São muitos comuns os autos de infração ambiental aplicados por órgãos ambientais e que culminam na imposição de multa ambiental, cuja conduta não foi causada pelo autuado, mas por terceiro.
Nestes casos, cabe, é claro, ação ordinária ajuizada contra o órgão ambiental autuante para reconhecer a impossibilidade de responsabilização objetiva pela infração ambiental cometida por terceiros, declarando nulo o auto de infração ambiental e todos os atos consequentes que culminaram na aplicação da multa ambiental.
Em um caso recente, o Escritório Farenzena & Franco Advocacia Ambiental foi contratado para anular uma multa ambiental aplicada contra o empreendedor por degradação ambiental.
Segundo o órgão ambiental, o empreendedor autuado teria violado as regras jurídicas que visam promover, proteger e recuperar o meio ambiente, porque não teria evitado a supressão de vegetação em uma área de sua propriedade.
Ocorre que, no aludido caso, o empreendedor não estava sob a vigilância direta da área, não tendo contribuído de nenhuma forma para a consecução da infração ambiental, nem sendo possível evitá-la.
Índice
Ausência de responsabilidade pela infração ambiental
Ao analisar o caso, constatou-se de plano, que o órgão ambiental lavrou o auto de infração ambiental contra o proprietário do terreno pela suposta conduta de suprimir vegetação nativa, causando danos em unidade de conservação de proteção ambiental.
O próprio empreendedor elaborou e apresentou sua defesa administrativa, na qual foi proferida decisão final pelo órgão ambiental estadual não acolhendo a defesa, decisão esta mantida em sede de recurso administrativo.
Segundo as autoridades julgadoras administrativas, o proprietário do imóvel é responsável pelos danos nela ocorridos, sendo possível sua responsabilização administrativa.
Tendo em vista que a esfera administrativa havia esgotado com a apresentação de defesa e recurso, e que o empreendedor foi notificado para pagar a multa sob pena de inscrição em dívida ativa, o Escritório propôs a ação anulatória do auto de infração ambiental, a qual foi julgada procedente e mantida pelo Tribunal.
Responsabilidade do proprietário do imóvel por dano ambiental
Com efeito, a responsabilização do proprietário da área por danos ambientais somente é possível se foi ele o causador direto do dano.
Em análise ao processo administrativo instaurado pelo órgão ambiental em decorrência do auto de infração, principalmente do relatório de fiscalização e parecer do agente fiscal autuante, observou-se não haver nenhum ato causado pelo empreendedor.
A descrição da conduta apurada era bastante genérica, apenas apontando a ocorrência dos danos ambientais consubstanciados na supressão de vegetação, sem indicar as pessoas físicas que teriam provocado a conduta.
Ou seja, não havia qualquer indicação de que o empreendedor tivesse praticado a conduta infracional que resultou no dano ambiental, mas tão somente, que era ele o proprietário do imóvel.
De fato, não havia descrição da conduta praticada pelo proprietário do imóvel, porque a infração ambiental apurada pelo órgão público foi cometida por terceiros que invadiram a área e passaram a suprimir sua vegetação, em contrariedade à legislação ambiental.
O que o órgão ambiental fez, na verdade, foi embasar o auto de infração ambiental na responsabilidade objetiva, afirmando que a responsabilidade pelo dano ambiental era do proprietário tão somente por ostentar tal condição.
Responsabilidade administrativa é subjetiva
Com efeito, a responsabilidade objetiva em matéria ambiental se refere à recuperação dos danos ambientais ocasionados, conforme prevê o art. 14, § 1º, da Lei 6.938/81.:
Art. 14 – Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores
§ 1º – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.
Significa dizer que, somente o poluidor é obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados pela atividade.
Dito de outra forma, embora não se possa atribuir ao proprietário de um imóvel a prática de infração ambiental, é ele o obrigado a reparar os danos causados no imóvel, ainda que por terceiro, assumindo a responsabilidade pela recuperação dos danos ambientais, mas jamais pela infração ambiental, a qual tem natureza punitiva.
Necessidade de comprovar a culpa pela infração ambiental
Com efeito, o Direito Administrativo outorga poder sancionatório à Administração, o qual, apesar de não se confundir com aquele previsto no Direito Penal, também ostenta caráter punitivo, diferenciando-se tão somente em relação à autoridade que impõe a pena.
Enquanto no Direito Penal o dolo é ordinariamente exigido, no Direito Administrativo Sancionador a culpa é de rigor e não precisa vir expressa, de tal maneira que é comum a definição de ilícitos ou infrações de perigo abstrato, da mesma forma que ocorre no penal.
Logo, não sendo aplicável a teoria da responsabilidade objetiva para as infrações administrativas ambientais, há necessidade de que o infrator tenha agido com culpa para que seja procedente a aplicação de sanção desta espécie.
Todavia, não se exige a prova de que o infrator tenha desejado o resultado, mas é necessário que seja provada a voluntariedade do agente para realizar a conduta proibida pela regra administrativa.
O que diz a doutrina sobre a responsabilidade por ato de terceiro
Como bem ensina Régis Fernandes de Oliveira[1], basta “o movimento anímico consciente capaz de produzir efeitos jurídicos. Não há necessidade da demonstração de dolo ou culpa do infrator; basta que, praticando o fato previsto, dê causa a uma ocorrência punida pela lei”.
E continua dizendo que “ninguém se obriga ao impossível. Deve assegurar-se de que não haverá infração aos deveres e obrigações impostos. Se a infração resulta de causa estranha – p. ex., ação de terceiros ou força da natureza – impossível evitar-lhe o evento, bem como inadmissível a escolha de outra conduta”.
De fato, não se pode admitir que o agente tenha violado regra administrativa se, na hipótese, não lhe era possível evitar a ação de terceiro ou mesmo a força da natureza.
Daí afirmar Rafael Munhoz de Mello[2] que” a finalidade preventiva só é atingida se do sujeito que sofre os efeitos da sanção fosse possível exigir conduta distinta da que foi praticada, evitando, assim, o resultado ilícito e típico alcançado”.
Conclusão
Conclui-se, assim, que a atribuição de responsabilidade administrativa ambiental por fato de terceiro só pode ocorrer por disposição legal expressa e, ainda assim, desde que atendidas necessidades justificáveis, submetidas a controle rigoroso de proporcionalidade.
Isso porque, a responsabilidade por fato de terceiro, mesmo na seara ambiental, encontra-se ancorada em três modalidades de culpa:
1. culpa in eligendo, quando o agente escolhe mal;
2. culpa in instruendo, quando a agente não fornece o conhecimento necessário; e
3. culpa in vigilando, quando há falha na necessária vigilância sobre a conduta do agente.
De qualquer forma, nessas três modalidades, exige-se um agir possível da pessoa responsabilizada pelo dano ambiental, sendo anterior à responsabilização que o agente tenha a capacidade de eleger, instruir ou vigiar.
Justamente por isso, no caso referido no início, ficou comprovado através da ação anulatória do auto de infração ambiental, que o empreendedor não foi o causador da supressão de vegetação, nem estava na área e, portanto, não contribuiu em de nenhuma forma para a infração ambiental, nem sendo possível evitá-la.
Dessa forma, considerando que a responsabilidade pela infração ambiental é subjetiva e demonstrado na ação anulatória que o empreendedor não foi o responsável pela supressão da vegetação, o auto de infração ambiental foi anulado sem a imposição de qualquer multa ambiental.
[1] Infrações e sanções administrativas. RT, 1985, p. 10.
[2] Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador. Malheiros, 2007, p. 178.
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Excelente artigo. Direto e muito instrutivo.