O ajuizamento de ação coletiva ou ação civil pública ambiental interrompe o prazo prescricional para o particular ajuizar a ação individual por dano ambiental.
A partir de um evento que cause dano ambiental, podem surgir pretensões coletivas, difusas e individuais, sejam homogêneas ou não, mesmo que tais pretensões sejam fundamentadas em diferentes ramos do direito.
Aliás, a definição do tipo de direito discutido em juízo é definida justamente pela pretensão apresentada na ação:
Ação de indenização individual por uma das vítimas do evento pelos prejuízos que sofreu (direito individual), ação de obrigação de fazer movida por associação das empresas de turismo que tem interesse na manutenção da boa imagem desse setor na economia (direito coletivo), bem como ação ajuizada pelo Ministério Público, em favor da vida e segurança das pessoas, para que seja interditada a embarcação a fim de se evitarem novos acidentes (direito difuso).[1]
No entanto, a legislação em vigor prevê uma clara interferência entre os tipos de pretensões defendidas em juízo, sejam difusas, coletivas ou individuais homogêneas, surgidas com base nos mesmos fatos.
Dessa forma, por exemplo, nos termos do art. 103, § 3º, do CDC, uma sentença julgada procedente em ação coletiva tem o efeito de tornar certa, de forma automática, a obrigação do réu de indenizar danos individuais decorrentes do mesmo ato ilícito discutido na demanda.
Índice
O que diz a doutrina
Conforme a doutrina, este é um efeito secundário presente em todas as ações coletivas, mesmo que não versem sobre direito consumerista[2]:
Trata-se de efeito secundário inerente não apenas às sentenças relacionadas a danos decorrentes de infração às normas do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, mas a todas as sentenças proferidas em ações civis públicas.
É o que se infere do dispositivo acima reproduzido bem como dos demais preceitos legais que consagram o sistema de recíproca aplicação subsidiária entre Código de Proteção e Defesa do Consumidor (art. 90 da Lei 8.078/90) e a Lei da Ação Civil Pública (art. 21 da Lei 7.347/85). (…)
Relativamente à ação coletiva, a indagação que se faz é se a citação do réu, nela promovida, tem o efeito de interromper a prescrição para as ações individuais dos titulares dos direitos homogêneos.
A resposta é indubitavelmente positiva em relação àqueles que, atendendo ao edital de que trata o art. 94 da Lei 8.078/90, acorrerem ao processo e se litisconsorciarem ao demandante.
Mas igualmente positiva mesmo para os que não tomarem esse caminho e preferirem aguardar o resultado da ação coletiva. Não fosse assim, ficaria o titular do direito individual na contingência de, desde logo, promover a sua demanda individual, o que retiraria da ação coletiva uma das suas mais importantes funções: a de evitar a multiplicação de demandas autônomas semelhantes. Isso, portanto, não se harmoniza com o sistema do processo coletivo. [….]
O estímulo, claramente decorrente do sistema, é no sentido de que o titular do direito individual aguarde o desenlace da ação coletiva, para só depois, se for o caso, promover sua demanda.
Nessa linha, a não-propositura imediata da demanda individual não pode ser tida como inércia ou desinteresse em demandar, passível de sofrer os efeitos da prescrição, mas sim como uma atitude consentânea e compatível com o sistema do processo coletivo.
Assim, de acordo com uma interpretação mais adequada do nosso ordenamento jurídico, resta claro que o ajuizamento de ação versando interesse difuso tem o condão de interromper o prazo prescricional para a apresentação de demanda judicial que verse interesse individual homogêneo.
Jurisprudência sobre interrupção do prazo prescricional
Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ, conforme se verifica no julgamento do recurso especial representativo de controvérsia, cuja ementa está transcrita abaixo:
RECURSO REPETITIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO COLETIVA. MACRO-LIDE. CORREÇÃO DE SALDOS DE CADERNETAS DE POUPANÇA. SUSTAÇÃO DE ANDAMENTO DE AÇÕES INDIVIDUAIS. POSSIBILIDADE.
1.- Ajuizada ação coletiva atinente a macro-lide geradora de processos multitudinários, suspendem-se as ações individuais, no aguardo do julgamento da ação coletiva.
