Tratando-se de infrações ambientais, não se pode presumir a responsabilidade de uma pessoa apenas porque praticada uma conduta que em tese se amoldaria a um tipo administrativo, fazendo-se necessária a presença do elemento subjetivo (dolo ou culpa) de praticar aquela infração (intenção ou negligência).
Não havendo provas concretas capazes de comprovar cabalmente a intenção do indivíduo em praticar uma infração e ocasionar um dano ambiental, ainda que por negligência, há que se proceder a anulação do auto de infração ambiental por ausência do elemento subjetivo necessário à sua caracterização.
Vale lembrar que o Superior Tribunal de Justiça – STJ, após muitos debates e divergências, colocou uma pá de cal na discussão acerca da responsabilidade administrativa, se objetiva ou subjetiva, pacificando entendimento de que em se tratando de infrações ambientais, adota-se a sistemática da teoria da culpabilidade.
Significa dizer que, o auto de infração ambiental somente pode ser aplicado contra a pessoa que praticou a conduta ilícita e, além disso, deve ser comprovado o elemento subjetivo e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano.
Logo, não basta ao agente de fiscalização a mera lavratura de auto de infração ambiental e termos acessórios, mas sim, a efetiva demonstração de que o autuado agiu com intenção, consciência e vontade (elemento subjetivo) direcionadas à realização da conduta descrita em um tipo administrativo violado (elemento objetivo).
A responsabilidade administrativa, em regra, possui natureza subjetiva, isto é, pressupõe a existência de dolo ou culpa. Nesse sentido, colhe-se importante excerto da decisão proferida pelo STJ no AgInt no REsp 1.374.044[1]:
“O poder punitivo estatal exteriorizado no direito administrativo sancionador exige o diálogo com o regime jurídico aplicável no âmbito do Direito Penal, primordialmente, no que toca o princípio da culpabilidade e a obrigatória comprovação de culpa em sentido lato, seja pela prévia constatação de dolo (intenção) ou culpa em sentido estrito (negligência, imprudência ou imperícia).
A incidência do princípio constitucional da culpabilidade consagra direitos e garantias fundamentais do indivíduo em face do poder sancionatório estatal e impede a responsabilização objetiva por infração administrativa, salvo previsão legal expressa”.
Veja-se que o direito administrativo sancionador, como sub-ramo do Direito Administrativo, expressa o poder punitivo do Estado ante o administrado.
Índice
Entendendo o dolo nas infrações ambientais
É corolário do Direito Administrativo Sancionador que a imposição de penas, como a multa, por exemplo, restringe-se às hipóteses em que o indivíduo tenha praticado o ilícito administrativo de maneira dolosa ou com os elementos que integram a culpa: negligência, imprudência e imperícia.
Especificamente em relação ao dolo, adotando-se o conceito do art. 18, I, do Código Penal ao qual é plenamente estendido às infrações administrativas em razão do caráter punitivo, considera-se crime doloso, “quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”.
A leitura atenta do art. 18 do Código Penal revela a necessidade de um “querer” do indivíduo dirigido à realização de uma conduta prevista como ilícito, mesmo sem desejar diretamente a sua prática da infração administrativa assume o risco de produção de resultado por ele previsto.
No ponto, Juarez Tavares[2] ensina que para caracterizar o ilícito, faz-se necessária “uma vinculação emocional do agente para com o resultado; vale dizer, exige não apenas o conhecimento ou a previsão de que a conduta e o resultado típicos podem realizar-se, como também que o agente se ponha de acordo com isso ou na forma de conformar-se ou de aceitar ou de assumir o risco de sua produção”.
Na prática, em todos os casos em que o indivíduo age de forma dolo (querer o resultado) e a ele será imputada a prática do ilícito administrativo ambiental. Não é demais repetir, no entanto, a necessidade de o agente de fiscalização comprovar cabalmente a vontade e consciência do indivíduo em causar o resultado.
A culpa como elemento subjetivo para caracterizar a infração ambiental
O cometimento de infração ambiental na modalidade culposa se configura quando o indivíduo ao deixar de empregar a cautela ou diligência para a qual estava obrigado diante das circunstâncias, não antevê o resultado que podia ter previsto acaso adotado comportamento atencioso ou, prevendo o resultado, supõe levianamente que não se realizaria ou que poderia evitá-lo, praticando assim, de forma involuntária, o ilícito administrativo.
Conforme ensina a doutrina[3], a culpa decorre da não observância de um dever jurídico de cuidado, manifestada na conduta produtora de um resultado objetivamente previsível, por imprudência, negligência ou imperícia, nos termos do art. 18, II, do Código Penal.
