Imagine a seguinte situação: um produtor rural em cumprimento à legislação ambiental inscreveu o seu imóvel no Cadastro Ambiental Rural – CAR visando a regularização da sua área com a aprovação do CAR.
A inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR), como se sabe, é obrigatória e após homologado o produtor rural obtém a regularidade ambiental necessária, por exemplo, para contrair financiamentos, empréstimos, vender produtos ali produzidos, emitir certidões e licenças ambientais e explorar de forma legal a sua propriedade.
Contudo, ultrapassados meses ou até anos deste o protocolo do Cadastro Ambiental Rural – CAR e o órgão competente ainda não procedeu a sua análise, surgem para o proprietário do imóvel rural diversos entraves, tais como o impedimento de obter certidões, contrair financiamentos e realizar demais atos que dependeriam da solução a ser conferida no processo administrativo.
Ocorre que essa demora excessiva da Administração Pública em emitir decisão conclusiva pela aprovação ou não do Cadastro Ambiental Rural – CAR viola os princípios da legalidade, impessoalidade, razoável duração do processo, constitucionalmente assegurados.
Nesse contexto surge ao produtor rural o direito líquido e certo em obter a análise e parecer acerca do CAR de seu imóvel rural para possibilitar a regularização da sua propriedade, bem como de exercer suas atividades.
E, ainda, para obter crédito perante as instituições financeiras, razão pela qual pode fazer uso do mandado de segurança para que seja determinado ao órgão a análise do CAR.
Neste caso, vale ressaltar que o mandado de segurança não terá o condão de conceder um salvo-conduto em favor do proprietário, tampouco de fixar obrigar judicialmente a Administração Pública Estadual a aprovar o Cadastro Ambiental Rural – CAR, mas sim, de fixar um prazo razoável para que se manifeste conclusivamente a respeito do pedido que lhe foi submetido.
Índice
Entendendo o Mandado de Segurança para análise do CAR
O Mandado de Segurança constitui remédio constitucional destinado à proteção a direito líquido e certo, contra ato ou omissão de autoridade pública ou agente imbuído de atribuições do Poder Público, nos termos do inciso LXIX , do art. 5º , da Constituição da Republica de 1988.
Nesse sentido, colhe-se da lição de Hely Lopes Meirelles[1] o conceito de direito líquito e certo e o cabimento do mandado de segurança:
“Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se sua extensão não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais”. (…) “As provas tendentes a demonstrar a liquidez e certeza do direito podem ser de todas as modalidades admitidas em lei, desde que acompanhem a inicial, salvo no caso de documento em poder do impetrado (art. 6º, parágrafo único) ou superveniente às informações”.
Assim sendo, o mandado de segurança é a medida judicial cabível para casos em que se deve proteger direito líquido e certo, não amparados por habeas data ou habeas corpus conforme artigo 1º da Lei 12.016/2009.
Logo, é cabível quando o prazo estabelecido na norma para a análise do Cadastro Ambiental Rural – CAR for ultrapassado, porque se há um prazo legal para que a Administração Pública conclua a análise do CAR, uma vez ultrapassado, estar-se-á diante de um ato coator.
Assim, se o órgão não promove com a análise do CAR surge para o requerente a possibilidade de impetrar o Mandado de Segurança, inclusive com pedido liminar, para que a análise seja concluída.
Prazo para impetrar mandado de segurança
Embora o art. 23, da Lei 12.016/09 estabeleça um prazo de prazo de 120 (cento e vinte) dias para impetrar mandado de segurança contados da data do ato coator, a demora na análise do Cadastro Ambiental Rural – CAR configura ato omissivo continuado da Administração Pública.
Significa dizer que o prazo decadencial para impetrar o mandado de segurança não flui, já que permanente a lesão do direito, conforme pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO Nº 3/STJ. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ATO OMISSIVO. DECADÊNCIA. AFASTAMENTO. 1. Em se tratando de ato omissivo continuado, o prazo para impetração de mandado de segurança se renova mês a mês, afastando a decadência para o ajuizamento da ação (cf. AgInt no REsp 1548233/CE, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe 25/05/2018; REsp 1729064/PB, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 02/08/2018). 2. Agravo interno não provido. (STJ – AgInt no RMS: 58699 BA 2018/0236908-6, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 19/02/2019, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/02/2019).
Assim, não há decadência do direito de impetrar mandado de segurança se a causa de pedir é justamente a conduta omissiva de efeitos permanentes da Administração Pública em análise o Cadastro Ambiental Rural – CAR.
Quem é a autoridade coatora
A autoridade coatora, para fins de mandando de segurança, é aquela que detém poderes para cumprir o provimento judicial de desconstituição do ato coator.
