O trancamento de ação penal por crime ambiental é possível por habeas corpus quando houver algum vício ou irregularidade que justifique a interrupção da ação penal, seja por questões processuais, falta de justa causa, atipicidade da conduta, prescrição, nulidades ou qualquer outro motivo que torne o processo inviável.
No Direito Penal Ambiental, umas das principais causas que autorizam o trancamento de ação penal por crime ambiental é quando o Ministério Público se eximir de narrar os fatos com todas as suas circunstâncias ao oferecer a denúncia ou deixar de particularizar as ações que embasassem tal consideração, prejudicando a exata compreensão da acusação e consequentemente o exercídio de defesa.
Vale lembrar que a bem do contido no art. 5º, LV, da Constituição Federal e no art. 41 do Código de Processo Penal, a adequada descrição do comportamento delituoso na exordial acusatória é indispensável para a perfeita constituição da marcha processual penal.
Com efeito, o trancamento da ação penal impede o seu prosseguimento, visando garantir a liberdade do indivíduo e proteger seus direitos fundamentais, assegurando que não seja submetido a um processo penal injusto ou ilegal. Ou seja, trancar a ação penal importa em sua extinção.
Contudo, a extinção da ação penal em tema de habeas corpus consiste em medida excepcional, apenas cabível nos casos em que se evidenciarem, de plano, situações suficientes a ensejar o prematuro encerramento da persecução criminal.
Índice
Ausência de descrição dos fatos na denúncia
No Direito Penal Ambiental, como já dito, é muito comum que o Ministério Público deixe de narrar os fatos de forma adequada, o que acaba impedindo o acusado de exercer o seu direito à ampla defesa e pode autorizar o trancamento da ação criminal na via do habeas corpus.
Vale lembrar, porém, que não é necessário que a denúncia apresente detalhes minuciosos acerca da conduta praticada, porque muitas vezes eles somente serão esclarecidos durante a instrução processual, momento apropriado à análise aprofundada dos fatos.
No entanto, a denúncia deve conter o mínimo necessário ao exercício do direito de defesa, de modo que se o Ministério Público não indica, ainda que de forma sucinta, os fatos com todas as suas circunstâncias, há evidente cerceamento de defesa a autorizar o seu trancamento.
Dito de outra forma, se da mera exposição dos fatos narrados na peça acusatória verificar-se que não existe elementos suficientes a permitir a mpla defesa indiciário demonstrativo da autoria do delito imputado do acusado, é possível trancar a ação penal, o que significa que ela será arquivada.
Nesse sentido é o escólio de abalizada doutrina[1], ao prelecionar que:
“A descrição é clara quando permite verificar no fato os elementos constitutivos do tipo e as circunstâncias que o individualizam; é precisa quando bem determina o fato sem permitir confusão com outro; é circunstanciada quando contempla todas as circunstâncias necessárias para a identificação dos elementos do tipo correspondente ao fato e para individualizar o fato no contexto temporal e espacial em que se manifestou”.
Logo, quando o Ministério Público se eximi de narrar os fatos com todas as suas circunstâncias ao oferecer denúncia por crime ambiental, ofenderá os ditames do artigo 41 do Código de Processo Penal a autorizar o manejo de habeas corpus para impedir o prosseguimento da ação penal.
Nexo causal entre os fatos e o crime ambiental deve constar na denúncia
Ainda que o Ministério Público descreva, mesmo que de forma suscinta, os fatos que ensejaram à propositura da denúncia, é fundamental que ele também desmostre o nexo causal entre os fatos e o crime ambiental praticado pelo acusado.
O nexo causal estabelece a relação de causa e efeito entre a conduta e o crime e deve ser demonstrado nos fatos descritos na denúncia de forma clara, sobretudo para permitir o adequado exercício de defesa.
Assim, na redação da denúncia deve constar de forma detalhada, ainda que suscinta, a conduta do acusado, seja através de ações, omissões e a conexão direta entre essas ações e o crime ambiental, estabelecendo assim o vínculo causal.
Logo, se o Ministério Público não se desincumbir de mencionar na denúncia qual teria sido a participação do acusado para que sua conduta se subsumisse ao crime ambiental, ou ao menos a sua omissão, além de prejudicar o direito à ampla defesa também importaria em responsabilidade penal objetiva.
