A conduta de destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente configura o crime ambiental previsto no art. 38 da Lei Federal 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais), com a seguinte redação:
Art. 38. Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção: Pena – detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
Trata-se de norma penal em branco, que criminaliza as condutas de “destruir” (aniquilar, arruinar, extinguir), “danificar” (avariar, comprometer o funcionamento) ou “utilizar com infringência das normas de proteção” florestas consideradas de preservação permanente, incluindo indistintamente coberturas vegetais naturais ou plantadas, em qualquer estágio de formação.
Por isso, conforme ensina Luiz Régis Prado[1], a conduta consiste em destruir ou danificar floresta de preservação permanente, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção podem estar contidas tanto no Código Florestal como em outra lei ou regulamento.
Ensina esse autor que a utilização a que se refere essa conduta consiste no ato de servir-se ou tirar proveito da floresta considerada de preservação permanente de forma indevida, em desconformidade com os preceitos protetivos.
“Utilizar”, na lição de Luis Paulo Sirvinskas[2], é tornar útil, empregar utilmente ou com vantagem, tirar utilidade de, ganhar ou lucrar. Diz respeito, portanto, à exploração econômica da floresta de preservação permanente.
A jurisprudência tem sido refratária na aplicação do princípio da insignificância, haja vista a indisponibilidade dos bens jurídicos tutelados pelas normas ambientais e os princípios de prevenção e precaução que regem o direito ambienta.
Contudo, entendemos necessária a aplicação do princípio da insignificância nos caos em que a destruição ou danos em floresta considerada de preservação permanente, ainda que configure o crime ambiental do artigo 38, não tenha potencial lesivo.
Índice
Aplicação do princípio da insignificância ao crime ambiental do art. 38
É consabido que o princípio da insignificância tem franca aceitação e reconhecimento na doutrina e pelos Tribunais. Funcionando como causa de exclusão da tipicidade, representa instrumento legal decorrente da ênfase apropriada dos princípios da lesividade, fragmentariedade e intervenção mínima.
Oportuno destacar que ao Judiciário cabe somente ser acionado para solucionar conflitos que afetem de forma substancial os bens jurídicos protegidos pelas normas incriminadoras. A propósito, vejamos as lições doutrinárias de Cezar Roberto Bitencourt[3] acerca deste tema, in verbis:
“A tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente para configurar o injusto típico. Segundo esse princípio, que Klaus Tiedemann chamou de princípio de bagatela, é imperativa uma efetivida proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a drasticidade da intervenção estatal. Amiúde, condutas que se amoldam ao determinado tipo penal, sob o ponto de vista formal, não apresentam nenhuma relevância material. Nessas circunstâncias, pode-se afastar liminarmente a tipicidade penal porque em verdade o bem jurídico não chegou a ser lesado.“
Consoante as linhas doutrinárias mencionadas, para que seja conferida a atipicidade da conduta delituosa, faz-se mister, além da análise abstrata desta, o exame das circunstâncias que denotem a inexistência de lesão relevante ao bem jurídico tutelado.
Requisitos para a aplicação do princípio da insignificância ou bagatela
A doutrina e jurisprudência são firmes em assentar que para a aplicação do princípio da significância devem estar presentes, de forma cumulativa, quatro requisitos básicos:
- mínima ofensividade da conduta sub examine;
- inexistência de periculosidade social no comportamento;
- reduzido grau de censura do proceder do agente e;
- insignificância da lesão jurídica produzida.
Nesse exato tocante, colhe-se da doutrina d o penalista Rogério Greco[4]:
“Ao contrário, entendendo o julgador que o bem subtraído não goza da importância exigida pelo Direito Penal em virtude da sua insignificância, deverá absolver o agente, fundamento na ausência de tipicidade material, que é o critério por meio do qual o Direito Penal avalia a importância do bem no caso concreto.“
Com a mesma sorte de entendimento vejamos as considerações de Guilherme de Souza Nucci[5]:
“O Direito Penal não se ocupa de insignificâncias(aquilo que a própria sociedade concebe ser de menos importância), deixando de se considerar fato típico a subtração de pequeninas coisas de valor nitidamente irrelevante.“
À luz das considerações doutrinárias destacadas, observa-se que, preenchidos os requisitos, deve-se aplicar o princípio da insignificância ao crime ambiental do artigo 38, sobretudo nos casos em que a conduta se mostrar inexpressiva e extensão da área destruída ou danificada é ínfima.
