Muitos autos de infração ambiental que violam o federalismo na Constituição Federal de 1988, por meio dos arts. 1º e 18, ao definirem o Brasil como uma República Federativa, composta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
O Estado Federal brasileiro está fundado na existência de quatro esferas governamentais que se manifestam sobre a mesma população e sobre o mesmo território, todas de forma autônoma e independente: a esfera da União, a de cada Estado ou do Distrito Federal e a de cada Município.
Pode-se verificar, portanto, que não há no sistema federativo brasileiro, qualquer distinção que implique na existência de hierarquia entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, sendo, nos termos do inciso III do art. 19[1] da Constituição Federal, inclusive, vedado a cada ente que crie preferências entre si.
Na doutrina de Fernanda Dias Menezes de Almeida, pode-se identificar a inexistência de subordinação entre um ente federativo a outro, dando-se a conotação de repartição horizontal – e não vertical, por exemplo. Ipsis litteris:
“No sistema descrito, a doutrina costuma identificar uma repartição horizontal de competências, com matérias distribuídas em regime de exclusividade a cada entidade federada, não se aceitando a participação ou interferência da União no exercício dos poderes dos Estados e vice-versa.”
Nesse sentido, para alcançar o equilíbrio federativo, a Constituição se vale de um complexo e intrincado sistema de repartição de competências, no qual a cada entidade federativa é destinada uma parcela de poder[2].
Índice
1. Repartição de competência para fiscalização ambiental
Pode-se dizer que, ao adotar o federalismo coordenado, ou também chamado federalismo de equilíbrio – o qual possui como maior característica a repartição de competências de modo a permitir maior participação dos entes federados na produção normativa e, via reflexa, na distribuição das competências materiais -, tentou-se evitar a ocorrência de interferência pelos entes federativos em competências que não lhes são próprias.
Ou seja, a competência legislativa de cada ente da federação disciplina a sua competência material, administrativa e executiva, limitando a sua atuação às balizas constitucionais.
Nesse sentido, é possível afirmar que cada ente deve governar com fundamento legal em suas próprias normas, eis que são esferas autônomas que possuem plena capacidade de organização, normatização, administração e governabilidade, entre si independentes e não subordinados, cujas competências vêm esboçadas no texto constitucional.
Utilizando-se das palavras do renomado jurista Toshio Mukai:
Se todos os níveis de Governo são autônomos, isto significa que de regra, todos têm leis próprias para se auto-governarem e recursos financeiros para se manterem.
Ademais, todos os níveis de Governo têm suas competências (como vimos) demarcadas pela Constituição Federal, não sendo dado, por isso mesmo, um nível de Governo pretender se utilizar de legislação de outro nível ou mesmo imiscuir-se nas Administrações, um dos outros.
É por esta razão que, em especial, no exercício do poder de polícia, cada nível federativo é obrigado a aplicar a sua legislação, tanto na fase preventiva como na repressiva. Não pode, por exemplo, um Estado pretender aplicar sanções previstas em um diploma legal (seja lei ou decreto) federal. [3]
2. Lei Federal x Lei Municipal ou Estadual
Não se pode negar que emprestar-se de norma oriunda de outro nível de Governo para exercer o seu poder de polícia evidencia clara violação ao pacto federativo, eis que as esferas de atuação de cada ente são delimitadas perfeitamente na Constituição Federal de 1988.
Noutro giro, apresenta-se até ilógico que um ente federativo, dotado de autonomia e possuidor de legislação própria, se arvore a aplicar norma federal em suas autuações.
Com efeito, tendo o Município ou Estado legislação própria, específica sobre o tema, a autuação com base em lei federal é inaceitável.
A lei municipal não é uma lei de simples posturas municipais ou de uso do solo urbano, mas uma lei de proteção ambiental do município, e se a questão foi regulamentada no município, não há razão para que o próprio município aplique as sanções previstas na lei federal.
Do mesmo modo, é a lei estadual, que, ressalvada a competência da União e dos Municípios, estabelece normas visando à proteção e à melhoria da qualidade ambiental no seu território.
3. Conclusão
A competência para autuar é irrelevante, mas não se admite a dupla sanção pelo mesmo fato nem a aplicação da lei geral se a lei local disciplina exata e especificamente a conduta praticada.
Observa-se, portanto, que ao lavrar um auto de infração ambiental e aplicar multa ambiental, tipificando administrativamente a conduta em dispositivo oriundo de norma federal, viola-se o princípio do Pacto Federativo, protegido constitucionalmente, por meio dos arts. 1º e 18 da Constituição Federal, tornando-se nulo de pleno Direito.
Nestes casos, defendemos a declaração de nulidade dos atos administrativos sancionatórios e, via de consequência, as penalidades por eles impostas.