A aplicação da reincidência, apesar de ilegal, pode ocorrer quando nova infração ambiental é praticada, exceto quando houver a suspensão do auto de infração ambiental por decisão judicial.
Após a edição do Decreto 6.514/08, houve alteração sobre o tema da reincidência, de forma que a específica passou a se caracterizar apenas quando o autuado reincide na mesma infração, ofendendo mais de uma vez igual dispositivo legal, ou seja, o mesmo artigo.
Não se exige, contudo, que as condutas praticadas (verbos ou ações indicadas na norma) encontrem-se todas descritas apenas no seu caput, ou em um dos seus parágrafos/incisos do aludido decreto, cabendo-se considerar o dispositivo como um todo, uma vez que nesse se encontra tutelado o mesmo bem jurídico ambiental.
É o que se denota da expressão “mesma infração” prevista no art. 11 do Decreto 6.514/08 em vigor:
Art. 11. O cometimento de nova infração ambiental pelo mesmo infrator, no período de cinco anos, contado da data em que a decisão administrativa que o tenha condenado por infração anterior tenha se tornado definitiva, implicará: (Redação dada pelo Decreto nº 11.080, de 2022)
I – aplicação da multa em triplo, no caso de cometimento da mesma infração; ou
II – aplicação da multa em dobro, no caso de cometimento de infração distinta.
Assim como nos crimes previstos na legislação penal, as infrações administrativas ambientais possuem tipos multinucleares, ou seja, uma mesma infração restará configurada, e igual bem jurídico restará tutelado, na hipótese em que o agente cometa qualquer das condutas elencadas no dispositivo.
Significa dizer que, será reincidente específico aquele que, considerando-se a infração tipificada no Decreto 6.514/08, pratica conduta idêntica.
O raciocínio se baseia na necessidade de se tutelar o objeto ambiental protegido pelo dispositivo, concretizando-se a política de defesa do meio ambiente, que busca punir mais severamente aquele que, de forma repetida, atua na cadeia de eventos capazes de ofender um mesmo bem jurídico ambiental, cuja tutela se concentra em determinado artigo legal ou infralegal, ainda que pulverizado no caput, parágrafos ou incisos do mesmo dispositivo.
Por fim, importa destacar que as regras relativas à reincidência possuem natureza de direito material – já que influenciam na determinação da pena –, incidindo, via de regra, apenas sobre fatos praticados durante a sua vigência.
Índice
Agravante: mais de um auto de infração ambiental anterior
O agravamento por reincidência poderá ser aplicado apenas uma vez para cada sanção, ainda que se constate o cometimento de duas ou mais infrações anteriores.
Tendo sido praticadas infrações que acarretem uma reincidência genérica e outra específica, esta é que geralmente se aplica, por ocasionar maior agravamento.
Nesse ponto, alguns órgãos ambientais têm entendido que, como não é possível agravar mais de uma vez, deve-se ao menos escolher, dentre as infrações praticadas, aquela que mais aumente a sanção.
Na hipótese de existirem infrações capazes de gerar somente reincidência específica ou somente reincidência genérica, não há critérios previstos para a escolha.
Sendo a mesma consequência (agravamento em dobro ou em triplo), tanto faz a autoridade julgadora indicar a infração mais recente ou a de maior valor para a caracterização da reincidência.
No entanto, havendo mais de um auto apto a ser indicado, o órgão ambiental pode providenciar a instrução da reincidência com pelo menos dois autos de infração ambiental.
Importante alertar que o tipo de sanção aplicada (multa ou advertência) não é relevante para a configuração da reincidência, cujos requisitos são apenas os elencados no art. 11 do Decreto 6514/08.
Como dito, se houve o cometimento de nova infração ambiental no período de 05 anos – independentemente da espécie de sanção aplicada –, haverá reincidência, apesar de termos defendido a ilegalidade de tal instituto, como já explicamos aqui no site.
Mais de um auto de infração ambiental posterior agravado
Não existe óbice jurídico a que um mesmo auto de infração seja utilizado como paradigma para agravar diversas sanções posteriores.
A cada nova infração praticada fica evidenciada a contumácia do infrator ambiental e a ineficácia da sanção pecuniária outrora aplicada, sendo ainda maior o grau de reprovabilidade da conduta.
Nesse aspecto, uma vez que a reincidência é aferida separadamente nos autos de cada nova infração ambiental, entende-se que sempre que o indivíduo reincidir poderá ter sua pena dobrada ou triplicada, ainda que em outro processo já tenha sido punido com o agravamento por reincidência.
Ilegalidade da aplicação da reincidência por infração ambiental
Até a edição do Decreto 3.179/99 inexistia a previsão legal de agravamento da sanção administrativa por reincidência, ficando vedada a retroatividade dessa norma para prejudicar o autuado, ou seja, para ser aplicada às infrações cometidas antes de sua vigência.
