Quanto à ação anulatória, é importante verificar o texto do artigo 38 da LEF. Interessa a nós somente a parte final do mencionado dispositivo, que versa sobre a ação anulatória do ato declarativo da dívida, o qual é o próprio processo administrativo ambiental. Dispõe o artigo 38 da LEF:
Art. 38 – A discussão judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública só é admissível em execução, na forma desta Lei, salvo as hipóteses de mandado de segurança, ação de repetição do indébito ou ação anulatória do ato declarativo da dívida, esta precedida do depósito preparatório do valor do débito, monetariamente corrigido e acrescido dos juros e multa de mora e demais encargos.
A ação anulatória, como se sabe, é uma ação ordinária autônoma de impugnação do auto de infração ambiental, mas que pode ser utilizada para atacar a dívida, ainda que já esteja em execução fiscal. Entretanto, é salutar esclarecer um ponto: o direito de ação não pode estar prescrito.
Isso se dá porque, de acordo com Decreto n. 20.910/32, prescreve em cinco anos todo e qualquer direito de ação contra a Fazenda Pública.
É pacífico que o início do prazo prescricional se inicia com o trânsito em julgado do procedimento administrativo, juntamente com o direito de execução da dívida, nos termos da Súmula n. 467 do STJ.
Nesse caso, questionar-se-ia o próprio auto de infração, que é um ato administrativo oriundo do poder de polícia. Entretanto, após isso, também há outros atos administrativos.
Índice
Impugnação da Certidão de Dívida Ativa por ação anulatória
Acerca desse ponto, por outro lado, defendemos a possibilidade de impugnar a Certidão de Dívida Ativa, propriamente dita, em razão de vícios ocorridos no procedimento administrativo.
Desse modo, defendemos que o início do prazo de prescrição do direito de ação se dá com a inscrição do valor em dívida ativa, e não com o trânsito em julgado administrativo, porque o Estado, no seu poder de autotutela, tem o dever de anular seus atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais.
Assim, não poderia ser inscrita em dívida ativa, por exemplo, uma multa, quando nem sequer houve notificação válida para a defesa administrativa ou uma dívida prescrita, sendo a ação anulatória utilizada para atacar o título executivo.
É que a inscrição em dívida é um ato formal, nos termos dos artigos 202 e 203 do CTN, bem como do art. 2º da LEF, cuja omissão dos requisitos legais é causa de nulidade da inscrição, por força de lei.
Logo, ainda que a nulidade seja pretérita, é possível questionar a validade da CDA que se encontra eivada de vícios, já que também é um ato administrativo propriamente dito.
Ação anulatória como meio de defesa contra execução fiscal de multa ambiental
Superada a fase da prescrição do direito de ação, temos que a ação anulatória é um meio de defesa amplo, podendo ser alegada toda e qualquer tese de direito, com ampla instrução probatória.
Assim como nos embargos à execução fiscal, nesta ação anulatória pode ser alegadas matérias como perícias, constatações e inspeções judiciais, prova testemunhal e toda prova que se fizer útil ao deslinde do feito.
Por ser uma ação autônoma, deverá haver o recolhimento de custas judiciais ou gratuidade da justiça. Um ponto importante é que a competência para julgar essa ação será necessariamente do juízo em que já tramita a execução fiscal, nos termos do art. 55, § 2.º, inciso I, do CPC.
Conexão da ação anulatória e execução fiscal
Na esteira da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, reconhece-se a conexão entre a execução fiscal e qualquer ação que vise a desconstituição de título executivo ou a declaração de inexistência da obrigação tributária, que por corolário lógico se aplica aos créditos de natureza não tributária como no caso das multas ambientais.
Isso porque, a ação declaratória ou anulatória tem a mesma natureza dos embargos à execução, uma vez que as questões discutidas consistem em matéria típica de defesa contra a execução fiscal.
Depósito prévio na ação anulatória
Cabe ainda tratar de uma questão muito importante. O artigo 38 da LEF diz que a ação anulatória deve ser precedida de depósito prévio, devidamente acrescido dos encargos, juros e multa.
Esta necessidade de depósito prévio foi considerada inconstitucional pelo STF, rechaçada também pelo STJ (REsp n. 962838), uma vez que viola o direito de ação, criando condicionante desproporcional e irrazoável para propositura de ação. Isso não se confunde com o depósito para garantia da dívida.
Atualmente, o depósito do montante integral é necessário apenas para a suspensão da exigibilidade da dívida, de modo que se suspende a execução fiscal até o trânsito em julgado da ação anulatória.
Porém, o leitor poderia questionar acerca da possibilidade de suspender a exigibilidade de uma multa ambiental por meio da obtenção de uma tutela de urgência ou de evidência em razão da existência de seus requisitos autorizadores (arts. 300 e 311).
Defendemos que sim, porque o artigo 151 do CTN, inciso V, dispõe que fica suspensa a exigibilidade do crédito em caso de concessão de liminar ou tutela antecipada.
Suspensão da execução fiscal por ação anulatória
Ora, presentes os requisitos necessários à concessão de tutela de urgência, não existem óbices para determinar a suspensão da execução fiscal, já que ficou evidenciado, numa análise de cognição sumária, que aquele título é nulo por algum motivo, de modo que não poderia haver continuidade da cobrança até o deslinde da dívida.