2.- Entendimento que não nega vigência aos aos arts. 51, IV e § 1º, 103 e 104 do Código de Defesa do Consumidor; 122 e 166 do Código Civil; e 2º e 6º do Código de Processo Civil, com os quais se harmoniza, atualizando-lhes a interpretação extraída da potencialidade desses dispositivos legais ante a diretriz legal resultante do disposto no art. 543-C do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei dos Recursos Repetitivos (Lei 11.672, de 8.5.2008).
3.- Recurso Especial improvido. (REsp 1110549/RS, Segunda Seção, julgado em 28/10/2009, DJe 14/12/2009)
Interrupção da prescrição pelo ajuizamento de ação coletiva por dano ambiental
Em realidade, a doutrina vem se consolidando no sentido de admitir a interrupção da prescrição, em hipóteses de ajuizamento de coletiva, mesmo de demandas que versem sobre interesses individuais puros, mas que estejam relacionados com a controvérsia da ação coletiva:
Finalmente, um último tema que merece ser analisado diz respeito à fluência do prazo prescricional para as pretensões individuais na pendência de ação coletiva que trata desses interesses. (…) O problema, então, está em saber se essa solução pode ser aceita segundo o direito atual.
Parece que sim, ao menos em parte. Recorde-se que, no sistema atual, proposta a ação coletiva sobre interesses individuais homogêneos, os autores de ações individuais já ajuizadas devem ser comunicados para que possam exercer o pedido de suspensão de suas demandas, a fim de se beneficiar da sentença coletiva (art. 104, do CDC).
Já quanto àqueles que não propuseram ainda sua ação individual, a ação coletiva resulta em coisa julgada, apenas no caso de procedência, não prejudicando o indivíduo no caso de improcedência da demanda coletiva (art. 103, III, e § 2º, do CDC).
Desse modo, em relação aos titulares de direito individual que não propuseram ação própria para demandar seus interesses, pode-se reconhecer um regime especial de “suspensão de pretensão”.
Afinal, sua pretensão está sendo exercida na ação coletiva, pelo legitimado extraordinário, de modo que, em caso de sucesso desta demanda, a pretensão individual estará satisfeita; em caso, porém, de insucesso, não há prejuízo ao indivíduo, que pode buscar por via própria a satisfação de seu interesse.
Essa “condicionalidade” a que está sujeita a pretensão individual faz com que, ao menos até o julgamento (final) da ação coletiva, tal pretensão se mantenha em estado latente, no aguardo da manifestação judicial.
Apenas se recusada a tutela no plano coletivo, é que haverá novamente o interesse do indivíduo em buscar, por demanda própria, a satisfação de sua pretensão. Isso implica a necessária suspensão do prazo prescricional, para estes interesses, na pendência da ação coletiva.[3]
Conclusão
Conclui-se, portanto, que o dano ambiental pode se revestir de dano individual homogêneo ou mesmo de dano individual puro, e o prazo prescricional para a exigibilidade da reparação do prejuízo tem como termo inicial a data da ciência inequívoca do dano pelo ofendido.
E, o ajuizamento de ação coletiva causa a interrupção do prazo de prescrição para as demandas individuais, incumbindo ao autor destas a tarefa de provar seu prejuízo, seu exato valor, e mais que isso, o termo inicial da prescrição.
Portanto, o termo inicial do prazo prescricional para o ajuizamento de ação de indenização por dano ambiental suportado por particular conta-se da ciência inequívoca dos efeitos decorrentes do ato lesivo, que é interrompido pelo ação coletiva ou ação civil pública.
A partir deste momento, interrompe-se o prazo prescricional para o ajuizamento de ações de reparação de dano individual, em razão do ajuizamento de ação coletiva.
[1] Ada Pellegrini Grino et al. Código de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto: 1998, pag. 778.
[2] Teori Albino Zavascki. Processo Coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2006, p. 82 e 202-204.
[3] ARENHART, Sérgio Cruz. O regime da prescrição em ações coletivas. Processos Coletivos, Porto Alegre, vol. 1, n. 3, 05 abr. 2010.