Em primeiro lugar, deve-se destacar que uma sentença penal pode estabelecer uma condenação criminal ou absolvição do infrator que pode ser dividida em:
Sentença absolutória: é aquela proferida com fundamento na inexistência do fato ou de que o réu não concorreu para a infração penal, ou seja, o juízo criminal declara que não existe crime ou que o réu não praticou o crime que lhe foi imputado. Dessa forma, haverá repercussão na esfera administrativa.
Sentença declaratória de extinção da punibilidade: é aquela que reconhece a existência da infração ambiental, mas não confere ao Estado o poder de punir ou aplicar sanções, ou seja, é meramente declaratória.
Índice
Independência das esferas administrativa e penal
Uma pessoa pode cometer uma infração, e esta, pode ser considerada um infração tanto no âmbito do direito penal como no administrativo ao mesmo tempo, podendo ser punido nestas duas esferas, não se configurando violação ao princípio do non bis in idem.
No entanto, em face da independência das jurisdições penal e administrativa, a sentença criminal não repercute na esfera administrativa, excetuados os casos em que ficar provada a inexistência do fato ou que o réu não é foi autor do crime.
Assim, apesar de as esferas criminal e administrativa serem independentes, a Administração Pública está vinculada à eventual decisão do juízo criminal, mas somente quando houver absolvição fundada nos incisos I e IV do art. 386 do CPP.
A seguir, analisaremos os incisos do art. 386 do Código de Processo Penal – CPP que influenciam ou não na esfera administrativa.
Inciso I – estar provada a inexistência do fato
Se o acusado for absolvido com base no inciso I, haverá repercussão no processo administrativo ante a demonstração de que o crime não ocorreu, ou melhor, nunca existiu.
Neste caso, estar-se-á diante de uma sentença absolutória, que, categoricamente, reconhece a inexistência material do fato, impedindo a responsabilização do infrator na esfera administrativa.
Inciso II – não haver prova da existência do fato
A Administração Pública não estará vinculada à decisão proferida na esfera penal quando a absolvição ocorrer com base no inciso II, porquanto apenas não houve provas suficientes a ensejar uma sentença condenatória.
Isso porque, o processo penal tem por finalidade a realização da justiça e sua essência encontra fundamento na observação dos elementos probatórios produzidos nos autos, os quais devem ser certos e convincentes a ponto de gerar a prolação de um decreto condenatório, não bastando para tanto, meras presunções destituídas de fundamento.
Contudo, a mesma prova de que na esfera penal é insuficiente para ensejar o decreto condenatório, pode ser suficiente na esfera administrativa em razão da do poder discricionário da Administração Pública, a qual não pode aplicar punições arbitrárias, em obediência aos princípios que lhe são inerentes, insculpidos no art. 37, “caput”, da Constituição Federal de 1988.
Inciso III – não constituir o fato infração penal
No tocante ao inciso III, há infrações administrativas que não constituem crime ambiental, é dizer, são atípicas.
Exemplo disso, é a supressão de vegetação quando ocorrido fora de Área de Preservação Permanente; de Bioma Mata Atlântica; de Unidade de Conservação; de Terras de domínio público ou devolutas; de Floresta fixadora de dunas, protetora de mangues; e, fora de áreas preservação permanente, quando declaradas de interesse social por ato do Chefe do Poder Executivo;
Tal fato, contudo, poderá constituir infração administrativa prevista tanto no Decreto Federal 6.514/08, como em legislação própria dos Estados ou do Distrito Federal, por força da competência legislativa dos entes federados acerca de meio ambiente, prevista no art. 24 , incisos VI e VIII , da Constituição Federal.
Já sobre crimes ambientais, a competência legislativa é privativa, ou seja, somente a União pode legislar sobre direito penal.
Inciso IV – estar provado que o réu não concorreu para a infração penal
Neste caso, a sentença absolutória reconheceu categoricamente, que o acusado não praticou a infração ambiental, ainda que ela exista. Sendo assim, se não praticou a infração para o juízo da esfera penal, também não pode ter praticado a infração para ensejar punição na esfera administrativa, dado que ambas são objetivas, ou seja, exigem a comprovação de dolo ou culpa.
Todavia, as demais hipóteses de absolvição previstas no art. 386 do CPP não tem o condão de influenciar no processo administrativo, justamente porque, são declaratórias de extinção da punibilidade. Vamos analisar.
Inciso V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal
A sentença de absolvição pelo inciso V, é declaratória de extinção da punibilidade, de modo que nenhuma influência terá no processo administrativo, porquanto o juízo criminal apenas reconheceu que não há provas de que o acusado tenha concorrido para o crime ambiental.
É dizer que, o crime existiu, mas a prova de autoria é frágil, justamente porque o processo penal exige maior grau de certeza para o decreto condenatório, diferentemente do que ocorre na esfera administrativa, porque a Administração Pública a quem cumpre punir o infrator não está compelida a observar o enquadramento jurídico conferido pelo ordenamento penal.
