O auto de infração ambiental que não contém provas suficientes de que a conduta objeto da autuação foi causada pelo alegado infrator é nulo, pois ausente o nexo causal entre o dano ambiental e qualquer comportamento vedado pelo ordenamento.
Muitas são as autuações lavradas por equipes de fiscalização ambiental pela prática de infração ambiental consistente na queima proposital de palha de cana-de-açúcar, e que geralmente resulta em aplicação de multas elevadas.
Todavia, grande parte dessas autuações padecem de vício formal, conquanto a equipe de fiscalização ambiental autuante não indicada a motivação necessária para o ato.
E não só, também pecam ao responsabilizar o suposto infrator de forma objetiva, quando a lei afirma que, em casos tais, a culpa deve ser comprovada.
Índice
1. Responsabilidade administrativa por queimada ou uso de fogo
A Constituição Federal prevê tríplice responsabilização ambiental, de forma independente e concomitante, a saber, a cível, a penal e a administrativa:
Art. 225. § 3º – As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
A primeira tem natureza objetiva, no entanto, como assentado pelo Superior Tribunal de Justiça[1], a terceira, ora sub judice, tem natureza subjetiva. Veja-se:
A responsabilidade administrativa ambiental é de natureza subjetiva. A aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano. Assim, a responsabilidade civil ambiental é objetiva; porém, tratando-se de responsabilidade administrativa ambiental, a responsabilidade é subjetiva.
Essa é a interpretação do dispositivo da Lei 6.938/81 que trata da matéria, onde, no §1º, em que trata da responsabilidade civil, reza que a responsabilização ocorrerá independentemente de culpa, mas, no caput, onde prescreve as sanções administrativas, nada dispõe a respeito, devendo-se entender que, para tanto, é exigível o dolo ou a culpa do agente. Veja-se:
Art. 14. Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: […]
§1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.
2. A autoria do incêndio ou queimada deve ser comprovada
Como visto, a responsabilidade administrativa ambiental é subjetiva, e justamente por isso, não basta provar a conduta, o dano e o nexo causal entre eles. Precisa também ficar demonstrado cabalmente o dolo ou a culpa do agressor para sua configuração.
Cediço, para a autuação e o processamento das infrações de uso de fogo em áreas agropastoris, deve ser demonstrado o nexo causal entre a ação ou omissão do proprietário ou responsável pelas áreas e a ocorrência do fogo.O nexo causal pela omissão deve ser estabelecido pela demonstração da ausência de adoção ou adoção insuficiente de medidas preventivas ou de combate ao fogo,
Desse modo, cabe à Administração Pública comprovar o dano ou a culpa da parte autuada, isto é, que o suposto infrator deu causa à queimada ou incêndio ou que tenha se omitido do dever de prevenção ou combate ao incêndio.
Se nada ficar demonstrado nesse sentido, ainda que a ocorrência da queimada seja fato incontroverso, o auto de infração ambiental conterá vício e deve ser declarado nulo.
3. Conclusão
É comum que a equipe de fiscalização ao lavrar um auto de infração ambiental se limite, de forma muito simples, em apontar discricionariamente o valor da penalidade que acha adequada, sem maiores fundamentações, muito menos comprovar a autoria pelo incêndio.
Interessante mencionar que, com a tecnologia disponível hoje em dia, pode permitir ao fiscal identificar a forma e o local em que o foco de incêndio se inicie, bem como, de que modo o fogo se alastra.
Tais informações são de suma importância não apenas para permitir o adequado exercício do contraditório e da ampla defesa, mas também, para possibilitar à autoridade julgadora saber com certeza, ou, ao menos ter uma melhor percepção, se de fato a queimada foi de fato provocada pelo infrator indicado pela equipe de fiscalização.
Se nada disso existir nos autos, havendo o mero preenchimento do formulário, com simples descrição simplória e a menção ao dispositivo legal que enquadraria o fato, o auto de infração ambiental será nulo.
Veja que é a equipe de fiscalização o ônus de provar a culpabilidade da parte autuada, seja pelo dolo (culpa de agir provocando o incêndio) seja pela culpa (omissão na prevenção ou combate do fogo), bem como, justificar nos autos os parâmetros utilizados para a dosimetria do valor da multa.
Se a única informação a respeito disso está em documentos que apenas indicam a ocorrência de uma queimada em determinada área, então não haverá prova suficiente e convincente para homologação do auto de infração ambiental.
Portanto, não se pode vislumbrar razão para a multa administrativa quando não houver sua devida motivação e comprovação pela equipe de fiscalização da autoria pela queimada, pois é dela o dever legal para tanto (arts. 2º e 50 da Lei 9.784/99), e sua falta conduz à nulidade do auto de infração ambiental.