Em obediência ao princípio da motivação dos atos administrativos, expresso no art. 2º, caput, da Lei 9.784/1999, e nos art. 1º, caput, inciso II e parágrafo único, art. 5º, incisos XXXV e LIV e 93, inciso X, todos da Constituição Federal, devem os atos editados pela Administração Pública serem motivados, sob pena de nulidade do ato por vício de motivação, principalmente quando imporem aos administrados penalidades administrativas.
Nesse sentido, tratando-se de auto de infração ambiental lavrado, por exemplo, com base no artigo 66, caput, do Decreto 6.514/2008, que estabelece o valor mínimo de R$ 500,00 e máximo de R$ 10.000.000,00 para fixação de multas, deve a Administração Pública indicar os parâmetros e critérios utilizados na dosimetria da pena de multa.
Índice
O que diz o artigo 66 do Decreto 6.514/08
O artigo 66 do Decreto 6.514/08 possui multa ambiental que pode chegar ao valor de R$ 10 milhões, bastando violar um dos verbos descritos no referido artigo para que se a autoridade fiscal lavre o auto de infração ambiental:
Art. 66. Construir; reformar ampliar; instalar ou fazer funcionar estabelecimentos, atividades, obras ou serviços utilizadores de recursos ambientais, considerados efetiva ou potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, em desacordo com a licença obtida ou contrariando as normas legais e regulamentos pertinentes:
Multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais).
Todavia, o próprio Decreto 6.514/08 prevê no artigo 4º, alguns requisitos que podem ser utilizados na fixação do valor da multa, os quais são de observância obrigatória pela autoridade julgadora e fiscalizadora:
Art. 4º O agente autuante, ao lavrar o auto de infração, indicará as sanções estabelecidas neste Decreto, observando:
I – gravidade dos fatos, tendo em vista os motivos da infração e suas consequências para a saúde pública e para o meio ambiente;
II – antecedentes do infrator, quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental; e
III – situação econômica do infrator.
§1º Para a aplicação do disposto no inciso I, o órgão ou entidade ambiental estabelecerá de forma objetiva critérios complementares para o agravamento e atenuação das sanções administrativas.
§2º As sanções aplicadas pelo agente autuante estarão sujeitas à confirmação pela autoridade julgadora.
Entretanto, na maioria dos processos administrativos e das decisões neles proferidos que são analisados pelos nossos Advogados Ambientais, verificam-se, sem grandes esforços, a ausência de exposição dos citados motivos que justifiquem a aplicação da penalidade de multa no valor indicado pelo agente de fiscalização ou mantido pelo a autoridade julgadora.
Multa ambiental aplicada sem motivação
Conforme exposto, a nulidade do auto de infração pode ocorrer por ausência de motivação, cuja regra vem definida pelo art. 2º, caput, da Lei 9.784/1999, sendo aplicável tanto para os atos vinculados quanto aos discricionários. Confira-se:
Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
A própria Constituição Federal exige a necessidade de motivação em diversos princípios e dispositivos legais, conforme se vê pela análise do art. 1º, caput, inciso II e parágrafo único, art. 5º, incisos XXXV e LIV e 93, inciso X.
A propósito, dispõe Celso Antônio Bandeira de Mello[1]:
“Entretanto, se se tratar de ato praticado no exercício de competência discricionária, salvo alguma hipótese excepcional, há de se entender que o ato não motivado está irremissivelmente maculado de vício e deve ser fulminado por inválido , já que a Administração poderia, ao depois, ante o risco de invalidação dele, inventar algum motivo, “fabricar” razões lógicas para justificá-lo e alegar que as tomou em consideração quando da prática do ato.”
Com efeito, ao proferir um ato administrativo, notadamente os de natureza discricionária, o administrador deve guardar estrita observância ao princípio da motivação, sob pena de nulidade do ato.
Desse modo, se o ato administrativo consubstanciado em auto de infração ambiental não possui motivação e fundamentação, pois sequer mencionou de forma específica e subsistente a razão pela qual imposta o valor da multa ambiental, impositivo é o reconhecimento da nulidade do aludido ato.
Conclusão
A imposição de multa constitui e cria restrições ao patrimônio privado do administrado, com verdadeiro efeito de confisco, o que é vedado pelo ordenamento pátrio sem o devido processo legal.
Apesar de ser tarefa árdua para o operador do direito, demandando conhecimentos específicos, deve ser reconhecida a nulidade integral do auto de infração ambiental nos casos em o vício existente contamina todo o ato administrativo, cuja finalidade principal é a aplicação da multa ambiental.
Vale destacar, que a ausência de motivação impede o direito à ampla defesa, o conhecimento das razões que embasam a administração pública, além de violar gravemente o comando constitucional acima descrito, abrindo margem para arbitrariedades, o que não se permite.
Frise–se que a decisão administrativa final a ser proferida pela autoridade julgadora responsável pela instrução do processo constitui e cria restrições ao patrimônio privado do administrado ao fixar o valor da multa punição.
Desse modo, ausente qualquer motivação legal para justificar o quantum fixado, sobretudo quando se tratar de multa ambiental como do exemplo do artigo 66 do Decreto 6.514/08, é nula de pleno direito.
Por fim, vale lembrar além dos dispositivos e garantias processuais previstas na Constituição Federal, se a motivação do ato administrativo contrariar frontalmente o artigo 50 da Lei 9.784/09, artigo 6º da Lei 9.605/08 e artigo 4º do Decreto 6.514/08, no que tange a obrigatoriedade de motivar as decisões e obedecer critérios objetivos para a imposição da multa ambiental, nulo será o ato, passível de revisão, inclusive, pelo Poder Judicial.
[1] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. ‘Curso de Direito Administrativo’. 19.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005. pág. 375
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Entendimento perfeito. Acrescenta-se, ainda, o Princípio Processual do Livre Convencimento Motivado no que tange a apreciação de provas acusatórias pela Autoridade Julgadora, conforme dispõe o art. 371 do CPC, que pode ser aplicado supletivamente aos Processos Administrativos Ambientais, nos moldes do art. 15 do CPC. Parabéns.