Quando a legislação estadual aplicável ao caso não prevê a prescrição, e considerando que o administrado não pode o administrado ficar à mercê ad eternum de um processo administrativo ambiental sancionador, cabível a aplicação da prescrição intercorrente com base no prazo quinquenal estabelecido pelo Decreto 20.910/32.
Vale destacar que os processos administrativos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não são regidos pelo art. 1º, § 1º, da Lei Federal 9.873/99, uma vez que esse dispositivo se limita a estabelecer o prazo de prescrição trienal para os processos administrativos no âmbito da Administração Pública Federal direta e indireta.
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Jurisprudência do STJ não autoriza a aplicação da leis federais em processos administrativos estaduais e municipais
A questão de que as normas federais não se aplicam aos processos administrativos estaduais e municipais foi sedimentada pelo Superior Tribunal de Justiça, em julgamento sob a sistemática dos recursos repetitivos:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. MULTA ADMINISTRATIVA. PROCON. LEI N. 9.873/1999. INAPLICABILIDADE ÀS AÇÕES ADMINISTRATIVAS PUNITIVAS DESENVOLVIDAS POR ESTADOS E MUNICÍPIOS. PRESCRIÇÃO. APLICAÇÃO DO DECRETO N. 20.910/1932.
- A Primeira Seção deste c. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial Repetitivo n.º 1.115.078/RS (Rel. Min. Castro Meira, DJe de 24/3/2010), processado nos moldes do art. 543-C do CPC, consignou no bojo do voto a inaplicabilidade da Lei n. 9.873/1999 às ações administrativas punitivas desenvolvidas por estados e municípios, em razão da limitação do âmbito espacial da lei ao plano federal, nos termos de seu art. 1º.
- No caso, a ação anulatória de ato administrativo c/c repetição de indébito foi ajuizada em desfavor da Coordenadoria Estadual de Proteção de Defesa do Município de Maringá, em decorrência do exercício do poder de polícia do Procon/PR, sendo, portanto, inaplicável a Lei n. 9.873/1999, consoante entendimento firmado por esta Corte, sujeitando-se, por conseguinte, ao prazo prescricional quinquenal previsto no Decreto n. 20.910/1932.
- Agravo regimental não provido. (Primeira Turma, AgRg no AREsp 509.704/PR, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, julgado em 13.06.2014, DJe 01.07.2014).
Não obstante, a imprescritibilidade dos processos administrativos sancionadores afronta os princípios da segurança jurídica e da estabilidade das relações sociais.
Assim, inexistindo na legislação do Estado dispositivo análogo ao art. 1º, § 1º, da Lei Federal 9.873/99, o prazo prescricional do processo administrativo para constituição de crédito não tributário, no âmbito estadual, será de 5 (cinco) anos, com base no Decreto 20.910/32.
Prescrição da multa ambiental não tem caráter tributário
A prescrição da multa ambiental, por não ter caráter tributário, é regida pelo prazo previsto no Decreto 20.910/1932. O entendimento também está consolidado no Superior Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO. EXECUÇÃO FISCAL. MULTA ADMINISTRATIVA. INFRAÇÃO À LEGISLAÇÃO DO MEIO AMBIENTE. PRESCRIÇÃO. SUCESSÃO LEGISLATIVA. LEI 9.873/99. PRAZO DECADENCIAL. OBSERVÂNCIA. RECURSO ESPECIAL SUBMETIDO AO RITO DO ART. 543-C DO CPC E À RESOLUÇÃO STJ 08/2008.
- A Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental de São Paulo-CETESB aplicou multa à ora recorrente pelo fato de ter promovido a “queima da palha de cana-de-açúcar ao ar livre, no sítio São José, Município de Itapuí, em área localizada a menos de 1 Km do perímetro urbano, causando inconvenientes ao bem-estar público, por emissão de fumaça e fuligem”.