Denúncia contra sócio de empresa por crime ambiental
Na nossa prática forense temos nos deparado com muitas denúncias que imputam a autoria de crime ambientais de forma absolutamente genérica que não permitem ao acusado discernir com clareza e precisão qual exatamente a conduta, em toda a extensão de seus elementos típicos, que lhe é imputada.
Quando se trata de crimes ambientais cometidos pela pessoa jurídica, observamos com frequência que o Ministério Público limita-se a apontar tanto a empresa como o seu sócio, mas sem estabelecer qualquer vínculo entre esse (o sócio) e os crimes ambientais em apuração.
Contudo, nestes casos, o fato de o acusado ser sócio ou administrador da pessoa jurídica também acusada, não conduz, automaticamente, à imputação dos crimes ambientais por essa praticada, sob pena de configuração da responsabilidade penal objetiva.
Assim, sendo, se a denúncia não descreve uma conduta criminal das pessoas físicas visando um proveito à pessoa jurídica da qual são representantes legais ou contratuais, estará configurada a sua inépcia a autorizar o trancamento da ação penal.
No ponto, rememore-se decisão do Superior Tribunal de Justiça – STJ que recentemente trancou ação penal por inépcia porque a denúncia não demonstrou o nexo de causalidade entre a conduta do sócio e o crime perpetrado pela pessoa jurídica:
Para se imputar determinada responsabilidade penal é necessária a descrição do nexo causal, isto é, não há como considerar que a posição de gestor, diretor ou sócio administrador de uma empresa implica a presunção de que houve a participação no delito, se não houver, no plano fático-probatório, alguma circunstância que o vincule à prática delitiva” (RHC n. 109.037/SC, Rel. Ministro Rogerio Schietti, 6ª T., DJe 25/4/2022
Afinal, vale lembrar que é inadmissível a imputação de um fato delitivo a um acusado sem demonstrar, nem sequer em tese, sua contribuição (ação ou omissão) para seu resultado.
Portanto, o simples fato de uma pessoa ser proprietária de uma empresa, sócia, administradora, gestora e afins, por si só, não significa que ela deva ser responsabilizada por qualquer crime indistintamente praticado pelo pessoa jurídica, sob pena de consagração da responsabilidade penal objetiva, repudiada pelo nosso Direito Penal.
Conclusão
O trancamento da ação penal pela via do habeas corpus é medida excepcional, admissível somente quando constatada a falta de justa causa, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a inépcia formal da denúncia.
Contudo, a inidoneidade formal da imputação, para ser reconhecida, deve prejudicar a compreensão da acusação e o exercício da ampla defesa, como por exemplo, deixar de descrever os fatos com clareza ou não demonstrar o nexo causal entre a conduta do agente e o crime ambiental.
Isso é muito comum em ações penais que atribue, crimes ambientais cometido pela pessoa jurídica aos seus sócios ante a mera condição de proprietários, sem descrever nenhum vínculo entre eles e a conduta delitiva, impossibilitando-se da compreensão da acusação e a adequado exercício de defesa.
Inclusive, ao reconhecer a inépcia da denúncia em relação aos crimes ambientais e determinar o consequente trancamento do processo penal através do RHC 123.808, o Superior Tribunal de Justiça – STJ muito bem pontuou:
“Para que se possa atribuir determinado resultado típico a certa pessoa é preciso que seja demonstrada a sua participação no crime. No particular, não descuro que a jurisprudência deste Superior Tribunal é firme na direção de que nos crimes societários, mostra-se impositivo que a denúncia contenha a descrição mínima da conduta de cada acusado e do nexo de causalidade, sob pena de ser considerada inepta.”
De fato, a imputação de responsabilidade individual exige como substrato mínimo a identificação de comportamento concreto violador de um determinado tipo penal, sendo insuficiente e equivocado afirmar que um indivíduo é autor de um crime ambiental se não há nenhuma circunstância que estabeleça o nexo entre sua conduta e o resultado.
Portanto, considera-se inepta a denúncia que não descreve os fatos ou não demonstra o nexo causal entre o crime ambiental e a conduta, porque nesses casos o acusado fica impossibilitado de compreender a acusação e o exercer a ampla defesa, ante a ausência de clareza, completude e precisão da inicial acusatóra.
[1] FERNANDES, Antonio Scarance. A reação defensiva à imputação. São Paulo. Editora: Revista dos Tribunais, 2002, p. 183.