O Bioma Mata Atlântica mereceu atenção constitucional – assim como todos os biomas brasileiros – demonstrando a sua relevância como bem de uso comum do povo, atribuindo ao poder público o dever de tutelar este bem ambiental.
O cenário relativo ao Bioma Mata Atlântica está contido no § 4° do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, conforme segue:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (…)
§4° – A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
Para regulamentar o comando constitucional, foi editada a Lei Federal 11.428, de 22 de dezembro de 2006, que dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica, e dá outras providências, ou seja, há um regime jurídico próprio de proteção para esse bioma.
Para os efeitos da Lei Federal 11.428/06, consideram-se integrantes do Bioma Mata Atlântica as seguintes formações florestais nativas e ecossistemas associados, com as respectivas delimitações estabelecidas em mapa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, conforme regulamento:
- Floresta Ombrófila Densa;
- Floresta Ombrófila Mista, também denominada de Mata de Araucárias;
- Floresta Ombrófila Aberta;
- Floresta Estacional Semidecidual;
- Floresta Estacional Decidual;
- Manguezais;
- Vegetações de restingas;
- Campos de altitude;
- Brejos interioranos e encraves florestais do Nordeste.
Quando a fiscalização ambiental constata uma conduta que destruiu ou danificou vegetação, necessária que também demonstre que a vegetação efetivamente pertence ao Bioma Mata Atlântica, identificando os espécimes atingidas.
Dito de outra forma, para que fique configurada a infração administrativa e, principalmente o crime ambiental, a fiscalização deve comprovar através de elementos de prova técnica que a área destruída ou danificada se tratava de vegetação do Bioma Mata Atlântica.
Assim sendo, a configuração da tipicidade da conduta, seja na esfera administrativa ou penal, depende da comprovação de que havia vegetação primária ou secundária pertencente ao Bioma Mata Atlântica, bem como qual era o seu estado sucessional de regeneração.
Índice
Infrações e crimes ambientais no Bioma Mata Atlântica
Sobre a infração administrativa ambiental de destruir ou danificar vegetação pertencente ao Bioma Mata Atlântica, o Decreto Federal 6.514/08 assim dispõe:
Art. 49. Destruir ou danificar florestas ou qualquer tipo de vegetação nativa, objeto de especial preservação, não passíveis de autorização para exploração ou supressão:
Multa de R$ 6.000,00 (seis mil reis) por hectare ou fração.
Parágrafo único. A multa será acrescida de R$ 1.000,00 (mil reais) por hectare ou fração quando a situação prevista no caput se der em detrimento de vegetação primária ou secundária no estágio avançado ou médio de regeneração do bioma Mata Atlântica.
Art. 50. Destruir ou danificar florestas ou qualquer tipo de vegetação nativa ou de espécies nativas plantadas, objeto de especial preservação, sem autorização ou licença da autoridade ambiental competente:
Multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por hectare ou fração.
§1º A multa será acrescida de R$ 500,00 (quinhentos reais) por hectare ou fração quando a situação prevista no caput se der em detrimento de vegetação secundária no estágio inicial de regeneração do bioma Mata Atlântica.
§2º Para os fins dispostos no art. 49 e no caput deste artigo, são consideradas de especial preservação as florestas e demais formas de vegetação nativa que tenham regime jurídico próprio e especial de conservação ou preservação definido pela legislação.
As infrações administrativas acima indicadas correspondem ao crime ambiental previsto no art. 38-A da Lei Federal 9.605/98:
Art. 38-A. Destruir ou danificar vegetação primária ou secundária, em estágio avançado ou médio de regeneração, do Bioma Mata Atlântica, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade.
Tanto para a infração administrativa como para o crime ambiental, a caracterização de “vegetação primária ou secundária, bem como o seu estágio de regeneração exigem conhecimento científico especializado, uma vez que se trata de matéria complexa e técnica.
O que diz a doutrina sobre a caracterização da vegetação
Sobre o tipo penal do artigo 38-A, Luiz Regis Prado[1] faz importante anotação, a qual também pode ser estendida para o tipo administrativo:
“A conduta típica consiste em destruir (desaparecer, aniquilar, desfazer) ou danificar (deteriorar, produzir dano, inutilizar) vegetação primária ou secundária, em estágio avançado ou médio de regeneração, do Bioma Mata Atlântica, ou utilizá-la (ato de servir-se ou tirar proveito) com infringência das normas de proteção (= norma penal em branco – vide Lei 11.428/2006).
