Após o julgamento de um processo administrativo e esgotamento da esfera administrativa, a aplicação de sanções contra o infrator ainda pode ser objeto de uma ação anulatória do auto de infração ambiental, por meio da qual o Poder Judiciário examinará se a decisão administrativa padece ou não de nulidade.
Como cediço, a doutrina e a jurisprudência permitem que o Poder Judiciário analise os fundamentos dos atos administrativos discricionários, a fim de averiguar não só a legalidade, mas também eventual violação aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Sobre esse tema, transcreve-se trecho do judicioso aresto do Superior Tribunal de Justiça, de lavra do Ministro LUIZ FUX[1], atual Ministro do Supremo Tribunal Federal:
“[…] 2. A atuação da Administração Pública, deve seguir os parâmetros da razoabilidade e da proporcionalidade, que censuram o ato administrativo que não guarde uma proporção adequada entre os meios que emprega e o fim que a lei almeja alcançar.
3. A razoabilidade encontra ressonância na ajustabilidade da providência administrativa consoante o consenso social acerca do que é usual e sensato. Razoável é conceito que se infere a contrario sensu; vale dizer, escapa à razoabilidade “aquilo que não pode ser”.
A proporcionalidade, como uma das facetas da razoabilidade revela que nem todos os meios justificam os fins. Os meios conducentes à consecução das finalidades, quando exorbitantes, superam a proporcionalidade, porquanto medidas imoderadas em confronto com o resultado almejado”.
Índice
Princípio da proporcionalidade e da razoabilidade
Acerca da aplicação do princípio da proporcionalidade e da razoabilidade para realizar o controle de atos discricionários e visando a defesa do interesse público, colhem-se os ensinamentos do Ministro LUÍS ROBERTO BARROSO[2]:
“[…] O princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade, termos aqui empregados de modo fungível, não está expresso na Constituição, mas tem seu fundamento na idéia de devido processo legal substantivo e na de justiça.
Trata-se de um valioso instrumento de proteção dos direitos fundamentais e do interesse público, por permitir o controle de discricionariedade dos atos do Poder Público e por funcionar como a medida com que uma norma deve ser interpretada no caso concreto para a melhor realização do fim constitucional nela embutido ou decorrente do sistema.”
Controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário
O controle judicial sobre os atos administrativos é justificável, tendo em vista a necessidade de se evitar o abuso de poder do administrador público, que deve ser submetido ao controle dos seus atos, seja em razão do princípio da inafastabilidade da jurisdição, seja para evitar arbitrariedades que, além de comprometerem o próprio Estado Democrático de Direito, ofendem direitos subjetivos.
Tem-se daí que é possível ao Poder Judiciário analisar os fundamentos dos atos administrativos, a fim de averiguar não só a legalidade, mas também eventual violação aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sem que se fale em violação à harmonia entre os poderes.
Na dicção sempre oportuna de Celso Antônio Bandeira de Mello, mesmo nos atos discricionários não há margem para que a Administração atue com excessos ou desvios ao decidir, competindo ao Judiciário a glosa cabível (discricionariedade e controle judicial).[3]
Dito isso, sabe-se que toda decisão no âmbito do processo administrativo deve ser motivada. O próprio artigo 2º, da Lei 9.784/1999 estabelece a vigência do princípio da motivação.
Necessidade de motivar as decisões administrativas ambientais
Sobre este princípio da motivação, importante colacionar o magistério de DIRLEY DA CUNHA JÚNIOR[4]:
“[…] O princípio da motivação é exigência do Estado Democrático de Direito. Em face dele, toda decisão administrativa deve ser fundamentada em razões de fato ou de direito suficientes a ensejá-la.
É necessário, assim, motivá-las, enunciado as circunstâncias fáticas ou jurídicas sobre as quais se arrima o ato decisório (art. 2º, parágrafo único, inciso VII). […]
A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, nestes casos, serão parte integrante do ato (art. 50, § 1º)”
Motivar não significa mencionar que a situação fática se enquadra à norma hipotética. É necessário demonstrar e expor por que e de que modo a situação concreta se coaduna à previsão legal.
Deve-se, nas palavras de NELSON NERY JR[5] “(…) ingressar no exame da situação concreta posta à sua decisão, e não se limitar a repetir os termos da lei, sem dar as razões do seu convencimento”.
Em consagração ao princípio exposto, o artigo 95 e parágrafo único do artigo 125, do Decreto 6.514/08 impõe à autoridade administrativa, no âmbito dos processos administrativos, a apreciação da defesa e das provas produzidas pelas partes para julgamento do feito, que deverá constar nas razões de decidir, conforme dispõe:
Art. 95. O processo será orientado pelos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência, bem como pelos critérios mencionados no parágrafo único do art. 2o da Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999.
Art. 125. A decisão deverá ser motivada, com a indicação dos fatos e fundamentos jurídicos em que se baseia.
Parágrafo único. A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações ou decisões, que, neste caso, serão parte integrante do ato decisório.
Apesar de ser admitida a emissão de decisão com base na declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações ou decisões, fato é que a decisão administrativa deve conter relatório dos fatos, o respectivo enquadramento legal e, se condenatória, a natureza e gradação da pena, declinando as razões e motivos da penalização do autuado infrator.
