ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. IBAMA. EMBARGO DE ATIVIDADE EM ÁREA DE SUPOSTA PRESERVAÇÃO PERMANENTE. JUÍZO COMPETENTE. DOMICÍLIO DO AUTOR. PROCESSO ADMINISTRATIVO. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. CELERIDADE PROCESSUAL. LEVANTAMENTO DO EMBARGO ATÉ ULTIMAÇÃO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO.
1. As causas intentadas contra o IBAMA, autarquia federal ligada à União, podem ser aforadas na Seção Judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal. Assim, confirmada a competência do Juízo de Pato Branco/PR.
2. Não há dúvida de que o embargo é medida de suma importância para fazer cessar dano ambiental, devidamente prevista na legislação de regência. Entretanto, especificamente no caso em comento, o embargo acarreta mais do que a cessação de uma atividade, mas a execução de uma consequência administrativa que, de regra, deve ser imposta após a conclusão do respectivo processo, o que não ocorreu por falta de atuação do órgão ambiental.
(TRF4 5003730-31.2019.4.04.7012, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 21/09/2021)
RELATÓRIO
Trata-se de mandado de segurança impetrado contra ato praticado Superintendente Estadual do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA com objetivo de suspender os efeitos do Termo de Embargo Ambiental, garantindo-se ao impetrante o direito de dar continuidade às atividades econômicas exercidas no imóvel objeto de autuação até o fim do processo administrativo.
Regularmente processado o feito, sobreveio sentença concedendo a segurança pleiteada, cujo dispositivo restou assim redigido (evento 25, SENT1, do processo originário):
III – DISPOSITIVO
Ante o exposto, CONCEDO a segurança para determinar à autoridade impetrada que suspenda em favor da parte impetrante os efeitos do Termo de Embargo, garantindo-lhe o direito de dar continuidade às atividades econômicas exercidas no imóvel objeto de autuação.
Submeta-se ao reexame necessário, nos termos do art. 14, § 1º da Lei nº 12.016/09.
Apela o IBAMA da sentença, requerendo a reforma da sentença para o fim de denegar a segurança pretendida pelo impetrante. Tece considerações sobre a importância da Mata Atlântica e sobre a legitimidade do ato de embargo.
Diz que os danos suportados pelo autor foram causados por ele mesmo e que o embargo tem arrimo na legislação de regência.
Defende que sejam mantidos os efeitos do Termo de Embargo, o qual possui respaldo legal para o embargo procedido (art. 72, inc. VII, da Lei 9.605/98, c/c art. 16, do Decreto 6.514/08), a fim de evitar que o dano ambiental se propague e permitir que a mata original possa se regenerar.
É o relatório.
VOTO
Cinge-se a controvérsia dos autos a examinar o pedido de suspensão da sanção referente ao Termo de Embargo, a qual impede o impetrante de dar continuidade às atividades econômicas de produção de batata no imóvel objeto de autuação até o fim do processo administrativo, em razão da inércia do órgão ambiental.
O auto de infração ambiental, lavrado em desfavor do impetrante, imputa-lhe a infração administrativa prevista no artigo 49, § 1º, do Decreto nº 6.514/2008, consubstanciada em “destruir ou danifica florestas ou qualquer tipo de vegetação nativa“, objeto de especial preservação, em estágio médio de regeneração do bioma Mata Atlântica, verbis:
(…) supressão de uma área de 77,915 hectares de vegetação de campo nativo, demonstrado com foto de satélite registrada em 19/12/2018, quando a matriz ainda era campo, e em 17/07/2019, após a retirada da vegetação nativa, objeto de especial preservação, não passível de autorização parasupressão.
Em razão da referida autuação, além do termo de embargo, foi imposta ao impetrante sanção pecuniária.
Consoante ponderado pelo Juízo a quo, a colheita de batata estava prevista para abril de 2020, de modo que é prudente e razoável permitir a utilização da área embargada para a colheita até a solução final do processo administrativo (que, eventualmente, poderá resultar na aplicação da sanção de embargo, se for o caso).
Ressalto que o presente mandamus não questiona a legalidade da autuação em si, mas sim a imposição do Termo de Embargo à atividade, ante a inobservância do devido processo legal na esfera administrativa, quanto ao exercício do contraditório e da ampla defesa, à garantia da celeridade processual e à inexistência dos pressupostos legais para imposição de embargo à atividade econômica.
A sentença concedeu a segurança em favor do impetrante, considerando que a medida não pode se mantida por prazo indeterminado, consideradas as circunstâncias dos autos, uma vez que não produzirá um efeito imediato na restauração do meio ambiente e causará prejuízos significativos à coletividade, na medida em que impedirá a produção agrícola, afetando toda uma cadeia econômica.