O termo “bioma” é empregado “para denominar um grande biossistema regional ou subcontinental, caracterizado por um tipo principal de vegetação ou outro aspecto identificador da paisagem”. Entre os mais importantes biomas brasileiros encontra-se a Mata Atlântica (“floresta tropical latifoliada úmida de encosta”), considerada pela Carta Magna de 1988 como patrimônio nacional (art. 225, § 4.º).
O Bioma Mata Atlântica é constituído, de acordo com o art. 2.º da Lei 11.428/2006, das seguintes formações florestais nativas e ecossistemas associados, com as respectivas delimitações estabelecidas em mapa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE –, conforme regulamento: Floresta Ombrófila Densa; Floresta Ombrófila Mista, também denominada de Mata de Araucárias; Floresta Ombrófila Aberta; Floresta Estacional Semidecidual; e Floresta Estacional Decidual, bem como os manguezais, as vegetações de restingas, campos de altitude, brejos interioranos e encraves florestais do Nordeste.
A definição de vegetação primária e de vegetação secundária nos estágios avançado, médio e inicial de regeneração do Bioma Mata Atlântica, nas hipóteses de vegetação nativa localizada é de iniciativa do Conselho Nacional do Meio Ambiente (art. 4.º, caput, Lei 11.428/2006). Em cumprimento ao disposto no art. 4.º, foi editada a Resolução 388, de 23.02.2007, convalidando as resoluções anteriormente emitidas acerca da matéria.
Entende-se por vegetação primária aquela “vegetação de máxima expressão local, com grande diversidade biológica, sendo os efeitos das ações antrópicas mínimos, a ponto de não afetar significativamente suas características originais de estrutura e de espécies” (art. 2.º, I, Resolução 10/1993, CONAMA). Enquanto vegetação secundária ou em regeneração constitui a “vegetação resultante dos processos naturais de sucessão, após supressão total ou parcial da vegetação primária por ações antrópicas ou causas naturais, podendo ocorrer árvores remanescentes da vegetação primária” (art. 2.º, I, Resolução 10/1993, CONAMA).
Para caracterizar o estágio médio devem-se observar: “a) fisionomia arbórea e/ou arbustiva, predominando sobre a herbácea, podendo constituir estratos diferenciados; b) cobertura arbórea, variando de aberta a fechada, com a ocorrência eventual de indivíduos emergentes; c) distribuição diamétrica apresentando amplitude moderada, com predomínio de pequenos diâmetros; d) epífitas aparecendo com maior número de indivíduos e espécies em relação ao estágio inicial, sendo mais abundantes na floresta ombrófila; e) trepadeiras, quando presentes são predominantemente lenhosas; f) serapilheira presente, variando de espessura de acordo com as estações do ano e a localização; g) diversidade biológica significativa; h) sub-bosque presente” (art. 3.º, II, Resolução 10/1993, CONAMA).
Já no estágio avançado verifica-se “a) fisionomia arbórea, dominante sobre as demais, formando um dossel fechado e relativamente uniforme no porte, podendo apresentar árvores emergentes; b) espécies emergentes, ocorrendo com diferentes graus de intensidade; c) copas superiores, horizontalmente amplas; d) distribuição diamétrica de grande amplitude; e) epífitas, presentes em grande número de espécies e com grande abundância, principalmente na floresta ombrófila; f) trepadeiras, geralmente lenhosas, sendo mais abundantes e ricas em espécies na floresta estacional; g) serapilheira abundante; h) diversidade biológica muito grande devido à complexidade estrutural; i) estratos herbáceo, arbustivo e um notadamente arbóreo; j) florestas nesse estágio podem apresentar fisionomia semelhante à vegetação primária; l) sub-bosque normalmente menos expressivo do que no estágio médio; m) dependendo da formação florestal, pode haver espécies dominantes” (art. 3.º, III, Resolução 10/1993, CONAMA).”
