O crime de usurpação de patrimônio previsto no art. 2º, caput, da Lei 8.176/91 possui a seguinte tipificação legal:
Art. 2° Constitui crime contra o patrimônio, na modalidade de usurpação, produzir bens ou explorar matéria-prima pertencentes à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo.
Pena: detenção, de um a cinco anos e multa.
O tipo penal acima descrito visa proteger o patrimônio da União, que é, afinal, a titular dos recursos minerais por força art. 20, inciso IX, da Constituição Federal.
Para comprovação da autoria e materialidade do crime de usurpação do patrimônio da União, basta que o agente execute lavra sem a documentação necessária, vez que o núcleo deste tipo penal é justamente explorar matéria prima federal “sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo”.
Índice
Bem jurídico tutelado pelo art. 2º da Lei 8.176/91
O delito do art. 2º da Lei 8.176/91 visa resguardar a exploração indiscriminada dos bens públicos federais, incriminado a “produção” ou “exploração” de qualquer substância de propriedade da União, sem autorização legal ou em desacordo com a autorização concedida.
O órgão encarregado pela emissão de tal título autorizativo era, até dezembro de 2017, era o DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral) e, partir de então, a ANM (Agência Nacional de Mineração).
Portanto, incorre neste crime o agente que produz ou explora matéria-prima pertencente à União, sem ou em desacordo com autorização concedida pelo DNPM ou pela ANM.
Vale destacar, que a conduta tipificada no art. 2º da Lei nº 8.176/91 configura o crime permanente, na modalidade de usurpação por exploração de matérias-primas pertencentes à União, enquanto verificada a prática de múltiplas condutas visando a extração do bem mineral, sem evidência de que o agente ativo intencionalmente cessou a atividade extrativa.
Defesa no crime de usurpação de patrimônio da União
Na hipótese de a denúncia narrar que o agente praticou a atividade de extração ou exploração de matéria prima pertence à União, sem possuir o devido título autorizativo ambiental, necessário observar se há prova de autoria e materialidade juntadas pela acusação.
Se, ao longo da instrução processual, a acusação não apresentar provas que demonstrasse a inexistência de anuência do órgão competente para extrair ou exploração do minério ou que a atividade foi praticada em desacordo com a licença obtida, não há que se falar em condenação.
Essas provas podem ser produzidas pela acusação tanto através de documentos e perícia oficial, como por testemunhas, de modo que se o órgão acusador não trouxer qualquer informação acerca da situação do empreendedor perante o órgão ambiental licenciador relativamente aos fatos imputados na peça acusatória, a absolvição deverá ser de rigor.
Também há casos em que o agente possui autorização do órgão competente para exploração de matéria prima, porém, equivocadamente, erra na delimitação da área de mineração.
Neste caso, se houver, em favor da defesa, uma dúvida razoável no sentido de que não houve dolo de usurpação de matéria prima da União, mas sim mero equívoco justificado pelas circunstâncias do caso concreto (erro na delimitação da área de mineração), de pronto regularizado perante os órgãos competentes, também deverá ser caso de absolvição.
Vale lembrar, que é ônus da acusação a prova da ocorrência do fato criminoso, da sua realização pelo acusado e dos elementos subjetivos do crime. Se o contexto demonstrar que o réu pensasse que a sua atividade de lavra estava regularizada, há, no mínimo, dúvidas sobre a existência do elemento subjetivo do crime de usurpação do patrimônio da União, o que deve conduzir a solução absolutória, com base no princípio do in dubio pro reo .
Vale lembrar, que o crime previsto no artigo 2º da Lei 8.176 /1991é formal, ou seja, não exige resultado naturalístico para a sua consumação, razão pela qual ainda que haja efetivo dano não há, segundo a jurisprudência, necessidade de perícia para a sua comprovação.
Para a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, para o decreto condenatório basta que a ação penal seja instruída com o parecer técnico elaborado pela ANM – Agência Nacional de Mineração, antigo DNPM – Departamento de Produção Mineral, para a comprovação da materialidade delitiva, desde que tal documento ateste a usurpação de matéria prima da União e a exploração de recurso natural.
Administrator ou sócio de empresa responde pelo crime de usurpação de patrimônio
A jurisprudência tem se pacificado no sentido de que, sendo o réu o administrador da pessoa jurídica, responde ele pelos atos ilícitos praticados na condução das atividades fins do ente empresarial, uma vez que detém o domínio dos atos praticados no âmbito da empresa.
Desse modo, especificamente quanto ao delito previsto no artigo 2º da lei n.º 8.176/91, o administrador de empresa em nome da qual é realizada a extração irregular de minério, sem a devida autorização do órgão competente, tem responsabilidade criminal pelo crime de usurpação do patrimônio federal.
Por outro lado, se não houver provas suficientes do elemento subjetivo do tipo, por não estar evidenciado, no conjunto probatório, a intenção de lavrar clandestinamente e de forma ilegal, não há que se falar em condenação.
Com efeito, a ausência de prova escorreita da responsabilidade criminal se transforma em dúvidas que cercam os fatos e não podem ser desprezadas pelo Magistrado, sob pena de ofensa ao princípio constitucional da presunção de inocência.
Assim, na hipótese de ser frágil a demonstração de um dos elementos do tipo penal, resulta imperativo concluir-se pela solução absolutória, por força do princípio do in dubio pro reo.
Conclusão
A conduta de extração de recurso mineral sem a competente autorização da ANM – Agência Nacional de Mineração, antigo DNPM – Departamento Nacional de Produção Mineral configura o delito de usurpação do patrimônio da União, previsto no artigo 2º da Lei 8.176/91.
Vale destacar que a extração mineral sem amparo em autorização da ANM, antigo DNPM, ou em desacordo com a autorização concedida consubstancia ilícito administrativo.
Contudo, para que haja também ilícito penal, é preciso estar comprovado que, no momento da exploração da matéria prima da União, o agente tinha pleno conhecimento de que não detinha o título minerário autorizativo para a sua operação ou que estava lavrando em desacordo com ele.
Isso porque, o dolo para a configuração do tipo penal em questão é o dolo genérico, consubstanciado na prática consciente de exploração mineral de bens da União sem a respectiva autorização legal para realizar a lavra, pois a norma penal em tela não descreve nenhum especial fim de agir.
Assim, ainda que a prova existente na ação penal seja suficiente para comprovar a conduta de extração de matéria prima, porém não é bastante para demonstrar que houve atuação de forma livre a fim de usurpar o recurso mineral conscientes de estarem agindo sem a autorização do órgão competente, com o intuito de lesar o patrimônio da União, não há que se falar em condenação.
Portanto, em casos assim, a defesa pode trabalhar para comprovar a ausência de dolo, pois mesmo que não se possa afirmar, inequivocamente, a inocência dos agentes, a dúvida razoável sobre a presença do dolo conduz à absolvição, em homenagem ao princípio do in dubio pro reo.