A nulidade por falta de exame de corpo de delito não é matéria de preliminar, não podendo, per se, dar causa à anulação do procedimento.
A inexistência de exame de corpo de delito que ateste a ocorrência dos crimes ambientais de corte ilegal de árvores e receptação de produtos de origem vegetal, tipificados nos art. 39[1] e 46[2], ambos da Lei 9.605/98, bem como as possíveis dimensões do dano ambiental produzido pela conduta do infrator acusado, acarreta na nulidade da ação penal, nos termos da previsão legal do art. 564, III, b, do Código de Processo Penal:
Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:
III – por falta das fórmulas ou dos termos seguintes:
a) a denúncia ou a queixa e a representação e, nos processos de contravenções penais, a portaria ou o auto de prisão em flagrante;
b) o exame do corpo de delito nos crimes que deixam vestígios, ressalvado o disposto no Art. 167;
Com efeito, é impositiva, nos termos da Lei, a realização de perícia em infrações tais como aquela do art. 39, da Lei 9.605/98. Eis o que dispõe o art. 158, do Código de Processo Penal:
Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
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Princípio do livre convencimento motivado do juiz
Não obstante o exposto anteriormente, é de se observar que, apesar da causa de nulidade pela falta de exame pericial elencada no mencionado art. 564, do CPP, prevalece em nossa ordem processual penal o chamado princípio do livre convencimento motivado do juiz.
Através do referido princípio, atribui-se ao magistrado a função de apreciar livremente, pondo-a em conjunto, toda a prova colhida acerca da materialidade e da autoria do delito.
Não existe, assim, hierarquia entre os meios de prova admitidos, cabendo ao julgador sopesar a prova colhida, desde que se aponte, na fundamentação da decisão, as suas razões de decidir e o procedimento lógico que o conduziu às conclusões de seu julgamento.
A opção do legislador de 1941, erigindo em causa de nulidade a falta de exame de corpo de delito, em infrações que deixem vestígios, é incompatível com o sistema da persuasão racional do juiz, consagrado pelo sistema do Código de Processo Penal. Nesse sentido é a crítica de Ada Pellegrini Grinover[3] et al:
Com razão, a doutrina tem criticado a solução do Código, seja porque constitui resquício do sistema já superado da prova legal, seja porque a não demonstração da existência do crime, mais do que problema de nulidade, representa falta de prova que interfere na decisão do processo”.
A inexistência da prova técnica, portanto, é questão pertinente ao mérito recursal, não podendo, per se, dar causa à anulação do procedimento.
O julgador poderá, ademais, para a formação de seu convencimento, prescindir, também, do exame pericial em infrações que tenham deixado quaisquer vestígios, desde que os elementos de prova de que dispõe autorizem a conclusão pela materialidade do delito.
Nesse sentido, já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça[4]:
Havendo outros elementos probatórios, de regra, lícitos, legítimos e adequados para demonstrar a verdade judicialmente válida dos fatos, não há razão para desconsiderá-los sob o pretexto de que o art. 158 do CPP admite, para fins de comprovação da conduta delitiva, apenas e tão-somente, o respectivo exame pericial.
Portanto, a mera não-realização de exame pericial, por si só, não pode ensejar a decretação da nulidade do feito.
Todavia, a omissão dos órgãos da persecução estatal em providenciar a produção da prova técnica abala, naturalmente, a convicção de qualquer juízo quanto à materialidade delitiva, argumento que desenvolvo no exame do mérito do presente recurso.
Conclusão
Por fim, vale destacar que, cuidando-se de recurso exclusivo da Defesa, é vedada a arguição de nulidade que venha a aproveitar somente à parte adversa. Nesse sentido, é a clara redação do art. 565, do Código de Processo Penal:
Art. 565. Nenhuma das partes poderá arguir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à parte contrária interesse.
Sendo atribuível aos órgãos da persecução criminal a omissão em diligenciar na produção do exame pericial necessário à prova da materialidade do crime, não é cabível a decretação de nulidade que resultaria em patente prejuízo ao acusado, uma vez que se reabriria, ao Ministério Público (órgão acusador), a oportunidade processual de produzir a prova faltante.
Portanto, a nulidade por falta de exame de corpo de delito não é matéria de preliminar, por se tratar de matéria pertinente ao exame do mérito recursal e, não bastasse isso, por se cuidar de providência que somente à parte contrária aproveitaria, no caso, o órgão acusado.