Embora seja comum a lavratura do auto de infração e imputação de crimes ambientais por destruir ou danificar vegetação pertencente ao Bioma Mata Atlântica, deve se ter em mente que não é suficientemente para configurar o ilícito a mera indicação de que a área destruída estava localizada dentro de tal bioma.
E a impossibilidade de imputar a infração e crime ambiental fica ainda mais evidente quando ausente a indicação específica do tipo da vegetação suprimida, a qual, conforme doutrina e jurisprudência, deve ser corretamente identificada por profissional com conhecimentos técnico na área.
Identificação da vegetação destruída deve ser feita por perícia oficial
No caso do crime ambiental do art. 38-A da Lei 9.605/98, a jurisprudência vem se consolidando no sentido de que para haver condenação é imprescindível que a conduta se enquadre na descrição do tipo penal e que haja prova plena da materialidade delitiva produzida por perito oficial, sem a qual não restará a demonstrado o crime com a certeza que o Direito Penal exige.
Muito embora por vezes se constate eventual intervenção em vegetação localizada no Bioma Mata Atlântica, isso, por só, não significará que a vegetação pertence ao referido bioma, de modo que a comprovação de que referida área é composta por espécimes protegidos nos termos da legislação ambiental, depende de prova pericial, conforme entendimento jurisprudencial:
APELAÇÃO CRIMINAL – CRIME AMBIENTAL (ART. 38-A, DA LEI 9605/98)– PROCEDÊNCIA DA AÇÃO.APELO DO ACUSADO – 1. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO QUANTO AOS DELITOS PREVISTOS NOS ARTIGOS 38, E 38-A, AMBOS DA LEI 9.605/98, SOB A TESE DE INSUFICIÊNCIA DE PROVAS ACERCA DA AUTORIA E MATERIALIDADE DOS DELITOS – POSSIBILIDADE – NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE EXAME PERICIAL COMPROVANDO A EXISTÊNCIA DOS DANOS DESCRITOS NA DENÚNCIA E QUE FORAM PRATICADOS PELO ACUSADO – ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE – RECURSO PROVIDO. 1. Diante da ausência de prova pericial constatando que existiram os danos descritos na denúncia e de que estes foram praticados pelo acusado, a absolvição quanto aos fatos descritos na exordial se impõe. (TJPR – 2ª C.Criminal – 0000490-62.2012.8.16.0169 – Tibagi – Rel.: DESEMBARGADOR LUIS CARLOS XAVIER – J. 14.06.2021) (TJ-PR – APL: 00004906220128160169 Tibagi 0000490-62.2012.8.16.0169 (Acórdão), Relator: Luis Carlos Xavier, Data de Julgamento: 14/06/2021, 2ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 14/06/2021)
APELAÇÃO CRIMINAL – RECURSO DEFENSIVO – ART. 38 DA LEI N. 9.605/98 – FALTA DE LAUDO PERICIAL – IMPÕE A ABSOLVIÇÃO – RECURSO PROVIDO. I. O crime descrito no artigo 38 da Lei 9.605/98 é um crime material, cujo a materialidade se comprova com a realização do laudo pericial, sendo dispensável sua realização somente se o delito não deixou vestígios ou o local torne-se impróprio a presença dos peritos. Assim, ausência do laudo pericial caracteriza falta de provas para a condenação pelo delito de crime ambiental, mesmo que existam provas que evidenciem que realmente a conduta ocorreu. II. Recurso provido. Contra o parecer. (TJ-MS – APR: 00005018820188120041 Ribas do Rio Pardo, Relator: Des. Zaloar Murat Martins de Souza, Data de Julgamento: 30/03/2022, 3ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 01/04/2022)
Como se vê, tanto a infração administrativa como o crime ambiental exigem, para sua configuração, que a área destruída ou danificada pertence ao Bioma Mata Atlântica.
E, considerando que a sua constatação reveste-se de uma certa complexidade, não sendo de fácil identificação por autoridades ambientais sem conhecimento específico para tanto, pois não é qualquer supressão ou destruição que caracteriza o ilícito, necessário a produção de laudo técnico para seu enquadramento, uma vez que somente referido laudo delimitará a vegetação para fins de comprovação se ela realmente pertence ao Bioma Mata Atlântica.
[1] Regis, PRADO, L. Direito Penal do Ambiente. Grupo GEN, 2019.