Como notório, a atuação das entidades estatais deve respeitar ao postulado da proporcionalidade, questão verbalizada expressamente pelo art. 18 da Constituição de Portugal de 1976 e que remanesce implícita, na Constituição Federal (art. 5º, LIV – enquanto projeção material da cláusula do devido processo).
Art. 18 – Constituição de Portugal.
1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.
A lição de Bernal Pulido[1] é didática:
1. Segundo o subprincípio da idoneidade, toda intervenção nos direitos fundamentais deve ser adequada para contribuir para a obtenção de um fim constitucionalmente legítimo.
2. Conforme o subprincípio de necessidade, toda medida de intervenção nos direitos fundamentais deve se a mais benigna com o direito no qual se interveio, dentre todas aquelas que revistam da mesma idoneidade para contribuir para alcançar o fim proposto.
3. No fim, conforme o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, a importância dos objetivos perseguidos por toda intervenção nos direitos fundamentais deve guardar uma adequada relação com o significado do direito intervindo. Em outros termos, as vantagens que se obtém mediante a intervenção no direito devem compensar os sacrifícios que esta implica para seus titulares e para a sociedade em geral.
Ou seja, as opções estatais não podem ser promovidas com excesso, eis que deve se conter ao mínimo indispensável para a salvaguarda dos interesses públicos que o justificam. Deve-se atentar para o conhecido postulado odiosa sunt restringenda (Übermamaßverbot).
Índice
O princípio da proporcionalidade
A respeito do tema, menciono também a obra de Suzana de Toledo Barros. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das Leis restritivas de direitos fundamentais. Brasília jurídica, 2ª ed., p. 69/82. Transcreve-se, ademais, a análise de Canotilho e Vital Moreira[2]:
O terceiro pressuposto material para a restrição legítima de direitos, liberdades e garantias consiste naquilo que genericamente se designa por princípio da proporcionalidade.
Foi a LC 01/82 que deu expressa guarida constitucional a tal princípio (art. 18-2, 2ª parte), embora já antes, não obstante a ausência de texto expresso, ele fosse considerado um princípio material inerente ao regime dos direitos, liberdades e garantias.
O princípio da proporcionalidade (também chamado de princípio da proibição de excesso) desdobra-se em três subprincípios:
(a) princípio da adequação (também designado como princípio da idoneidade), isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos);
(b) princípio da exigibilidade (também chamado de princípio de necessidade, ou da indispensabilidade), u seja, as medidas restritivas previstas na Lei devem revelar-se necessárias (tornaram-se exigíveis), porque os fins visados pela Lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias;
(c) princípio da proporcionalidade em sentido estrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa justa medida, impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos.
Em qualquer caso, há um limite absoluto para a restrição de direitos, liberdades e garantias, que consiste no respeito ao conteúdo essencial dos respectivos preceitos.
Vale dizer: a restrição a direitos fundamentais deve ser graduada pelo critério da indispensabilidade; ela somente pode ser imposta quando – e no limite em que – se revelar indispensável.
Do contrário, o chamado núcleo essencial dos direitos fundamentais (Wesengehalt) restaria atingido, como reconhecem expressamente o art. 18 da Constituição de Portugal/1976 e implicitamente a nossa Lei Maior.
Ainda quanto à proporcionalidade
Deve-se atentar, contudo, para o postulado da proporcionalidade, sempre que a sanção se revelar manifestamente excessiva, quando confrontada com a gravidade da infração cometida.
Por exemplo, viola o princípio da proporcionalidade a interdição das atividades de um empreendimento se a multa aplicada é suficiente para, por si só, coibir a conduta danosa ao meio ambiente.
Para tanto, o exame deve ser promovido com cautela, não se pode simplesmente esmaecer as consequências da legislação destinada a tutelar a homeostase ambiental, dever da presente geração para com as gerações futuras, eis que tomamos a Terra de empréstimo junto aos que virão.
Isso significa que não se pode atentar apenas para os valores econômicos em causa, exigindo-se uma análise também das circunstâncias do caso, sinais de fraudes, volumes envolvidos, eventual reiteração infracional etc., conforme lógica do art. 6º, Lei 9.605/1998, antes mencionado.
Logo, é cabível o controle judicial dos atos administrativos, mesmo quando discricionários, todavia, não pode o Poder Judiciário substituir o Poder Executivo, no juízo de conveniência e oportunidade, salvo quando manifestamente ineficientes, inadequadas ou abusivas.
Com efeito, desvios e omissões dessa atuação discricionária podem e devem ser submetidos à apreciação do Poder Judiciário, a quem cabe o controle da legalidade, bem como dos motivos e da finalidade dos atos praticados pelo Poder Público.
Portanto, quando uma multa ambiental ou qualquer outra sanção como suspensão, embargo, apreensão, etc, é aplicada de forma desproporcional, pode o prejudicado requerer através de medidas judiciais sua revisão para que sejam revogada pelo Poder Judiciário.
[1] PULIDO, Carlos Bernal. El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales: el principio de proporcionalidad como criterio para determinar el contenido de los derechos fundamentales vinculantes para el legislador. 3. ed. Madri: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2007, p. 42.
[2] CANOTILHO, J.J. Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa Anotada. Volume 1: arts. 1º a 107. 1ª ed. brasileira. 4ª edição portuguesa. ST: RT, Coimbra: Coimbra Editora, p. 394-395.