens no ilícito ambiental, será possível a devolução dos bens apreendidos.
O que diz a jurisprudência sobre devolução de bens apreendidos
Inexistindo comprovação de que o locador tenha praticado ou, de qualquer forma, contribuído para a ocorrência da infração, já que sequer sabia que seu maquinário estava sendo usado para cometimento de infração ambiental, tampouco que tenha se beneficiado com a conduta ilícita, cediço que ele não merece sofrer nenhum tipo de penalização.
Corroborando o entendimento exposto, seguem os julgados:
RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL – INCIDENTE PROCESSUAL – INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE TRATORES APREENDIDOS EM CONTEXTO DE CRIME AMBIENTAL – ALEGADA COMPROVAÇÃO DA PROPRIEDADE DE TERCEIRO DE BOA-FÉ – COLIMADA RESTITUIÇÃO – CABIMENTO – INEQUÍVOCA PROPRIEDADE DOS BENS – REQUERENTE, EM PRINCÍPIO, ALHEIO AO FATO – NÃO VERIFICADA A IMPRESCINDIBILIDADE DO BEM PARA AS INVESTIGAÇÕES – JUÍZO DE RAZOABILIDADE – FIEL DEPOSITÁRIO – RECURSO PROVIDO.
Comprovada a propriedade do bem apreendido, não mais se lobrigando interesse à investigação na retenção e sendo o requerente, em princípio e em tese, terceiro de boa-fé, a restituição da coisa, mediante termo de fiel depositário, é medida que se impõe, nos moldes do art. 118 do Código de Processo Penal, mormente porque a regra posta no art. 25, § 4º, da Lei Ambiental não é absoluta e, pois, a necessidade do confisco deve, sempre e sempre, ser aferida à luz de um juízo de razoabilidade.
(TJ-MT – APL: 00011252320168110046 171673/2016, Relator: DES. ALBERTO FERREIRA DE SOUZA, Data de Julgamento: 29/03/2017, SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 03/04/2017).
REEXAME NECESSÁRIO COM RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – MANDADO DE SEGURANÇA – MAQUINÁRIO APREENDIDO EM AUTUAÇÃO DO ÓRGÃO AMBIENTAL ESTADUAL – PREVISÃO LEGAL – SUPERVENIENTE DEMONSTRAÇÃO DA LOCAÇÃO – BEM DE TERCEIRO – LIBERAÇÃO – BOA FÉ – RECURSO DESPROVIDO – SENTENÇA RATIFICADA.
Na hipótese dos autos, não há qualquer comprovação da participação do apelado (proprietário dos veículos) para o evento, o que permite concluir pela ocorrência de desvio de finalidade por excesso de poder da autoridade impetrada, ao apreender veículo de terceiro que, comprovadamente, agiu com boa-fé, consoante se extrai dos contratos de locação.
Ainda que o artigo 25 da Lei n. 9.605/98 autorize a apreensão de instrumentos utilizados na prática de infração ambiental, para adotar a medida contra bens de terceiros, faz-se necessário demonstrar que os proprietários ou prepostos dos referidos bens detinham conhecimento da prática de algum ilícito.
(TJMT, N.U 0000537-87.2016.8.11.0087, JOSÉ ZUQUIM NOGUEIRA, SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO, Julgado em 12/08/2020, Publicado no DJE 20/08/2020).
Portanto, cabível a liberação de bens apreendido quando não existirem elementos que indiquem que o bem apreendido era utilizado para a prática de atividades ilícitas, bem como não ficar demonstrado que o locador tenha se beneficiado da conduta ilícita.
Notificação do terceiro de boa-fé (locador) sobre a apreensão do bem
Uma questão importante que temos defendido na prática é a obrigatória notificação do locador enquanto terceiro de boa-fé e alheio à prática da infração ambiental que teve seus bens apreendidos.
Assim, quando da instauração do processo administrativo, o locador deve ser notificado para que a ele seja oportunizada a apresentação de defesa administrativa, como garantia ao contraditório e a ampla defesa, já que ao final do referido processo poderá ter bens de sua propriedade perdidos.
Contudo, na maioria dos processos administrativos que possuem bens apreendidos pertencente a terceiros, essa notificação não é emitida nem oportunizada a defesa ou manifestação para comprovar que os seus bens estavam alugados e que não sabia da conduta ilícita praticada, o que para nós configura uma ilegalidade na apreensão, a qual, também por isso, pode ser desconstituída.
Nesse sentido encontramos julgados importantes a corroborar nosso entendimento, isto é, de que o locador e proprietário do bem apreendido deve ser notificado para apresentar defesa, já que ao final do processo poderá ser privado do seu patrimônio:
MANDADO DE SEGURANÇA – INFRAÇÃO AMBIENTAL – APREENSÃO E PERDIMENTO DE TRATOR – PROPRIEDADE DE TERCEIRO NÃO AUTUADO – ILEGALIDADE DEMONSTRADA – SEGURANÇA CONCEDIDA – SENTENÇA CONFIRMADA. –
Comprovado que o trator apreendido em virtude de infração ambiental por proprietário rural é de domínio de terceiro alheio à prática ilícita e ausente a demonstração de que o proprietário do bem foi notificado para o oferecimento de defesa administrativa, tem-se por configurada a ilegalidade apta a autorizar a concessão da segurança, para a restituição do bem ao seu dono – Segurança concedida.
(TJ-MG – AC: 10000190953083001 MG, Relator: Corrêa Junior, Data de Julgamento: 12/05/2020, Data de Publicação: 13/05/2020).
Desta feita, havendo ilegalidade na apreensão e não podendo, sob hipótese alguma, o locador ser penalizado com a perda de seus bens, também é cabível a anulação do termo de apreensão por ausência de notificação do locador e proprietário do bem para que exerça o contraditório e a ampla defesa.
Conclusão
A apreensão de veículo em situação que caracteriza infringência à legislação ambiental, nos termos da legislação de regência, possui caráter cautelar (art. 101, § 1º, do Decreto 6.514/2008) ou sancionador (art. 3º, IV, do Decreto nº 6.514/2008).
Possui natureza acautelatória quando aplicada como medida administrativa cautelar, pelo agente de fiscalização no ato da constatação da irregularidade, com o objetivo prevenir a ocorrência de novas infrações, resguardar a recuperação ambiental e garantir o resultado prático do processo administrativo.
E caracteriza-se como sancionatória quando aplicada no julgamento do processo administrativo, após o devido processo legal e a ampla defesa.
Demais disso, é certo que a finalidade da apreensão deve ser bem definida, ou seja, o objeto apreendido deve ser relevante ou imprescindível para a elucidação do ilícito na via administrativa, seja como prova, ou mesmo, para a defesa.
Ainda, é imprescindível a demonstração de que o proprietário dos bens apreendidos tenha ciência da prática ilícita que estava sendo perpetrada com eles, para que seja possível sofrer qualquer penalização.
Sendo assim, a finalidade da apreensão do bem deve ser bem definida, ou seja, o objeto deve ser relevante ou imprescindível para a elucidação da infração ambiental.
Se não restar comprovado que o bem apreendido tem relevância para o processo, e seu proprietário figura como TERCEIRO de BOA-FÉ, não havendo indícios de que estaria envolvido na conduta ilícita, deve-se realizar a devolução do bem apreendido.
Por fim, vale lembrar que ainda que o artigo 25 da Lei 9.605/98 autorize a apreensão de instrumentos utilizados na prática de infração ambiental, para adotar a medida contra bens de terceiros, faz-se necessário demonstrar que os proprietários dos bens apreendidos tinham pleno conhecimento da prática de algum ilícito.