O reconhecimento da responsabilidade penal da pessoa jurídica para crime ambiental se dá, fundamentalmente, diante do bem jurídico penalmente tutelado, que é o meio ambiente equilibrado e sustentável.
Se esse é o vetor que instituiu a caracterização da responsabilidade penal da pessoa jurídica no âmbito ambiental, é razoável que outras situações que tentam restringir essa responsabilidade sejam objeto de reflexão. Uma delas é o tema da prescrição.
Índice
Penas aplicáveis à pessoa jurídica que comete crime ambiental
À pessoa jurídica que comete crime ambiental são aplicadas, unicamente, as penas previstas no seguinte dispositivo da Lei 9.605/98:
Art. 21. As penas aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas, de acordo com o disposto no art. 3º, são:
I – multa;
II – restritivas de direitos;
III – prestação de serviços à comunidade.
Apesar de a lei não ter sido clara, em face da natureza das penas cominadas às pessoas jurídicas, de uma análise sistemática da Lei de Crimes Ambientais e do Código Penal, resulta que se aplica, à pena de multa, o inciso I, do art. 114, do Código Penal.
Já às penas restritivas de direito, aplicam-se os mesmos prazos previstos para as privativas de liberdade previstas nos incisos I a VI do art. 109 do Código Penal.
Prazo prescricional da pena de multa
Uma das questões mais complexas, dada a omissão da Lei 9.605/98, é o prazo prescricional dos crimes ambientais cometidos pelas pessoas jurídicas.
O prazo prescricional da pena de multa é de 2 (dois) anos, conforme previsto no art. 114, inciso I, do Código Penal, subsidiariamente aplicável aos processos por crime ambiental, conforme dispõe o art. 79 da Lei 9.605/98, cujo teor é o seguinte:
Art. 79. Aplicam-se subsidiariamente a esta Lei as disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal.
A norma do Código Penal antes referida tem o seguinte teor:
Art. 114 – A prescrição da pena de multa ocorrerá:
I – em 2 (dois) anos, quando a multa for a única cominada ou aplicada;
II – no mesmo prazo estabelecido para prescrição da pena privativa de liberdade, quando a multa for alternativa ou cumulativamente cominada ou cumulativamente aplicada. (Incluído pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996)
Como se vê, o art. 79 da Lei de Crimes Ambientais, prevê a aplicação subsidiária do Código Penal, nos casos em que a pessoa jurídica é condenada pela prática de crime ambiental, tão somente à pena de multa.
Adiante-se, os crimes ambientais praticados pelas pessoas jurídicas prescrevem, à semelhança daqueles praticados pelas pessoas físicas.
Contagem da prescrição no concurso de crimes ambientais
Quando do concurso de crimes ambientais, a prescrição deve ser analisada individualmente para cada delito, nos termos do art. 119 do Código Penal, que assim prevê:
Art. 119 – No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente.
Vale destacar, que até a prolação de sentença, o prazo prescricional se regula pelo máximo abstratamente cominado ao delito, pois aplicáveis aos crimes ambientais, subsidiariamente, todas as disposições do Código Penal e do Processo Penal, dentre elas, o art. 109, parágrafo único, do Código Penal:
Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: […]
Parágrafo único – Aplicam-se às penas restritivas de direito os mesmos prazos previstos para as privativas de liberdade.
Isso porque, se a Lei Ambiental prevê outras modalidades sancionatórias às pessoas jurídicas, que não somente a multa, para fins de cômputo do prazo prescricional abstrato, deve ser observada referida regra (parágrafo único do art. 109).
O que diz a jurisprudência
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO NÃO CONFIGURADA. EMBARGOS REJEITADOS. DECLARAÇÃO, DE OFÍCIO, DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL. ART. 114, INCISO I, DO CP. LAPSO PRESCRICIONAL VERIFICADO.
1. Os embargos de declaração destinam-se a suprir omissão, afastar obscuridade ou eliminar contradição eventualmente existentes no julgado. No caso, não se verificam tais hipóteses.
2. Observando-se o que estabelece o art. 79 da Lei de Crimes Ambientais, que prevê a aplicação subsidiária do Código Penal, e sendo certo que a ação penal de que trata esse recurso responsabilizou apenas a pessoa jurídica ora Recorrente pela prática de crime ambiental, condenando-a à pena de prestação de serviços à comunidade, consistente na contribuição, no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), à entidade ambiental legalmente credenciada (fls. 156/175), incide subsidiariamente, na falta de previsão específica, o disposto no art. 114, I, do Código Penal, segundo o qual “a prescrição da pena de multa ocorrerá em dois anos, quando a multa for a única cominada ou aplicada.”