Para sua caracterização, devem estar presentes os seguintes requisitos: conduta realizada com quebra de um dever objetivo de cuidado; resultado danoso involuntário; nexo causal entre a conduta e resultado; tipicidade; e previsibilidade.
Explica a doutrina[4] “o infrator, ainda que preveja, não deseja causar o dano, mas o faz por imprudência, negligência ou imperícia. É imprudente aquele que age além dos limites que a cautela lhe impõe. É negligente aquele que não toma os cuidados necessários. É imperito o profissional em seu ofício que age com imprudência ou negligência”.
Diferença entre imprudência, negligência, imperícia
Acerca das modalidades de culpa (imprudência, negligência, imperícia), Cezar Roberto Bitencourt[5] muito bem as explica:
a) Imprudênciaé a prática de uma conduta arriscada ou perigosa e tem caráter comissivo. É a imprevisão ativa (culpa in faciendo ou in committendo). Conduta imprudente é aquela que se caracteriza pela intempestividade, precipitação, insensatez ou imoderação. Imprudente será, por exemplo, o motorista que, embriagado, viaja dirigindo seu veículo automotor, com visível diminuição de seus reflexos e acentuada liberação de seus freios inibitórios.
b) Negligênciaé a displicência no agir, a falta de precaução, a indiferença do agente, que, podendo adotar as cautelas necessárias, não o faz. É a imprevisão passiva, o desleixo, a inação (culpa in ommittendo). É não fazer o que deveria ser feito. Negligente será, por exemplo, o motorista de ônibus que trafegar com as portas do coletivo abertas, causando a queda e morte de um passageiro.
c) Imperíciaé a falta de capacidade, despreparo ou insuficiência de conhecimentos técnicos para o exercício de arte, profissão ou ofício. A inabilidade para o desempenho de determinada atividade fora do campo profissional ou técnico tem sido considerada na modalidade de culpa imprudente ou negligente, conforme o caso.
Especificamente quanto a violação do dever de cuidado, deve-se observar cada caso na perspectiva do indivíduo, de modo a avaliar se o comportamento correspondeu ou não ao esperado para caracterizar a infração ambiental.
Significa dizer que, para caracterizar a culpa por negligência, torna-se necessário analisar se o indivíduo adotou todos os deveres de cuidado que a situação exigia e, mesmo sem intenção, comete infração ambiental.
Já para caracterizar a imprudência, necessário que a conduta seja perigosa, arriscada, adotada sem a observância dos exigíveis deveres de cuidado, enquanto a imperícia está relacionada à inaptidão para o desempenho da profissão, hipóteses essas que na prática são mais difíceis de ocorrer.
Assim, a caracterização da infração ambiental na modalidade culposa depende que a forma de agir do indivíduo, além de descuidada, extrapole os limites socialmente aceitáveis na conduta praticada.
Conclusão
A estrutura fundamental dos tipos administrativos sancionadores, em especial aqueles previstos no Decreto Federal 6.514/08, gira em torno do conceito de agir, na medida em que o dolo e a culpa integram o tipo, ter-se-à uma tipicidade objetiva e uma tipicidade subjetiva.
Deve-se estar presente na conduta a consciência, a vontade, o querer praticar a conduta o ato ilícito, não interessando conduta praticadas sem dolo ou culpa, porque ao contrário, estar-se-ia punindo infrações ambientais de forma objetiva.
Dessa forma, a ausência de dolo ou culpa (negligência, imprudência ou imperícia) descaracteriza o fato típico, como substrato da infração no conceito analítico, o que, por conseguinte, torna inexistente a justa causa para a aplicação de sanções por infração ambiental.
Dito isso, conclui-se que o dolo e a culpa (elemento subjetivo) devem ser extraídos a partir das circunstâncias objetivas de um fato, cabendo ao agente de fiscalização a sua comprovação.
Por outro lado, cabe ao autuado quando da apresentação de defesa impugnar os fatos que lhe foram imputados no auto de infração ambiental, fazendo prova de que não agiu com dolo ou culpa.
Portanto, nos termos da jurisprudência do STJ, como regra a responsabilidade administrativa ambiental apresenta caráter subjetivo, exigindo dolo ou culpa para sua configuração, devendo ser demonstrada pelo agente de fiscalização e, por conseguinte, pelo autuado.
[1] STJ, AgInt no REsp n. 1.374.044/DF, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, j. 14/02/2022.
[2] Juarez Tavares. Teoria do injusto penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 278-279.
[3] Guilherme de Souza Nucci. Código penal comentado. 21 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. p. 194.
[4] SEIFERT, Ronaldo Gerd, Culpabilidade e responsabilidade administrativa ambiental, Revista de Direito v. 14, n. 19, 2011, p. 77.
[5] Cezar Roberto Bitencourt. Código penal comentado. 10 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 78.