- A jurisprudência desta Corte tem reconhecido que é de cinco anos o prazo para a cobrança da multa aplicada ante infração administrativa ao meio ambiente, nos termos do Decreto n.º 20.910/32, o qual que deve ser aplicado por isonomia, à falta de regra específica para regular esse prazo prescricional. (…) ( REsp 1112577/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/12/2009, DJe 08/02/2010)
Possibilidade de reconhecimento da prescrição no processo administrativo ambiental
Com efeito, quanto à possibilidade de reconhecimento da prescrição intercorrente nos processos administrativos de apuração de multas administrativas, o julgador deve observar os postulados jura novit curia e da mihi factum, dabo tibi jus, a fim de aplicar à espécie as normas jurídicas pertinentes à correta solução da lide posta, entregue à sua apreciação e julgamento.
A Constituição da Republica assegura “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (art. 5º, LXXVIII da Constituição da República)
O Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do REsp 1138206/RS, em sede de Recurso Repetitivo (Temas 269 e 270), realçou que a “duração razoável dos processos foi erigida como cláusula pétrea e direito fundamental” e “é corolário dos princípios da eficiência, da moralidade e da razoabilidade”.
Tratando-se de crédito não-tributário (multa administrativa) aplicável, por analogia, o prazo prescricional de cinco anos, previsto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32.
Assim, transcorrido o lapso temporal superior cinco anos sem qualquer movimentação da autoridade administrativa, imperioso o acolhimento da prejudicial de prescrição intercorrente a partir do Decreto nº 20.910/32.
A regra a prescritibilidade das ações punitivas
A regra de prescritibilidade no Direito brasileiro é exigência dos princípios da segurança jurídica e do devido processo legal, o qual, em seu sentido material, deve garantir efetiva e real proteção contra o exercício do arbítrio, com a imposição de restrições substanciais ao poder do Estado em relação à liberdade e à propriedade individuais.
Entre essas garantias está a impossibilidade de permanência infinita do poder persecutório do Estado, conforme julgado pelo STF no RE 636886 de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, proferido em 20/04/2020.
Desse modo, constatado que o processo administrativo para imposição de multa ambiental ficou sem andamento por mais de cinco anos e a legislação aplicável ao caso previsão é omissa quanto à incidência da prescrição, deve ser reconhecida a ocorrência da prescrição intercorrente, pela incidência da regra geral da prescrição, contida no Decreto 20.910/32.
Conclusão
Frise-se que os processos administrativos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não são regidos pelo art. 1º, § 1º, da Lei Federal 9.873/99, uma vez que esse dispositivo se limita a estabelecer o prazo prescricional de três anos no âmbito da Administração Pública Federal direta e indireta.
E, sendo assim, a prescrição da multa ambiental, por não ter caráter tributário, é regida pelo prazo quinquenal previsto no Decreto 20.910/1932, de modo que basta a demonstração de que o processo administrativo para constituição do crédito esteve paralisado por mais de 5 (cinco) anos para autorizar o acolhimento da tese de prescrição intercorrente.
Assim, se ao compulsar os autos do processo administrativo ambiental verificar transcorreram mais de cinco anos entre dois marcos sem que houvesse causas interruptivas da prescrição, deve ser reconhecida a prescrição do processo e consequentemente do auto de infração ambiental.
Desse modo, se os autos estiveram paralisados por lapso temporal superior a cinco anos, sem que houvesse qualquer movimentação processual, situação que fez incidir a prescrição intercorrente com base no Decreto 20.910/32.
O reconhecimento da prescrição no processo administrativo ambiental com base no Decreto 20.910/32 é necessária, porque essa constatação evidencia flagrante ofensa aos princípios constitucionais da duração razoável do prazo, da celeridade processual e da segurança jurídica.
Logo, em decorrência de inércia atribuível exclusivamente à Administração Pública, é certo que deve ser reconhecida a prescrição intercorrente a partir do referido Decreto quando a legislação aplicável ao caso é omissa quanto aos prazos prescricionais.