E mais. A autoridade administrativa competente, antes de julgar o feito, deve apreciar a defesa e as provas produzidas pelas partes, não devendo estar adstrita ou vinculada aos documentos produzidos pelos agentes de fiscalização, nem mesmo ao relatório de sua consultoria jurídica ou órgão similar, se houver.
Fundamentação das decisões que aplicam multas ambientais
Ainda sobre a necessidade de as decisões proferidas em processos administrativos serem devidamente fundamentadas, preleciona HELY LOPES MEIRELLES[6]:
“[…] Julgamento: o julgamento é a decisão proferida pela autoridade ou órgão julgador competente sobre o objeto do processo. Essa decisão normalmente baseia-se nas conclusões do relatório, mas pode desprezá-las ou contrariá-las, por interpretação diversa das normas legais aplicáveis ao caso, ou por chegar o julgador a conclusões fáticas diferentes das da comissão processante ou de quem indubitavelmente realizou o processo.
O essencial é que a decisão seja motivada com base na acusação, na defesa e na prova, não sendo lícito à autoridade julgadora argumentar com fatos estranhos ao processo ou silenciar sobre as razões do acusado, porque isto equivale a cerceamento de defesa e conduzirá à nulidade do julgamento, que não é discricionário, mas vinculado ao devido procedimento legal. Realmente, se o julgamento de processo administrativo fosse discricionário, não haveria necessidade de procedimento, justificando-se a decisão como ato isolado de conveniência e oportunidade administrativa, alheio à prova e refratário a qualquer defesa do interessado.”
Outrossim, sem olvidar da importância do poder de fiscalização conferido aos agentes e órgãos públicos, tal deve ser exercido com extrema diligência, a fim de se evitar a violação às garantias constitucionais de ampla defesa e contraditório asseguradas aos acusados em geral (artigo 5º., inciso LV da Constituição Federal).
Com efeito, se a decisão punitiva não subsumir os fatos às normas e deixar de haver o enfrentamento das teses de defesa e os fatos, limitando-se a transcrever diversos dispositivos das normas ambientais que teriam sido supostamente violados, não se atentando às peculiaridades do caso específico, padecerá de vícios a justificar a declaração de nulidade.
Conclusão
Ainda que a decisão administrativa consista em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações ou decisões, que, neste caso, serão parte integrante do ato decisório, se estes não possuírem fundamentação individualizada e congruente, igualmente haverá a nulidade da decisão.
Ora, não há como se aceitar pareceres não individualizados para cada autuação formalizada no âmbito dos órgãos ambientais, que, em verdade, podem ser aplicados a qualquer situação que envolva infrações ambientais, sendo demasiadamente genéricos.
Isso porque, tal proceder, que, em essência, equivale a falta de fundamentação, afronta o princípio da motivação consagrado no artigo 93, inciso IX da Constituição Federal e, especificamente em sede administrativa, previsto nos artigos 95 e 125, parágrafo único, do Decreto 6.514/08, e artigo 2º. da Lei 9.784/99.
Desta forma, sempre que a decisão administrativa padecer de fundamentação idônea para aplicar a penalidade, impõe-se, consequentemente, a declaração de sua nulidade, porque não se pode conceber decisões administrativas proferidas pelos órgãos ambientais que adotam como razões de decidir pareceres genéricos, sem análise individualizada das circunstâncias.
Ora. A autoridade administrativa competente, antes de julgar o feito, deve apreciar a defesa e as provas produzidas pelas partes, não estando vinculada ao relatório de sua consultoria jurídica ou órgão similar, tampouco aos documentos produzidos no ato da fiscalização, sem o crivo do contraditório e da ampla defesa.
Se essa regra não é observada, emitindo-se decisão sem fundamentação e motivação necessárias que se espera do ato administrativo, ou se o parecer jurídico adotado como razão de decidir se mostra de todo genérica, e a defesa do autuado infrator sequer é analisada, decorre daí a nulidade daquela decisão e da multa ambiental imposta ao infrator.
Portanto, é nula a multa ou outra sanção aplicada por órgão ambiental através de decisão com carência de motivação, ou que adota parecer jurídico genérico, sem analisar os fatos concretos ou a defesa administrativa e alegações apresentadas pelo autuado infrator.
[1] REsp n.º 443310/RS, 1ª. Turma, DJ 03/11/03
[2] Luís Roberto Barroso, in Interpretação E Aplicação Da Constituição. 7ª. ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 374/375).
[3] STF, RE 131661/ES, rel. Min. Marco Aurélio, DJU 17.11.95, p. 39209.
[4] Dirley Da Cunha Júnior, in Curso De Direito Administrativo. 7ª. ed. Salvador: Juspodivm, 2009, p. 529/530.
[5] Nelson Nery Jr, 5ª. ed. convencimento” in Princípios Do Processo Civil Na Constituição Federal, São Paulo: RT, 1999, p. 176.
[6] Hely Lopes Meirelles, in Direito Administrativo Brasileiro, 21ª. ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 596.