Inciso VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1º do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência;
O enquadramento pelo inciso VI se dá, quando o acusado for absolvido por alguma das hipóteses que o isentam da pena ou que não criminalizem a conduta, de modo que não haverá repercussão na esfera administrativa, por se tratar de sentença declaratória de extinção da punibilidade, ou seja, a materialidade e autoria foram comprovados, mas há circunstâncias que não permitem condenar o réu.
Isso ocorre, por exemplo, no caso do § 2º do art. 29 da Lei 9.605/98, que impõe ao juiz analisar se a guarda doméstica de espécie silvestre não considerada ameaçada de extinção não configura crime ambiental.
Também não haverá repercussão na esfera administrativa, no caso do crime ambiental previsto no art. 37 da Lei 9.605/98, que não considera crime o abate de animal, quando realizado em estado de necessidade, para saciar a fome do agente ou de sua família; para proteger lavouras, pomares e rebanhos da ação predatória ou destruidora de animais, desde que legal e expressamente autorizado pela autoridade competente; por ser nocivo o animal, desde que assim caracterizado pelo órgão competente.
Outras circunstâncias excludentes de pena estão previstas no Código Penal, a saber:
Art. 20. O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo. É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.
Art. 21. O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço.
Art. 22. Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem.
Art. 23 – Não há crime quando o agente pratica o fato: em estado de necessidade; II – em legítima defesa; III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
Art. 26 – É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento
Art. 28. […] § 1 º – É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
VII – não existir prova suficiente para a condenação
Ocorre quando ausente o substrato probatório da prática do crime, incidindo o princípio do in dubio pro reo, porque, para ensejar a condenação em processo criminal, que pode culminar com a restrição da liberdade do indivíduo, exige-se certeza absoluta da prática delitiva e de sua autoria, de modo que a dúvida milita em favor do acusado.
Desse modo, não há de se falar em repercussão na esfera administrativa, porque a sentença apenas declarou extinta a punibilidade do acusado com base no princípio do in dubio pro reo.
Importante esclarecer, que a decisão judicial de arquivamento do inquérito policial por insuficiência de provas acerca da materialidade do delito não exclui a aplicação de sanção administrativa por infração ambiental.
O que diz a jurisprudência
No Superior Tribunal de Justiça – STJ, o entendimento é de que:
[…] Contudo, a sentença criminal de absolvição por ausência de provas suficientes de autoria, tal como no caso, não vincula a esfera cível ou a administrativa, pois somente repercute nas outras esferas quando a instância penal é taxativa em declarar que o réu não foi o autor do crime ou que o fato não existiu. […]. Precedentes citados do STF: MS 22.796-SP, DJ 12/2/1999; MS 21.321-DF, DJ 18/9/1992; do STJ: REsp 476.665-SP, DJ 20/6/2005; RMS 30.590-RS, DJe 7/6/2010; RMS 19.493-MA, DJ 23/10/2006, e RMS 24.837-MG, DJe 9/8/2010. REsp 879.734-RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura.
E não é diferente no Supremo Tribunal Federal – STF, senão vejamos:
RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA – SENTENÇA PENAL ABSOLUTÓRIA – AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO. Estando a sentença penal absolutória calcada na insuficiência de provas para chegar-se à condenação, não há como fazê-la repercutir no processo administrativo, isso a teor do disposto nos artigos 1.525 do Código Civil, 65 e 66 do Código de Processo Penal e 121 a 126 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. (MS 22.796/SP. Relator Min. MARCO AURÉLIO. Tribunal Pleno).
Conclusão
Podemos concluir que, a influência da sentença absolutória criminal no processo administrativo depende se a sentença foi de absolvição (incisos I e IV) ou declaratória de extinção da punibilidade (incisos II, III, V, VI e VII).
Cumpre destacar, que a punição administrativa não depende de processo criminal a que se sujeite o infrator pelo mesmo fato, nem impõe à Administração que aguarde o trânsito em julgado dos demais processos.
Contudo, nos casos em que o decreto absolutório estiver fundado nos incisos I e IV do art. 386 do CPP, será possível que o infrator requeira a suspensão do processo administrativo ambiental e até mesmo a extinção da penalidade administrativa.
Neste caso, se já houve a aplicação de sanção administrativa antes do decreto absolutório na esfera penal fundado nos referidos incisos I e IV, o prazo prescricional da ação para desconstituir a punição administrativa começa a fluir do ato punitivo.
Importante então, que no caso de ser declarada, em primeiro grau da esfera penal, extinta a punibilidade do infrator com fundamento nos incisos II, III, V, VI e VII, que se busque através de recursos, a absolvição pelos incisos I e IV, pois somente assim será possível anular eventual processo administrativo e multa ambiental.
Portanto, diante da independência das esferas criminal e administrativa, somente haverá repercussão no processo administrativo ambiental quando a sentença penal reconhecer a inexistência material do fato ou pela negativa de sua autoria.
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