Ademais, restou demonstrado o risco de prejuízo, na medida em que o impetrante desenvolve no local o plantio de batata e que fez diversos investimentos na área autuada no intuito de implementar seu negócio.
É, portanto, cabível e adequada a suspensão dos efeitos do Termo de Embargo, garantindo-se ao impetrante o direito de dar continuidade às atividades econômicas exercidas no imóvel objeto de autuação até o fim do processo administrativo que corre perante o IBAMA.
É certo que o embargo é medida de suma importância para fazer cessar dano ambiental, devidamente prevista na legislação de regência. Não obstante, na hipótese, o embargo acarreta mais do que a cessação de uma atividade, mas a execução de uma consequência administrativa que, de regra, deve ser imposta após a conclusão do respectivo processo, o que não ocorreu por demora na atuação do órgão ambiental.
Com efeito, não se pode deferir ao IBAMA o poder indiscriminado para, de regra, impedir toda e qualquer atividade produtiva e econômica, antes mesmo de comprovado se houve de fato destruição de área ecologicamente preservada, ainda mais quando demonstrada a morosidade do órgão ambiental em finalizar o processo administrativo que identifique se houve ou não a violação à preservação do meio ambiente.
Nos termos da jurisprudência da Turma (TRF4 5000120-21.2020.4.04.7012, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 08/06/2021), o embargo acarreta mais do que a cessação de uma atividade, mas a execução de uma consequência administrativa que, de regra, deve ser imposta após a conclusão do respectivo processo, o que inocorreu no caso em comento.
Reitero que a sentença não está suspendendo o embargo até uma decisão de mérito judicial, mas até a conclusão do feito administrativo, no que a parte autuada exercerá sua defesa e cuja celeridade do trâmite depende basicamente da atuação do instituto de proteção ambiental .
Convém ressaltar que a suspensão deve permanecer até a conclusão do feito administrativo, no qual a parte autuada exercerá sua defesa, dependendo a celeridade do trâmite da atuação do instituto de proteção ambiental.
Merece ser mantida a sentença, a seguir transcrita, cujos fundamentos adoto, em reforço, como razões de decidir, verbis:
Do Mérito
Primeiramente, acolho o valor dado à causa no evento 24. Anote-se.
Nos termos de embargos lavrados pela autoridade administrativa, o dano verificado na infração em discussão trata da supressão de uma área de 77,915 hectares de vegetação de campo nativo, demonstrado com foto de satélite registrada em 19/12/2018, quando a matriz ainda era campo, e em 17/07/2019, após a retirada da vegetação nativa, objeto de especial preservação, não passível de autorização parasupressão. A área teve o solo revolvido e submetido as técnicas de preparo de solo visando o plantio da cultura agrícola de batata.
A justificativa para o embargo é a de que “a remoção imediata da agricultura onde ela já foi implantada e a não realização do plantio onde esse não ocorreu possibilitará, com mais facilidade, o restabelecimento da matriz de campo impactada. Nas áreas já plantadas deverá ser avaliada a melhor técnica para restauração do campo, porém quanto mais breve for a retirada da cultura mais facilitada será o restabelecimento do campo nativo no local. Ressaltamos que a perpetuação do cultivo e realização de tratos culturais dificultará a restauração do campo por efetivar a substituição da matriz vegetacional existente.”
Portanto, nos termos de embargos lavrados pela autoridade administrativa, constou que o objetivo da medida era propiciar a recuperação ambiental. Os efeitos do embargo visam a facilitar o restabelecimento da matriz de campo impactada. Dessa forma, não se trata de obstruir potencial agravamento da degradação já perpetrada.
Não há dúvida de que a Lei n.º 12.651, de 2012, em seu artigo 26, prevê como condição, para a supressão de vegetação nativa para uso alternativo do solo, o cadastramento do imóvel no CAR, de que trata o art. 29, e prévia autorização do órgão estadual competente do Sisnama. Há, ainda, a obrigação legal do proprietário, possuidor ou ocupante a qualquer título do imóvel em que ocorreu a supressão de vegetação situada em Área de Preservação Permanente, ressalvados os usos autorizados previstos na Lei (art. 7º), além de restrições a supressão de vegetação nativa e à regularização de intervençõse ou supressões (art. 8º).
Todavia, considerando que não se discute no mandado de segurança a ocorrência de infração ambiental; não há risco de agravamento da situação fática; e, para a efetiva recuperação da área sub judice, não basta a cessação da ação degradadora, sendo necessária a adoção de providências concretas para a recomposição da vegetação local, não há razão para antecipar a medida acautelatória e mantê-la por prazo indeterminado, uma vez que não produzirá um efeito imediato na restauração do meio ambiente e causará prejuízos significativos à coletividade, na medida em que impedirá a produção agrícola, afetando toda uma cadeia econômica.
