A Constituição de 1988 trouxe novos paradigmas ao estabelecer de modo expresso um leque de garantias, que assegura direitos fundamentais. Garantias essas que não constituem mera declaração de direito. Na realidade, dão efetividade ao direito garantido.
Entre outros direitos fundamentais, a Constituição Brasileira assegura o habeas corpus – ação constitucional autônoma de impugnação, ação popular gratuita, que visa garantir a liberdade.
Trata-se de instrumento de tutela da ameaça, mesmo que remota, da liberdade da pessoa. Instrumento ainda de controle da persecução penal, na medida em que limita a atuação do poder do Estado.
Dispõe o art. 5º, LXVIII, que o habeas corpus será concedido sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção ou abuso de poder.
O habeas corpus tem perfil garantista. Ao mesmo tempo garantia, constitui instrumento que assegura a liberdade, assim como, direitos fundamentais que dela emanem. Protege o direito fundamental da liberdade contra toda espécie de ilegalidade, coação ou abuso de poder do agente do Estado.
Como garantia constitucional, não se esgota na tutela direta e imediata do direito de ir e vir. Resguarda outros direitos, que emanam do direito de locomoção. Presta-se a remover, de pronto, ou evitar, atos manifestamente ilegais.
Nem mesmo a previsão de recurso específico impede a impetração de habeas corpus, desde que a ilegalidade tenha respaldo em prova pré-constituída.
Basta conferir os precedentes do Supremo Tribunal Federal (RCH 123711, rel. min. Dias Toffoli, DJ. 14.11.2014; HC 113.103, rel. min. Ricardo Lewandowski, DJ. 11.4.2013); e do Superior Tribunal de Justiça (HC 77.703, relª. minª. Laurita Vaz DJ 29.6.2007; RHC 20.624, rel. min. Gilson Dipp, DJ 19.03.2007).
Vale destacar, que para a análise de um habeas corpus, é desnecessária qualquer análise do conjunto probatório, bastando a revaloração jurídica dos fatos nos exatos termos delineados na sentença e no acórdão.
Conforme já decidido pelo eg. Superior Tribunal de Justiça, o “habeas corpus em que os fatos imputados sejam incontroversos é remédio hábil a desconstituir sentença condenatória”. Isso porque, nesses casos, “não se discutem os fatos, mas, sim, sua classificação jurídica” (HC 88.664, Rel. p/ acórdão Min. CELSO LIMONGI, 6ª Turma, DJe 08.09.2009).
1. Quando é possível o trancamento da ação penal por crime ambiental
O trancamento de ação penal, pela via do habeas corpus, somente é admissível quando houver demonstração, de plano, da ausência de justa causa para a ação penal, assim como a ausência de demonstração inequívoca de autoria ou materialidade, a atipicidade da conduta, a absoluta falta de provas, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade ou a violação dos requisitos legais exigidos para a peça acusatória.
Por exemplo, nos crimes ambientais que envolvem empresas, o simples fato de o acusado figurar como gerente, administrador ou sócio, não autoriza a instauração de processo criminal, e se não for demonstrado na denúncia a mínima relação de causa e efeito entre as imputações e a condição que ele ostenta, o trancamento da ação penal é plenamente cabível.
Em casos assim, a inexistência de elementos hábeis a descrever a relação entre os fatos delituosos e a autoria ofende o princípio constitucional da ampla defesa.
Isso porque, na hipótese, não será possível exercer a garantia do contraditório e da ampla defesa se a denúncia não indicar quais seriam efetivamente as condutas que, imputadas ao acusado, teriam redundado no dano ambiental.
Haveria aí pelo menos duas violações ao direito do acusado: de um lado, a inaceitável formulação de denúncia genérica, que não permite ao denunciado discernir com clareza e precisão qual exatamente a conduta, em toda a extensão de seus elementos típicos, que lhe é imputada.
De outro, a indesculpável formulação de peça acusatória que endereça ao acusado um crime ambiental, mas não lhe propicia defesa idônea e suficiente, com todos os meios de prova e recursos a ela inerentes, de ordem a poder confrontar específico elemento do tipo legal incriminador apontado na denúncia.
Portanto, se comprovada a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a evidente ausência de justa causa, será plenamente possível o trancamento da ação penal instaurada em decorrência de crime ambiental pela via do Habeas Corpus.