3. Isso porque a multa, assim como a prestação de serviços à comunidade são penas não privativas de liberdade, o que justificaria a aplicação do mesmo prazo prescricional excepcionalmente nessa hipótese.
4. Transcorrido o lapso prescricional superior a dois anos, contados entre a data do recebimento da denúncia 24/6/2002 (fl. 84) e a publicação do édito condenatório 03/6/2008 (fl. 155), verifica-se a extinção da punibilidade estatal quanto ao crime imputado ao Recorrente.5. Embargos de declaração rejeitados. Declarada, de ofício, a extinção da punibilidade estatal, em face da prescrição da pretensão punitiva.
E ainda:
(EDcl no AgRg no REsp 1230099/AM, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 20/08/2013, DJe 27/08/2013)
PENAL. PROCESSO PENAL. AMBIENTAL. ARTIGO 40, §2º, DA LEI 9.605/98. PRESCRIÇÃO RETROATIVA. OCORRÊNCIA. MATERIALIDADE. AUTORIA. DOLO. COMPROVADOS. CONFISSÃO. RECONHECIDA. HONORÁRIOS DE DATIVO.
1. Observando-se o que estabelece o art. 79 da Lei de Crimes Ambientais, que prevê a aplicação subsidiária do Código Penal, e sendo certo que a ação penal de que trata esse recurso responsabilizou a pessoa jurídica pela prática de crime ambiental, condenando-a à pena de multa, incide subsidiariamente, na falta de previsão específica, o disposto no art. 114, I, do Código Penal, segundo o qual “a prescrição da pena de multa ocorrerá em dois anos, quando a multa for a única cominada ou aplicada.”;
2. O último marco interruptivo da prescrição no caso concreto ocorreu em 29/10/2015 – data de publicação da sentença condenatória. Ausente recurso da acusação, caracterizada a prescrição retroativa no caso em tela, razão pela qual extinta a punibilidade do primeiro réu;
3. Presentes materialidade, autoria e dolo e ausentes questões que excluam ilicitude ou culpabilidade, deve ser mantida a condenação do segundo réu pela prática do delito previsto no artigo 40, §2º, da Lei nº 9.605/98;
4. A confissão foi considerada para fins de condenação do réu, o que faz incidir o disposto no enunciado da Súmula 545 do STJ: “Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal.”.
5. O arbitramento e pagamento dos honorários advocatícios do defensor dativo competem ao Juízo de origem, após o trânsito em julgado, consoante disposições do artigo 425, § 4º, combinado com o artigo 429 da Consolidação Normativa da Corregedoria Regional da Justiça Federal da 4ª Região (Provimento nº 62, de 13/06/2017) e art. 27 da Resolução nº 305/2014 do Conselho da Justiça Federal.
(ACR 0000389-46.2009.4.04.7202, Rel. Des. federal CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, SÉTIMA TURMA, julgado em 06/11/2018)
Exemplo prático
O Ministério Público oferece denúncia em face de uma Pessoa Jurídica, pela prática, por exemplo, do crime ambiental previsto no art. 38 da Lei 9.605/98, assim redigido:
Art. 38. Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção:
Pena – detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
A denúncia é recebida em 20.02.2018, e após instrução, o processo é julgado procedente, publicando-se a sentença em 15.07.2021, condenando a Pessoa Jurídica à sanção da pena de multa pela prática do crime ambiental previsto no art. 38 da Lei 9.605/98.
Conforme se vê, incidiu o prazo prescricional, porquanto transcorreu mais de 2 anos entre a data do recebimento da denúncia e da publicação da sentença condenatória.
Conclusão
Conclui-se que, se transcorrido o lapso prescricional superior a 2 anos, contados entre a data do recebimento da denúncia e a publicação da sentença condenatória que fixa tão somente pena de multa, a punibilidade quanto ao crime ambiental imputado à pessoa jurídica deve ser extinta.
Por fim, vale esclarecer que, por se tratar de matéria de ordem pública, o reconhecimento da prescrição deve ser declarada de ofício, em qualquer fase do processo.