É ilegal a aplicação de multa administrativa por infração ambiental aplicada contra o herdeiro de área ou terreno transmitido como herança, quando não comprovada pelo agente de fiscalização ambiental a ação ou omissão do herdeiro na violação das regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
Ou seja, o herdeiro da pessoa que teria causado a infração ambiental não se sujeita à respectiva multa administrativa, porque essa se afigura como uma sanção aplicável somente ao transgressor.
Além disso, vale lembrar que as obrigações civis ambientais possuem natureza propter rem, contudo, as multas administrativas por infração ao meio ambiente somente podem ser aplicadas com fundamento no poder sancionador do Estado e tem caráter pessoal.
Assim, nãos e pode admitir que um auto de infração ambiental seja lavrado em nome do herdeiro após o falecimento do autor da herança, quando foi esse (de cujus) que causou a infração.
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Responsabilidade do herdeiro em caso de infração ambiental
Com efeito, com a morte do autor da herança, a posse e a propriedade dos bens que a compõem transmitem-se automática e imediatamente.
Essa transmissão por força de lei é o que a doutrina denomina princípio droit de saisine, que determina a passagem do patrimônio sucessível do falecido para seus herdeiros de forma automática, até mesmo se estes desconhecerem o falecimento do transmissor, conforme dispõe o artigo 1.784, do Código Civil, verbis:
Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.
Por esse princípio, a transmissão da posse e propriedade dos bens que integram a herança, para os herdeiros, opera por força da lei, independentemente de qualquer outro ato, providência ou circunstância.
Dessa forma, mesmo que não haja a abertura do inventário, tem-se que os herdeiros já são possuidores e proprietários a partir do momento da morte do de cujus.
Infração ambiental praticada em terreno transmitido como herança
O mero fato de o herdeiro passar a ser possuidor e proprietário de uma área ou terreno, por força do droit de saisine, do bem sobre o qual incidiu a infração ambiental, revela-se insuficiente para que recaia sobre os seus ombros a prática da ilicitude.
Ao revés, à luz da legislação ambiental é preciso restar caracterizada a prática de conduta comissiva ou omissiva do infrator.
Nesse cenário, é o que se extrai do artigo 70 da Lei 9.605/98, que assim dispõem sobre infração ambiental:
Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
Logo, se não restar demonstrado no processo administrativo que a infração ambiental foi resultado da ação ou omissão do herdeiro da área ou terreno, haverá evidente nulidade.
O que diz a doutrina
Nesse sentido, Fábio Medina Osório[1] muito bem ensina que a multa somente pode ser imposta à pessoa que praticou a infração em razão do seu caráter pessoa e sancionatório:
A pena somente pode ser imposta ao autor da infração penal. A norma deve acompanhar o fato. Igual exigência acompanha o Direito Administrativo Sancionatório.
Incabível responsabilidade objetiva, eis uma das consequências do princípio da pessoalidade da sanção administrativa. Repele-se, fundamentalmente, a responsabilidade pelo fato de outrem e a responsabilidade objetiva.
O delito é obra do homem, como o é a infração administrativa praticada por pessoa física, sendo inconstitucional qualquer lei que despreze o princípio da responsabilidade subjetiva.
O princípio da pessoalidade da pena, de natureza constitucional, se estende, em tese, ao Direito Administrativo Sancionatório e é um desdobramento do princípio da culpabilidade. Trata-se de direito fundamental inerente ao devido processo legal punitivo.
A pena criminal somente pode atingir o sentenciado (art. 5.º, XLV, CF), exigência que nos parece incidente no campo do Direito Administrativo Sancionador.
A pena administrativa somente pode atingir a pessoa sancionada, o agente efetivamente punido, não podendo ultrapassar de sua pessoa. É certo que esta pessoa pode ser física ou jurídica, não importa.
Pessoalidade da sanção administrativa veda, por certo, a chamada responsabilidade solidária, ainda que estabelecida por lei, porque a lei não pode violentar um princípio constitucional regente do Direito Administrativo Sancionador.
Acompanhando a doutrina, o Superior Tribunal de Justiça – STJ[2] já pacificou entendimento segundo o qual a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade.
Ou seja, conforme entendimento do STJ, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano.
Necessidade de demonstrar a responsabilidade administrativa do herdeiro
Conclui-se que quando o auto de infração ambiental é lavrado contra o herdeiro após o falecimento do autor da herança (de cujus), haverá patente vício quanto à responsabilidade administrativa.
Com efeito, cabe ao agente de fiscalização comprovar que a infração praticada em área ou terreno transmitido como herança decorre de ação ou omissão do herdeiro na violação das regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente, sem o que não há se falar em infração.
Merece atenção o fato de que o herdeiro pode arcar com a multa por infração ambiental cometida pelo autuado falecido, se a morte do infrator ocorrer após o julgamento do processo administrativo, conforme ensinamos nesse artigo.
Portanto, não basta, pois, a constatação da prática de infração ambiental no terreno para a responsabilização do proprietário, sendo imprescindível a efetiva ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
[1] OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 3ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 338.
[2] REsp 1.251.697/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 17.4.2012.