Não se desconhece a tese de que, em caso de defesas heterotópicas aos embargos à execução fiscal (defesas que possuem o mesmo efeito), seria necessário o depósito do montante integral para a suspensão da exigibilidade do crédito, sob pena de desfigurar os embargos à execução fiscal.
Entretanto, o artigo 151 do CTN é expresso em mencionar que a concessão de liminar suspende exigibilidade do crédito tributário, bem como a concessão de tutela de urgência.
Nesse ponto, por não haver previsão legal específica para a suspensão da exigibilidade dos créditos não tributários, entende-se pela aplicabilidade supletiva do art. 151 do CTN, já que os débitos não tributários são executados pela mesma sistemática.
O que diz a jurisprudência sobre a suspensão da execução
A jurisprudência do STJ tem perfilhado desse entendimento, cabendo ao advogado demonstrar de maneira indene de dúvidas a probabilidade do direito e o evidente perigo da demora ou risco ao resultado útil do processo. Veja-se:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ART. 151, II E V, DO CTN. HIPÓTESES INDEPENDENTES DE SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. RECURSO PROVIDO. 1. No enfrentamento da matéria, o Tribunal de origem lançou os seguintes fundamentos (fl. 449, e-STJ): “Não obstante o inciso V, do aludido artigo 151, do CTN, dispor que a concessão de tutela antecipada em ação judicial é caso de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, a meu ver, tal dispositivo deve ser lido à luz dos artigos 16 e 17 da Lei n. 6.830/80, que exigem a garantia do juízo para discussão do débito fiscal. Se assim não o fosse, estaríamos diante do paradoxo de criar a possibilidade de suspender a exigibilidade do crédito fiscal, bem como o respectivo processo de execução, sem a necessária garantia, pelo simples fato de haver ação anulatória em curso”. 2. As hipóteses de suspensão de exigibilidade do crédito tributário previstas nos incisos II e V do art. 151 do CTN são independentes, pelo que a suspensão da exigibilidade do crédito tributário pode ser reconhecida com a simples presença da situação constante do último inciso, independentemente da existência ou não do depósito integral em dinheiro. Precedentes: AgInt no REsp 1.447.738/RJ, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 19/5/2017; AgRg no AREsp n. 449.806/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 30/10/2014; e AgRg no REsp n. 1.121.313/RS, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, DJe 9/12/2009. 3. Dessume-se que o acórdão recorrido não está em sintonia com o atual entendimento do STJ, razão pela qual merece prosperar a irresignação. 4. Recurso Especial provido. (REsp n. 1.809.674/MG, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 15/8/2019, DJe de 10/9/2019.) SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. POSSIBILIDADE. ART. 151, INCISO V, DO CTN. PRESENÇA DE VEROSSIMILHANÇA AFASTADA PELO TRIBUNAL A QUO. SÚMULA 7/STJ. I – A jurisprudência desta Corte admite a suspensão da exigibilidade do crédito tributário por meio de antecipação de tutela, deferida no exercício do poder geral de cautela do juiz, não podendo ser diferente, ante a previsão legal expressa contida no art. 151, inciso V, do CTN. […] (AgRg no Ag n. 1.093.318/SP, relator Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 3/3/2009, DJe de 11/3/2009).
Logo, cabe ao advogado requerer em sede de tutela de urgência a suspensão da execução fiscal, demonstrando de maneira cabal os requisitos do art. 300 ou 311 do CPC, que versam sobre as tutelas provisórias de urgência e evidência, atacando com veemência o processo administrativo para demonstrar que o título foi extraído de um processo administrativo viciado.
Obtida a tutela, o juiz determinará a suspensão da inscrição do nome do autor de eventual cadastro restritivo (Sicafi, Serasa, Cadin), bem como a suspensão do feito executivo.
Conclusão
Essa ação se assemelha muito aos embargos à execução fiscal no que toca à amplitude de matérias que podem ser alegadas, à necessidade de pagamento de custas e à presença de condenação em honorários de sucumbência.
A sutil diferença é que não terá o seu juízo de admissibilidade obstado em caso de ausência de garantia, uma vez que não é necessário apresentar garantia para discutir uma dívida.
Geralmente, quando os juízes não concedem tutela de urgência de cognição sumária, concedem em sede de sentença.
ATENÇÃO: Não se deve propor uma ação anulatória para obstar uma execução fiscal quando uma simples exceção de pré-executividade pode solucionar a demanda.
Assim, caso a tese seja unicamente de ordem pública, como a prescrição, por exemplo, o correto é apresentar uma exceção de pré-executividade, e não uma anulatória, pois ambas terão o mesmo efeito prático, que é a anulação da dívida, bem como a condenação da parte ré em honorários de sucumbência. O trâmite da exceção será muito mais rápido.
Portanto, assim como os embargos à execução fiscal, a ação anulatória deve ser manejada com cautela e somente nos casos em que se vislumbra grande possibilidade de êxito, já que em caso de eventual improcedência da demanda haverá condenação do autor em honorários de sucumbência e, tratando-se de demandas ambientais, os valores são vultuosos.
2 Comentários. Deixe novo
Parabéns pelo excelente trabalho!
Excelente conteúdo, essencialmente para os que atuam no direito ambiental como aos que tem interesse na área. Parabéns!