Para a configuração do crime de desobediência por descumprir embargo ambiental enquanto ordem legal, necessário que não haja sanção determinada em lei específica (de natureza cível ou administrativa) para o descumprimento.
Logo, a punição pelo descumprimento do embargo ambiental em conjunto com o próprio crime ambiental ou infração administrativa que deu origem a conduta de descumprir embargo seria bis in idem, pois estaria punindo duplamente pela mesma ação, e tal, é vedado.
Dito de outra forma, o fato de uma pessoa descumprir embargo determinado pelo órgão ambiental competente, não caracteriza-se como o crime de desobediência, visto que tal fato resulta na prática da infração administrativa prevista o artigo 70 da Lei 9.605 /98, que em seu artigo 72 prevê inúmeras sanções, não trazendo previsão cumulativa da sanção penal.
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Crime de desobediência só se configura se não existir outra sanção
O delito de desobediência consiste em desobedecer, de forma passiva, a ordem legal de funcionário público. Ressalta-se que para a configuração do crime de desobediência é necessário que inexista outro tipo de punição.
Em se tratando de descumprimento de termo de embargo, evidente que há infração administrativa própria prevista no art. 79 do Decreto 6.514/08:
Art. 79. Descumprir embargo de obra ou atividade e suas respectivas áreas:
Multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).
O crime de desobediência é comum, formal, comissivo ou omissivo. E segundo definição de Nucci, Guilherme de Souza[1]:
“O sujeito pode desobedecer ao comando dado, fazendo, ou não, aquilo que lhe é ordenado cumprir. E, excepcionalmente comissivo por omissão; instantâneo; unisubjetivo; unissubsistente ou plurissubsistente; admitindo tentativa na forma comissiva, quando plurissubsistente”.
Na mesma linha é o ensinamento de Nelson Hungria, citado por Guilherme de Souza Nucci[2], segundo a qual “se, pela desobediência de tal ou qual ordem oficial, alguma lei comina determinada penalidade administrativa ou civil, não se deverá reconhecer o crime em exame, salvo se a dita lei ressalvar expressamente a cumulativa aplicação do art. 330 (…)”.
Igualmente, leciona Cezar Bitencourt[3] que “quando a lei extrapenal comina sanção civil ou administrativa, e não prevê cumulação com o art. 330 do CP, inexiste crime de desobediência”.
Bem analisada a questão, percebe-se que a atipicidade do crime de desobediência se esvai diante da existência de estímulos civis, processuais e administrativos, previstos especificamente em lei, com o propósito de que seja dado cumprimento às ordens judiciais, e consequentemente salvaguarda de sua autoridade, ocorrendo apenas nos casos em que não haja uma medida extrapenal suficiente para assegurar tal intento.
O que diz a jurisprudência sobre crime de desobediência por descumprir termo de embargo ambiental
A jurisprudência é tranquila no sentido de que inexiste crime de desobediência se para o descumprimento do termo de embargo ambiental houver previsão legislativa de sanção civil ou administrativa, exceto se houver expressa previsão de cumulação das sanções penal e extrapenal:
PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME DO ARTIGO 330 DO CÓDIGO PENAL. DESCUMPRIMENTO A TERMO DE EMBARGO DO IBAMA. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA NÃO CARACTERIZADO. DELITOS AMBIENTAIS. ARTIGOS 38 E 60 DA LEI 9.605/98. DESMATAMENTO EM ÁREA DE PROPRIEDADE PARTICULAR. INCOMPEETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL NÃO PROVIDO. 1. Inexiste crime de desobediência (art. 330 do CP) se para o descumprimento da ordem legal há previsão legislativa de sanção civil ou administrativa, exceto se houver expressa previsão de cumulação das sanções penal e extrapenal, o que não é o caso. O descumprimento do embargo, tal como ocorrido na hipótese dos autos, acarretou o sancionamento civil e administrativo nos termos do Decreto 6.514/2008, daí a impossibilidade de imputar o delito do art. 330 do Código Penal. Precedentes. 2. Falece competência da Justiça Federal para processar e julgar a imputação da prática dos delitos do art. 38 e 60 da Lei n. 9.605/98, uma vez que a área desmatada trata-se de propriedade particular. Inexistente o interesse direto e específico da União, devem os autos serem remetidos à Justiça Estadual. 3. Recurso em sentido estrito não provido. (TRF1 – RSE nº 0001948-36.2015.4.01.3605. Rel.: Desembargador Federal Ney Bello, Terceira Turma, Julgamento: 12.09.2017, Publicação: 22.09.2017).
PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIMES AMBIENTAIS. ARTIGO 40 DA LEI 9.605/98. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE EM RELAÇÃO AOS ARTIGOS 48 E 60 DA MESMA LEI. IMPOSSIBILIDADE. CONDUTAS DIVERSAS. MOMENTO CONSUMATIVO DIVERSO. PRODUÇÃO DE RESULTADOS NATURALÍSTICOS DIVERSOS. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA (ART. 330 DO CP) NÃO CARACTERIZADO. 1. Havendo concurso aparente de normas, deve o juiz valer-se do princípio da especialidade e proceder à subsunção adequada, aplicando apenas um dos preceitos legais, sob pena de incorrer em bis in iden. Não é a situação dos autos, em que as condutas supostamente praticadas pelo réu produziram vários resultados naturalísticos, simultaneamente. 2. Inexiste crime de desobediência (art. 330 do CP) se para o descumprimento da ordem legal há previsão legislativa de sanção civil ou administrativa, exceto se houver expressa previsão de cumulação das sanções penal e extrapenal, o que não é o caso. O descumprimento do embargo, tal como ocorrido na hipótese dos autos, acarreta o sancionamento administrativo a que responde o agente, ainda, pelo crime do art. 50-A da Lei n. 9.605/98, daí a impossibilidade de imputar o delito do art. 330 do CP, sob pena de incorrrer em bis in iden. 3. Recurso em sentido estrito a que se dá parcial provimento. (TRF-1 – RSE 0002005-07.2013.4.01.3902, Rel. Desembargador Federal Ney Bello, Terceira Turma, Publicação: 05/09/2014).
Portanto, se para a nova conduta (continuidade delitiva) a lei prevê a imputação de crime ambiental e inclusive imposição de multa ambiental no âmbito administrativo, não há como acusar o infrator também nas sanções do art. 330 do Código Penal.
Conclusão
Em relação ao crime de desobediência previsto no art. 330 do CP, a jurisprudência dos tribunais superiores consolidou entendimento no sentido de que essa infração penal não se configura quando o descumprimento da ordem do agente de fiscalização ambiental estiver sujeito a sanção administrativa, sem qualquer ressalva da possibilidade de cumulação da pena administrativa com sanção de natureza penal.
Ou seja, se a norma que prevê uma penalidade administrativa ou civil para o caso de descumprimento não ressalvar a incidência paralela da sanção penal concernente à desobediência, não incorre o agente no crime de desobediência.
Assim, em tais casos, entende-se que o legislador reputou suficientes para o caso apenas sanções de natureza administrativa ou civil, inexistindo desobediência enquanto tipo penal para o descumprimento de termo de embargo ambiental.
Em síntese, a sanção penal, em tais casos, deve estar prevista na legislação que autoriza a sanção administrativa ou civil. Caso contrário, não há que se falar em desobediência por descumprir embargo ambiental.
Portanto, o crime de desobediência previsto no artigo 330 do Código Penal apenas ocorrerá quando não houver sanção extrapenal especial (administrativa ou civil) para o descumprimento da ordem legal do agente de fiscalização ambiental.
[1] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado, 12ª edição revista, atualizada e ampliada, p. 1209/1210.
[2] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado, 19ª edição, revistam atualizada e ampliada, Forense, 2019, p. 1491.
[3] BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. 4ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1115.
4 Comentários. Deixe novo
Excelente dissertação sobre descumprimento de termo de embargo ambiental. O melhor que encontrei na internet. Parabéns.
Muito bom artigo.
Parabéns..
Multa de descumprimento de embargo ambiental por desmatamento de cerrado não cabe recurso. E o que é área de APP
Não entendi sua pergunta Willian. De qualquer forma, adianto que você não deve confundir APP com embargo de qualquer área. Quando há um dano ambiental, a área pode ser embargada, independente de ser área de preservação permanente. Mas para isso, a APP deve estar configurada faticamente.