Questão importante que deve ser observada em processos de reparação de dano ambiental é a competência para julgar e processar a ação civil pública, de modo que, reconhecida a incompetência do foro, pode ser determinada sua extinção ou remessa ao foro competente.
Em linhas gerais, a competência da Justiça Federal está expressa no art. 109, da Constituição Federal, restringindo-se às hipóteses em que as condutas ilícitas são perpetradas em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, ou de suas autarquias ou empresas públicas, ao passo que ausentes tais hipóteses, competirá à Justiça Estadual o processamento e julgamento do feito.
Assim, quando a conduta objeto da ação civil pública não atinge, de forma direta ou específica, interesse da União Federal, mesmo que seja o IBAMA ou ICMBio, órgãos federais, competentes para a fiscalização da preservação ambiental, a ação civil pública deverá ser julgada pela Justiça Estadual.
Índice
Ação civil pública deve provar o dano e a responsabilidade do réu
A ação civil pública, embora seja uma ação própria para tutelar o meio ambiente, com a reparação do dano material e moral, somente tem procedência quando presentes os pressupostos da responsabilização, quais sejam, o dano, a conduta ilícita e o nexo causal entre ambos.
Repise-se que a responsabilização do infrator às sanções penais e administrativas independem da reparação civil.
Logo, ainda que o auto de infração ambiental seja anulado na via administrativa e o réu absolvido no processo penal pelo crime ambiental decorrente da mesma conduta, nada impede a sua responsabilização na esfera judicial cível, sobretudo em razão da sua natureza imprescritível.
Porém, a responsabilidade civil por dano ambiental, ainda que objetiva, não exclui a necessidade de comprovação do dano e do nexo de causalidade entre ele e a conduta apontada como lesiva, por consistir em elemento essencial ao reconhecimento do dever de reparar.
Código de Defesa do Consumidor aplicável à Ação Civil Pública
O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às ações civis públicas por força do seu artigo 117, que introduziu o artigo 21 na Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), determinando a aplicação, no que for cabível, das disposições do Título III do referido Código, à defesa dos Direitos e interesses difusos, coletivos e individuais.
O artigo 90 do Código de Defesa do Consumidor dispõe sobre a aplicação às ações previstas em seu Título III – Da defesa do consumidor em juízo – das normas do Código de Processo Civil e da Lei 7.347/85, naquilo que não contrariar suas disposições.
O artigo 83 do Código de Defesa do Consumidor prevê que para a defesa dos Direitos e interesses protegidos pelo código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.
Ainda, o artigo 110 do CDC acrescentou o inciso IV ao artigo 1º da Lei da Ação Civil Pública, dispondo que se regem pelas disposições da mencionada lei, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.
Não há dúvidas da aplicação do Código de Defesa do Consumidor à Ação Civil Pública Ambiental, mas resta perquirir a competência para julgamento.
Muitas vezes, as populações, os sistemas ambientais e os interesses jurídicos correlatos abrangidos pela área objeto da ação civil pública podem estar submetidos à jurisdição de mais de um juízo, inclusive aqueles sediados nas Capitais dos Estados em que proposta a ação.
Competência para julgar ACP em caso de dano regional ou nacional
Se o dano é regional ou nacional, a demanda deve ser julgada na Capital do Estado ou no Distrito Federal, nos termos do artigo 93, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor, assim escrito:
Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local:
I – no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local;
II – no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente.
Isso já foi objeto de discussão do Superior Tribunal de Justiça, segundo qual o art. 93 do CDC estabeleceu que, para as hipóteses em que as lesões ocorram apenas em âmbito local, será competente o foro do lugar onde se produziu o dano ou se devesse produzir (inciso I), mesmo critério já fixado pelo art. 2º da LACP.
Por outro lado, tomando a lesão dimensões geograficamente maiores, produzindo efeitos em âmbito regional ou nacional, serão competentes os foros da capital do Estado ou do Distrito Federal (inciso II).
Como se vê, para delimitar a competência será imprescindível dimensionar a área do dano ambiental, de modo que a propositura de ação civil pública em foro incompetente pode gerar a inépcia da inicial. Portanto, sempre será necessário delimitar a extensão do dano ambiental para que se verifique o correto foro para julgamento da ação civil pública.
Inversão do ônus da prova em sede de ação civil pública
A possibilidade de inversão do ônus da prova em ação civil pública ambiental é aceita tanto pela jurisprudência como pela doutrina, com base no art. 373, do CPC, art. 21 da Lei 7.347 /85, combinado com o art. 6º, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor, bem como no princípio da precaução, o qual se alinha ao objetivo do Direito Ambiental que é fundamentalmente preventivo, atuando a partir de ações inibitórias.
Contudo, não obstante a inversão do ônus probatório possa ser determinada nos autos de ação civil pública ambientais, esta providência não é automática.
Isso porque, a inversão do ônus da prova na ação civil pública depende da análise do caso concreto, com base na verossimilhança das razões invocadas, mediante a demonstração da probabilidade do direito invocado e, ainda, a impossibilidade da produção de provas pelo autor da ação.
Inversão do ônus da prova não é automática
A incidência do artigo 6º, inciso VIII, do CDC em ações civis públicas ambientais é aceita de forma excepcional, devendo estar atrelada a um critério especifico: a vulnerabilidade de uma parte em relação a outra, especificamente no que concerne as possibilidades de produção da prova.
Ou seja, a regra foi criada para aquelas situações em que o autor da ação civil pública não possui capacidade de realizar a prova de suas alegações e, ao mesmo tempo, o réu possui nítida facilidade na produção da prova relativa aos fatos objetos da demanda.
Ora, não pode um órgão ambiental e muito menos o Ministério Público, que se utiliza da ação civil pública ambiental objetivando a reparação de alegados danos, ser considerado instituição hipossuficiente que não possui condições de provar o que alega; muito pelo contrário, são instituições com capacidade técnica e jurídica notoriamente reconhecidas.
Nesse passo, não se enquadra na hipótese legal do artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, e, ausente a prova do desequilíbrio para a inversão do ônus probatório, o indeferimento é medida que se impõe, sobretudo para não colocar aquele quem acusa em posição mais cômoda.
Conclusão
A aplicação do postulado exige requerimento e fundamentação feita tendo em vista o caso concreto, não bastando a evocação da relevância do direito ambiental ou dos princípios da precaução e da prevenção.
Outrossim, o artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, só poderia ser aplicado em ações coletivas ambientais quando verificada a necessidade de se observar o princípio da precaução.
Portanto, não se enquadra nos critérios de aplicação do artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, assim como não cabe o artigo 373, §1º, do Código de Processo Civil, quando a parte que propôs a ação civil pública (Ministério Público ou outro órgão ambiental) não é parte hipossuficiente nem esteja a causa relacionada ao princípio da precaução, sob pena de impor à parte ré a realização de prova diabólica, já que teria de comprovar fato negativo de sua conduta.
A inversão do ônus da prova não é automática e depende da análise do caso concreto, da probabilidade do direito invocado e a impossibilidade de sua produção pelo autor da ação.