Área destruída ou danificada que se mostra ínfima para configurar o crime
O tipo penal do artigo 38 da Lei 9.605/98 exige que a vegetação atingida, na área de preservação permanente, seja “floresta”, ainda que em formação. Por isso, necessária a realização de prova perícia como já escrevemos outras vezes aqui no nosso site.
Mas mesmo existindo perícia, deve-se ponderar que, muito embora a tutela penal ambiental objetive proteger bem jurídico de indiscutível valor social, a intervenção estatal deve ocorrer com estrita observância dos postulados fundamentais do Direito Penal, notadamente dos princípios da fragmentariedade e da intervenção mínima, como já mencionado.
Assim, a aplicação do princípio da insignificância (ou a admissão da ocorrência de um crime de bagatela) reflete o entendimento de que o Direito Penal deve intervir somente nos casos em que a conduta ocasionar lesão jurídica de certa gravidade, permitindo a afirmação da atipicidade material nos casos de perturbações jurídicas mínimas ou leves, consideradas também em razão do grau de afetação da ordem social que ocasionem.
Logo, constatando-se que os documentos dos autos demonstram que a área atingida não é ínfima e causou dano irrelevante se confrontado com o objetivo da tutela penal, torna-se inviável impor uma condenação, devendo-se em casos assim reconhecer a insignificância da conduta.
Portanto, a despeito da singularidade da tutela penal ambiental, que busca proteger bem de indiscutível valor social, nos casos em que a lesão é ínfima, inexiste fundamento para aplicação da punição criminal, por não atingir consideravelmente o meio ambiente.
Conclusão
O crime ambiental do artigo 38 da Lei 9.605/98 é crime material e de dano, que pode ser cometido a título de dolo ou culpa, e visa à proteção de florestas situadas em área de preservação permanente, ou seja, daquelas descritas nos artigos 4º e 6º do Código Florestal (Lei nº 12.651/12).
Conduto, nos casos em que verificada a insignificância jurídica do ato tido por crime ambiental em área de preservação permanente, à luz das suas circunstâncias, deve o réu ser absolvido por atipicidade do comportamento.
Para tanto, exige-se a conjugação dos seguintes vetores: mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada.
Evidente que quando a lesão ao bem jurídico tutelado se revelar praticamente inexpressiva, como por exemplo, destruição ou danificação de ínfima área de floresta em área de preservação permanente, a aplicação do princípio da insignificância é de rigor.
Isso porque, deve-se lembrar que o Direito Penal somnete deve intervir quando extritamente necessário, de sorte que se não demonstrada a degradação ou risco de degradação de toda a flora que compõe o ecossistema local, aplica-se o princípio da insignificância ou bagatela para afastar a tipicidade da conduta.
Assim, mediante juízo de ponderação entre o ínfimo dano ambiental, incapaz de comprometer a flora que compõe o ecossistema local, e a imposição de sanção penal, torna-se ilegítima a intervenção do Estado no âmbito criminal, por força do princípio da insignificância, descaracterizando materialmente o tipo penal.
Portanto, deve-se realizar um juízo de ponderação entre o dano causado pelo agente e a pena que lhe seria imposta como consequência da intervenção penal do Estado, de modo que se ausente dano efetivo ao meio ambiente, recomenda-se a aplicação do princípio da insignificância.
[1] Luiz Régis Prado. Direito Penal do Ambiente, 3ª Ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 205.
[2] Luis Paulo Sirvinskas. Tutela Penal do Meio Ambiente, 4ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2011, p. 206.
[3] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 16ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011, vol. 1. Pág. 51.
[4] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 8ª Ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011, vol. III. Pág. 39.
[5] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 10ª Ed. São Paulo: RT, 2010. Pág. 735