O termo de embargo é medida grave imposta ao particular, inviabilizando, no caso, o uso da área para qualquer atividade. A restrição ao uso da área pelo particular, ainda que esteja substanciada na infração apurada pela autoridade fiscalizadora, deve ser, em prazo razoável, referendada ou não pela autoridade julgadora, de modo que não se mantenha eventual decisão de autoridade fiscalizadora que tenha se baseado, por exemplo, em premissa fática equivocada.
Nessa perspectiva, tenho por evidenciada a inobservância dos princípios da eficiência e da ampla defesa pelo IBAMA diante da ausência de justa causa para a imposição, desde logo, de medida extremamente gravosa, qual seja o embargo de atividade produtiva na área autuada, antes de concluído o processo administrativo (art. 5º, incisos LIV, LV e LXXVIII, e art. 37, caput, da CRFB).
Considerando que a colheita é prevista para abril de 2020, é prudente e razoável permitir a utilização da área embargada (,915 hectares), para a colheita da batata, até a solução final do processo administrativo (que, eventualmente, poderá resultar na aplicação da sanção de embargo, se for o caso).
Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL. AMBIENTAL. EMBARGO DE TODA A ATIVIDADE EMPRESARIAL. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. AUSÊNCIA DE IMPUGANÇÃO DE TODOS OS FUNDAMENTOS. SÚMULA 283/STF. INTERPRETAÇÃO DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO STF. SÚMULA 126 DO STJ.
1. O Ibama embargou todas as atividades industriais e comerciais de produtos florestais desenvolvidas pela empresa impetrante, apesar da pequena divergência verificada no volume de madeira irregular constante no pátio da empresa de beneficiamento de produtos florestais (cerca de 95% de madeira em toros e 85% de madeira serrada estariam em conformidade com a legislação ambiental).
2. O Tribunal regional, analisando os fatos e sopesando a primariedade da recorrida, decidiu autorizar a empresa a funcionar especificamente com a madeira considerada regular, pois, em seu entendimento, o embargo total das atividade realizadas por tempo indeterminado poderia ocasionar prejuízo desproporcional à atividade empresarial.
3. O Tribunal de origem, ao analisar a questão, o fez com base no Princípio Constitucional do Due Process of Law, previsto no art. 5º, LIV, da CF, o que afasta a análise por esta Corte, sob pena de invadir a competência do STF, e deixou de emitir juízo de valor a respeito da lei federal tida por violada.
4. Incide a Súmula 126: “É inadmissível recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta em fundamento constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário”.
5. Ademais, a Corte regional consignou: “Acontece que tem sido prática constante da autoridade ambiental o embargo de atividade.
Quando o IBAMA encontra alguma irregularidade em um empreendimento madeireiro, a resposta tem sido, invariavelmente, a mesma: o embargo de obra ou a interdição de atividade. Esse procedimento padrão atenta contra o princípio da proporcionalidade, que rege, como um critério geral, os atos administrativos (art. 2o da Lei n° 9.784/99), constituindo, do mesmo modo, ofensa ao princípio de que as decisões administrativas devem ser devidamente motivadas, especialmente quando importarem em restrição de direitos”.
6. Verifica-se que o Recurso Especial não impugnou toda a fundamentação do acórdão, principalmente sobre a questão do embargo de toda atividade comercial da empresa constituir afronta ao Princípio da Proporcionalidade, porquanto a recorrida é primária e a quantidade de madeira irregular apreendida é pequena em comparação a todo o estoque, por volta de 5% e 16% de madeira em toros e de madeira serrada.
7. Assim, há fundamento não atacado pela parte recorrente, o qual, sendo apto, por si só, para manter o decisum combatido, permite aplicar na espécie, por analogia, o óbice da Súmula 283/STF: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles.” 8. Recurso Especial não conhecido.
(STJ, 2ª Turma, REsp 1549450/MT, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN,julgado em 14/06/2016, DJe 05/09/2016). (…)
Nessa esteira, em consonância com a jurisprudência e as circunstâncias do caso concreto, entendo que a imposição de termos de embargo é desproporcional e não alcança os efeitos previstos no art. 51 da Lei nº 12.651/2012. Diante da brevidade da colheita, medida em tela torna-se extremamente gravosa e abandona o condão de viabilizar a recuperação ambiental.
Sendo assim, impõe-se a concessão da segurança.
Ressalto, contudo, que a discussão acerca da efetiva ocorrência de dano ambiental não cabe em sede de mandado de segurança, devendo ser discutida em ação própria.
Mantida, portanto, a sentença.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação e ao reexame necessário.