Temos nos deparado na prática jurídica com alguns magistrados que entendem não ser cabível a oposição de exceção de pré-executividade para discutir a ocorrência de prescrição em processos administrativos ambientais.
Ocorre que, a oposição da exceção de pré-executividade exige tão somente que a matéria seja passível de comprovação sem dilação probatória, como é o caso da prescrição da pretensão punitiva, ou que uma matéria de ordem pública, à exemplo de violação ao contraditório e ampla defesa. Afinal, prescrição é prescrição, seja na esfera administrativa seja na esfera judicial.
Ora. A exceção de pré-executivadade é incidente de defesa do executado que, embora de utilização restrita, serve para alegar matérias passíveis de comprovação sem dilação probatória e de ordem pública, como vícios ou falhas relacionadas aos requisitos de admissibilidade do processo e matérias pertinentes ao mérito que possam ser demonstradas sem dilação probatória, por ser evidente o descabimento da execução.
Se a execução fiscal foi proposta para cobrar multa ambiental que não foi paga ao término do processo administrativo ambiental, e este processo, por usa vez, ficou paralisado por tempo superior ao da prescrição intercorrente trienal ou da pretensão punitiva propriamente, evidente que o título que lastreia a execução está viciado.
Índice
O que é e para que serve a exceção de pré-executividade
A exceção de pré-executividade é espécie excepcional de defesa específica do processo de execução. Quando de sua origem, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ[1], ela era admitida mediante o preenchimento de dois requisitos:
- discussão de matéria de ordem pública (cognoscíveis de ofício); e
- existência de prova pré-constituída, tendo em vista que a exceção de pré-executividade não comporta dilação probatória.
Neste sentido, dispõe a Súmula 393 do Colendo Superior Tribunal de Justiça, que “a exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória.”
Posteriormente passou a ser positivida no Código de Processo Civil de 2015, que passou a prever expressamente a possibilidade de alegar, por mera petição, questões que gerem a nulidade do título e outras questões que gerem nulidade da execução:
Art. 803. É nula a execução se:
I – o título executivo extrajudicial não corresponder a obrigação certa, líquida e exigível;
II – o executado não for regularmente citado;
III – for instaurada antes de se verificar a condição ou de ocorrer o termo.
Parágrafo único. A nulidade de que cuida este artigo será pronunciada pelo juiz, de ofício ou a requerimento da parte, independentemente de embargos à execução.
Sobre o tema, ensina o doutrinador Humberto Theodoro Junior[2]:
“Não apenas por meio dos embargos o devedor pode atacar a execução forçada. Quando se trata de acusar a falta de condições da ação de execução, ou a ausência de algum pressuposto processual, a arguição pode se dar por meio de simples petição nos próprios autos do processo executivo. (…)
Entre os casos que pode ser cogitados na execução de pré-executividade figuram todos aqueles de impedem a configuração do título executivo ou que privam da força executiva, como por exemplo, as questões ligadas à falta de liquidez ou exigibilidade da obrigação, ou ainda à inadequação do meio escolhido para obter a tutela jurisdicional executiva. (…)
O que se reclama para permitir a defesa fora dos embargos do devedor é versar sobre questão de direito ou de fato documentalmente provado. Se houver necessidade de maior pesquisa probatória, não será própria a exceção de pré-executividade.
As matérias de maior complexidade, no tocante à análise do suporte fático, somente serão discutidas dentro do procedimento regular dos embargos.”
Aliás, é entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça – STJ, que as matérias passíveis de serem alegadas em exceção de pré-executivadade não são somente as de ordem pública, mas também os fatos modificativos ou extintivos do direito do exequente, desde que comprovados de plano, sem necessidade de dilação probatória.
Critérios para admissão da exceção de pré-executividade
Hoje, em razão de evolução jurisprudencial, o que tem servido de critério para admitir a exceção de pré-executividade é a verificação da necessidade ou não de prova pré-constituída. Desse modo:
- versando sobre matéria meramente de direito e havendo prova pré-constituída, a exceção deve ser processada;
- versando sobre matéria fática, mas que exista prova pré-constituída, a exceção deve ser processada;
- versando sobre matéria de direito ou matéria de fato, que inexista prova e exija dilação probatória, a exceção não deve ser processada.
Veja, portanto, que o único requisito atual é que exista prova pré-constituída das alegações, não sendo mais necessário que a matéria seja cognoscível de ofício ou de ordem pública. Basta uma mácula ao título e a sua comprovação de plano.