Posteriormente, quando da edição do Decreto 6.514/08, o então presidente incluiu o instituto da reincidência no ordenamento jurídico, e justamente por ausência de previsão em lei, é que é ilegal.
Saliente-se que o art. 15 da Lei 9.605/98 trata apenas da reincidência em crimes ambientais, não podendo ser aplicado às infrações administrativas, daí porque, por ofensa ao princípio da legalidade, temos defendido a inaplicabilidade de tal instituto.
Aliás, tem-se que o Princípio da Segurança Jurídica impede a aplicação retroativa de norma que possa agravar a penalidade do infrator, que deve poder prever a sua punição, não devendo ser surpreendido posteriormente com agravantes inexistentes à época dos fatos.
Por fim, esclareça-se que as regras do Código Penal sobre reincidência, agravamento e prescrição não se aplicam aos ilícitos administrativo-ambientais.
Se é certo que alguns institutos e princípios do Direito Penal foram importados para o Direito Administrativo Punitivo, também é certo que esses ramos do direito tutelam objetos jurídicos distintos, cada um com seu fundamento, devendo obediência às suas respectivas regras.
Prescrição para aplicação da reincidência
O prazo de prescrição da pretensão punitiva se aplica no processamento de cada infração, não espraiando efeitos no agravamento por reincidência.
É que o prazo de prescrição e prazo depurador da reincidência são coisas distintas.
É que o prazo depurador da reincidência é uma opção do legislador infraconstitucional, que pode alterá-lo a qualquer tempo, mas o prazo de prescrição é imposição do constituinte, que inseriu no § 5º do art. 37, da Constituição da República, que os prazos de prescrição atinentes a ilícitos administrativos deverão ser regulados por lei, in verbis:
A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.
Desse modo, o prazo para se aferir a reincidência não se submete ou tem que coincidir com o prazo de prescrição da pretensão punitiva, podendo ser livremente alterado ou mesmo excluído pelo legislador ordinário.
No Direito Penal Brasileiro, por exemplo, a caracterização da reincidência é ainda mais elástica, bastando que entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior não tenha decorrido período de tempo superior a 05 (cinco) anos.
Reincidência na hipótese de suspensão do auto de infração ambiental por decisão judicial
Pode-se dizer que, em regra, a suspensão da exigibilidade de um auto de infração obsta a produção de todos os seus efeitos jurídicos, inclusive o agravamento por reincidência.
Assim, se o auto de infração ambiental está suspenso judicialmente porque há dúvida quanto à legalidade do seu conteúdo, ou sobre algum aspecto que retrate um vício insanável, não deverá ser utilizado pela Administração para agravamento, salvo se a decisão especificar quais os efeitos que pretende suspender e dela não constar a reincidência.
Veja, a depender do motivo que ensejou a suspensão, é possível que a reincidência não seja afetada pela decisão judicial.
Se o auto de infração ambiental teve sua exigibilidade suspensa porque o Poder Judiciário está discutindo eventual prescrição da pretensão executiva, por exemplo, o desfecho da demanda até pode impedir a aplicação da reincidência.
Portanto, como não se pode prever o conteúdo das decisões judiciais que surgirão, a autoridade julgadora ambiental deve se certificar da aplicação da reincidência, sob pena de nulidade do ato administrativo.
4 Comentários. Deixe novo
Bom dia!
Se um empreendedor dono de uma oficina mecânica sem CNPJ, é multado por falta de licença Art. 66, DF 6514/08 no seu CPF, após isso ele faz o CNPJ e é multado novamente no Art. 66. Pelo fato dele ter sido multado na primeira vez no CPF e a segunda no CNPJ, é tido como reincidência ou não?
Não, não se trata de reincidência, porque a nova infração teria que ser cometida pelo mesmo infrator, e no período de 5 anos, contado da data em que a decisão administrativa que o tenha condenado por infração anterior tenha se tornado definitiva.
Bom dia Dr. Farenzena, caso um produtor, por exemplo, aplique agrotóxico com vento próximo a residências, seja multado, depois repita a aplicação e depois de novo. A segunda multa ambiental será o triplo da primeira multa e a terceira multa será também o triplo da primeira ou da segunda? Obrigado Paulo.
Isso mesmo Paulo. Para fins de agravamento de multa por reincidência considera-se o valor da multa ambiental consolidada. Contudo, tratando-se de auto de infração ambiental lavrado com base no Decreto 6.514/08, o agravamento somente pode ocorrer se a nova infração ambiental foi cometida pelo mesmo infrator, no período de cinco anos, contado da data em que a decisão administrativa que o tenha condenado por infração anterior tenha se tornado definitiva e tenha consolidada a multa.