Cediço que o parágrafo 1° do art. 16 da Lei n. 6.830/80 estabelece que a garantia do juízo é condição essencial para suspensão da execução fiscal, de maneira que, uma vez não oferecida, a medida (tanto pela via de conhecimento como nos embargos) poderia ser indeferida.
Ocorre que há expressa vedação na Constituição Federal de 1988, segundo a qual todos têm direito de acesso ao Poder Judiciário, ao contraditório e à ampla defesa.
É dizer que referido diploma legal não foi recepcionado pela Carta Magna. Não à toa o Supremo Tribunal Federal editou as Súmulas Vinculantes 21 e 28, cuja redação é a seguinte respectivamente:
Súmula Vinculante 21: É inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévio de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo.
Súmula Vinculante 28: É inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade do crédito tributário.
Fato é que a Constituição impede que o acesso à Justiça seja condicionado à disponibilidade patrimonial, de sorte que o art. 16, §1º, da Lei n. 6.830/80 não foi recepcionado pela nova ordem constitucional inaugurada em 1988, na medida em que o contraditório continua sendo a pedra angular do sistema processual civil, sem a qual não teríamos um devido processo legal.
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Desnecessidade de garantir o juízo para opor embargos no CPC
Vale destacar, que o Código de Processo Civil permite a oposição de embargos à execução, com a premissa indissociável do contraditório, independente de garantia ao juízo, verbis:
Art. 914. O executado, independentemente de penhora, depósito ou caução, poderá se opor à execução por meio de embargos.
Isso significa que, na hipótese de execução por título extrajudicial contra a Fazenda Pública (Súmula 279 do STJ), poderá esta opor embargos independente de garantia do juízo.
Porém, se o particular for o executado por aquela, somente poderá opor se garantir o juízo, afigurando-se inconstitucional tal exigência, conquanto devam ser aplicados os mesmos direitos às partes, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CF, art. 5º, caput).
Não é razoável que somente nas demandas propostas pela Fazenda Pública (Lei n. 6.830/80) não exista a possiblidade de apresentação de embargos pelo devedor sem garantia do juízo, uma vez que tal privilégio – prerrogativa da Fazenda – viola a igualdade.
Ademais, importante trazer à baila a redação do art. 1º da Lei nº 6.830/80, que dispõe expressamente sobre a aplicação subsidiária do CPC à execução fiscal, afastando eventual argumento que o artigo 16, §1º é regra especial, até porque prevalece na solução da antinomia jurídica:
Art. 1º – A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.
Conclusão sobre a inconstitucionalidade do art. 16, §1º, da Lei n. 6.830/80
Assim, tem-se que a exigência de garantia do juízo para oposição de embargos à execução fiscal ou ajuizamento de demanda que visa suspender execução fiscal não foi recepcionada pela nova Ordem Constitucional de 1988, razão pela qual entendemos cabível, no controle difuso, o reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 16, §1º da Lei 6.830/80.
Com efeito, no controle difuso, não se recorre ao Judiciário com o objetivo principal de se ver declarada uma inconstitucionalidade; nela, aquele que a levanta, busca a defesa de um interesse subjetivo, passando este, antes, incidental e acessoriamente, pela inconstitucionalidade da lei suporte da pretensão, não sendo, pois, esse o objetivo principal da ação.
Assim, neste caso, “o juiz estará obrigado a decidir primeiro se a lei é constitucional, ou não, para só depois, com base nessa premissa, decidir o pedido principal, firmando o entendimento no caso concreto […] Por isso se diz que no controle difuso o objeto da ação não é a constitucionalidade em si, mas sim uma relação jurídica concreta qualquer”[1].
No mesmo norte, Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, in Curso de Direito Constitucional, Saraiva, 10ª ed., 2015, pág. 1108. Nas palavras de Paulo Roberto de Figueiredo Dantas, “a análise da constitucionalidade da norma, portanto, antecede o exame do mérito da demanda”[2].
Portanto, defendemos que a declaração de inconstitucionalidade, em controle difuso, é medida adequada, mas que deve ser adotada pelo advogado com extrema cautela, objetivando afastar a exigência de garantia de juízo para suspensão de execução fiscal, ante a patente ofensa direta e clara aos princípios constitucionais do acesso à Justiça, a ampla defesa e ao contraditório.
[1] PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. 14ª ed., Método, 2015, págs. 793 e 813.
[2] DANTAS, Paulo Roberto Figueiredo. Direito Processual Constitucional , 6ª ed., Atlas, 2015, pág. 202.