Neste sentido, Fredie Didier Jr: “qualquer alegação de defesa pode ser veiculada por exceção de pré-executividade’, desde que possa ser comprovada por prova pré-constituída”.[3]
Seguindo esta linha de raciocínio, até mesmo questões que demandem prova de natureza pericial podem ser arguidas na via da exceção, bastando sua plena comprovação de plano no incidente. Assim, não há mais se falar em vedação material no âmbito da exceção de pré-executividade.[4]
Isso porque, não obstante a CDA tenha presunção de liquidez e certeza, a teor do art. 3º, parágrafo único da Lei 6.830/80, essa presunção é relativa, de modo que havendo prova pré-constituída de que não há nem liquidez na dívida ativa ou de que a execução desponta manifestamente nula, nada impede que se aceite o processamento da exceção de pré-executividade.
Vícios do processo administrativo ambiental alegados através de exceção de pré-executividade
Os vícios que maculam o processo administrativo ambiental retiram do título executivo a presunção de certeza, liquidez e exigibilidade do crédito, caracterizando a falta de pressuposto processual da execução, que podem ser arguíveis por meio de exceção de pré-executividade.
Nesse sentido, são exemplos de vícios a prescrição material ocorrida no curso do processo administrativo ambiental; a prescrição da pretensão executória; o erro na tipificação dos fatos ou qualquer outro elemento que impeça a cobrança da dívida e seja passível de comprovação por meio de prova pré-constituída, fatos estes que ocasionam nulidade absoluta na formação do título.
Decerto que a nulidade absoluta é matéria que deve ser reconhecida de ofício pelo Juízo, a qualquer tempo ou grau de jurisdição, de modo que é perfeitamente possível ser arguida mediante o manejo da exceção de pré-executividade. Assim a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem se manifestado:
PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. INCLUSÃO NO PÓLO PASSIVO DE REPRESENTANTE DA PESSOA JURÍDICA CUJO NOME CONSTA DA CDA. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE.
1. Agravo de instrumento interposto pela Fazenda Estadual contra decisão que acolheu exceção de pré-executividade oposta por responsável tributário constante da Certidão de Dívida Ativa, excluindo-o do pólo passivo da execução fiscal.
2. A questão controvertida desdobrou-se em dois aspectos: (i) a admissibilidade da exceção de pré-executividade para discutir a legitimidade passiva de sócio que figura como responsável tributário na CDA; (ii) a caracterização do vício em si na constituição do crédito tributário, em relação ao aludido sócio, tendo em vista a ausência de notificação deste na seara administrativa, conforme processo administrativo fiscal juntado na exceção de pré-executividade.
3. O Tribunal de origem prestou jurisdição completa, tendo em vista que analisou de maneira suficiente e fundamentada os pontos relevantes da controvérsia, denotando-se dos embargos de declaração mero inconformismo contra julgamento desfavorável.
4. No âmbito da exceção de pré-executividade, é possível o exame de defeitos presentes no próprio título que possam ser conhecidos de ofício pelo magistrado, além de matérias de defesa que possam ser aferidas de plano, sem necessidade de dilação probatória.
5. A Primeira Seção consolidou o entendimento de que: (i) se a execução foi ajuizada apenas contra a pessoa jurídica, mas o nome do sócio consta da CDA, a ele incumbe o ônus da prova de que não ficou caracterizada nenhuma das circunstâncias previstas no art. 135 do CTN; (ii) apesar de serem os embargos à execução o meio de defesa próprio da execução fiscal, admite-se a exceção de pré-executividade nas situações em que não se faz necessária dilação probatória ou em que as questões possam ser conhecidas de ofício pelo magistrado (REsp nº 1.104.900/ES, Rel. Min. Denise Arruda, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, DJe 01/04/2009). (AgRg no REsp n. 1.512.277/ES, relatora Ministra Marga Tessler (juíza Federal Convocada do TRF 4ª Região), Primeira Turma, julgado em 7/5/2015, DJe de 15/5/2015.)
Perceba que até mesmo é possível ao Juízo intimar a parte que interesse para que junte a prova pré-constituída, caso seja possível notar que ela existe:
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. ILEGITIMIDADE PASSIVA. MATÉRIA PASSÍVEL DE CONHECIMENTO DE OFÍCIO PELO JUIZ. NECESSIDADE DE PROVA PRÉCONSTITUÍDA. COMPLEMENTAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. […]
2. O propósito recursal é dizer sobre a possibilidade de o juiz determinar a complementação da prova documental em sede de exceção de pré-executividade.
3. De acordo com a jurisprudência consolidada desta Corte, a exceção de pré-executividade tem caráter excepcional, sendo cabível quando atendidos simultaneamente dois requisitos, um de ordem material e outro de ordem formal, a saber: (i) a matéria invocada deve ser suscetível de conhecimento de ofício pelo juiz; e (ii) é indispensável que a decisão possa ser tomada sem necessidade de dilação probatória.
4. Entre as matérias passíveis de conhecimento ex officio estão as condições da ação e os pressupostos processuais. Portanto, não há dúvida de que a ilegitimidade passiva pode ser invocada por meio de exceção de pré-executividade, desde que amparada em prova pré-constituída.
5. Com relação ao requisito formal, é imprescindível que a questão suscitada seja de direito ou diga respeito a fato documentalmente provado. A exigência de que a prova seja pré-constituída tem por escopo evitar embaraços ao regular processamento da execução. Assim, as provas capazes de influenciar no convencimento do julgador devem acompanhar a petição de objeção de não-executividade. No entanto, a intimação do executado para juntar aos autos prova pré-constituída mencionada nas razões ou complementar os documentos já apresentados não configura dilação probatória, de modo que não excede os limites da exceção de pré-executividade.
6. Recurso especial conhecido e desprovido RECURSO ESPECIAL 1912277 – AC (2020/0336256-9) RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI. Publicado no dia 20/05/2021.
Portanto, podem ser alegados em exceção de pré-executivadade os fatos modificativos ou extintivos do direito do exequente, além das matérias de ordem pública, entre as quais se inclui a prescrição, desde que comprovados de plano, sem necessidade de dilação probatória.
Conclusão
Importante observar que o Código de Processo Civil de 2015 passou a prever expressamente a possibilidade de alegar questões que gerem a nulidade do título que embasa a execução:
Art. 803. É nula a execução se:
I – o título executivo extrajudicial não corresponder a obrigação certa, líquida e exigível;
II – o executado não for regularmente citado;
III – for instaurada antes de se verificar a condição ou de ocorrer o termo.
Parágrafo único. A nulidade de que cuida este artigo será pronunciada pelo juiz, de ofício ou a requerimento da parte, independentemente de embargos à execução.
Como se percebe, a prescrição ocorrida no curso do processo administrativo ambiental é verificável de plano pelo Juízo, em razão de existência da existência de prova pré-constituída, sem a necessidade de instrução probatória, razão pela qual a exceção de pré-executividade se afigura medida cabível e célere para o que o fim almejado, atendendo aos primados da economia processual.
Entendimento contrário como adotado por alguns magistrados, no sentido de que a exceção de pré-executividade não pode ser usada para alegar a prescrição do processo administrativo ambiental, mas tão somente a prescrição para propor a ação judicial, não tem, concessa venia, plausibilidade.
Afinal, a prescrição intercorrente trienal e a prescrição da pretensão punitiva propriamente dita são institutos previstos na Lei Federal 9.873/99 que maculam o direito punitivo em seu grau de validade. Entender que a prescrição ocorrida no curso do processo administrativo somente pode ser alegada pelo autuado dentro do próprio processo administrativo, ou por meio de ação anulatória, é privilegiar a sanha arrecadatória do Estado, que enriquecerá ilicitamente caso não haja meios processuais à disposição do autuado em razão de prescrição da ação anulatória ou, ainda, impossibilidade de apresentar embargos à execução (imprescritível) por ausência de bens para garantir o Juízo.
Conforme admitido pelo STF[5], a regra de prescritibilidade no Direito brasileiro é exigência dos princípios da segurança jurídica e do devido processo legal, o qual, em seu sentido material, deve garantir efetiva e real proteção contra o exercício do arbítrio, com a imposição de restrições substanciais ao poder do Estado em relação à liberdade e à propriedade individuais, entre as quais a impossibilidade de permanência infinita do poder persecutório do Estado.
Além disso, é certo que a prescrição da atividade sancionadora da Administração Pública também atende ao princípio da razoável duração do processo, estampado no art. 5º, LXXVIII, da Constituição da República, como bem argumento pelo recorrente e conforme já reconhecido pelo STJ[6].
Portanto, constatado que o processo administrativo para imposição de multa ambiental ficou sem andamento, deve ser reconhecida a ocorrência da prescrição, seja pela incidência da regra geral da prescrição, contida na Lei Federal 9.973/99, no Decreto 20.910/32 de ofício ou a requerimento das partes, por mera petição nos autos, sendo cabível a exceção de pré-executividade.
[1] REsp 1110925/SP. Primeira Seção, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 04.05.2009.
[2] Curso de Direito Processual Civil Processo de execução e cumprimento da sentença Processo cautelar e tutela de urgência. Volume II. 41a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 459/460.
[3] Didier Júnior, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Execução. Salvador: Juspodivm, 2009, p. 390.
[4] Aurino de Melo Filho, João. Execução Fiscal Aplicada: análise pragmática do processo de execução fiscal. Salvador: Juspodivm, 2023, p. 1109.
[5] STF, RE 636886, Relator: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 20/04/2020.
[6] AgRg no AREsp 613.122/SC, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 10/11/2015, DJe 23/11/2015.