Nessa esteira é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ, o qual preceitua que a legitimidade da autoridade coatora deve ser aferida à luz das duas funções que exerce, quais sejam, a de prestar informações e a de cumprir a ordem judicial, sendo a última função vinculada a sua competência administrativa. Esse é o teor do seguinte julgado:
MANDADO DE SEGURANÇA. AUTORIDADE COATORA. A autoridade coatora desempenha duas funções no mandado de segurança: a) uma, internamente, de natureza processual, consistente em defender o ato impugnado pela impetração; trata-se de hipótese excepcional de legitimidade ad processum, em que o órgão da pessoa jurídica, não o representante judicial desta, responde ao pedido inicial; b) outra, externamente, de natureza executiva, vinculada à sua competência administrativa; ela é quem cumpre a ordem judicial. A legitimação da autoridade coatora deve ser aferida à base das duas funções acima descritas; só o órgão capaz de cumpri-las pode ser a autoridade coatora. A pessoa jurídica sujeita aos efeitos da sentença no mandado de segurança só estará bem representada no processo se houver correlação material entre as atribuições funcionais da autoridade coatora e o objeto litigioso; essa identificação depende de saber, à luz do direito administrativo, qual o órgão encarregado de defender o ato atacado pela impetração. O Secretário de Estado de Finanças não está legitimado a figurar como autoridade coatora em mandado de segurança que visa evitar a prática de lançamento fiscal. Recurso ordinário desprovido. (STJ – RMS n. 38.735/CE, relator Ministro Ari Pargendler, Primeira Turma, julgado em 12/11/2013, DJe de 19/12/2013.)
Na mesma linha de ideias é a lição de Leonardo José Carneiro da Cunha[2], o qual propugna que autoridade pública, aquela contra quem deve ser impetrado o mandado de segurança, “consiste naquele sujeito, que integra os quadros da Administração Pública, com poder de decisão, sendo competente para praticar o ato questionado ou para desfazê-lo”.
Autoridade coatora no Estado do Mato Grosso
No caso específico do Estado do Mato Grosso, quando o processo administrativo de homologação do Cadastro Ambiental Rural – CAR não é concluído no prazo legal, é possível ingressar com mandado de segurança cuja autoridade coatora contra qual ele será impetrado é o Coordenador de Cadastro Ambiental Rural.
Isso porque, o artigo 63, do Decreto Estadual 1.661, de 13 de setembro de 2018, que regula o Regimento Interno da Secretaria de Estado de Meio Ambiente – SEMA, estabelece como atribuições do Coordenador de Cadastro Ambiental Rural a promoção do Cadastro Ambiental Rural – CAR e a Regularização Ambiental dos Imóveis Rurais de Mato Grosso, competindo-lhe:
I – analisar as informações do CAR e da regularização ambiental dos imóveis rurais;
II – produzir informações da regularização ambiental para subsidiar o planejamento da paisagem;
III – propor e participar da execução de projetos e atividades relacionados ao aprimoramento dos sistemas de informações utilizados pela SEMA;
IV – coordenador a produção e divulgação das informações sobre o CAR e da regularização para uso do público interno e externo;
V – apoiar o CAR para pequenos produtores rurais;
VI – realizar acompanhamento e avaliação do Cadastro Ambiental Rural – CAR e da regularização ambiental no Estado;
VII – planejar e coordenar as atividades de vistorias e monitoramento referentes à análise do Cadastro Ambiental Rural;
VIII – elaborar e aplicar indicadores de qualidade e produtividade das análises técnicas;
IX – validar as informações geoespaciais do cadastro ambiental rural e da regularização ambiental.
X – analisar, propor, desenvolver e executar projetos e atividades relacionados ao aprimoramento dos sistemas de informações e de tecnologia utilizados para o CAR e regularização ambiental;
XI – captar e acompanhar parcerias e planos de trabalho com organizações governamentais e não governamentais para o CAR e a regularização de imóveis rurais;
XII – propor e executar capacitação para o público interno e externo sobre o CAR e a regularização ambiental;
XIII – elaborar material para fins de divulgação e capacitação do CAR e da regularização ambiental para o público interno e externo;
XIV – executar atividades de apoio ao CAR e a regularização ambiental para pequenos imóveis rurais;
XV – produzir e disponibilizar informações sobre o CAR e a regularização ambiental.
O dispositivo acima transcrito é claro ao definir que quem detém a competência para apreciar e tomar decisão acerca do requerimento administrativo no Estado do Mato Grosso é o Coordenador de Cadastro Ambiental Rural, sendo ele parte legítima para figurar no polo passivo do mandado de segurança, devendo-se também incluir o Superintendente de Regularização e Monitoramento Ambiental – SRMA.
Portanto, em caso de demora na conclusão de análide do Cadastro Ambiental Rural – CAR, cabível um Mandado de Segurança que deve ser impetrado contra o Coordenador de Cadastro Ambiental Rural e o Superintendente de Regularização e Monitoramento Ambiental – SRMA, pois são as autoridades públicas ou agentes de pessoa jurídica, no exercício de atribuições do Poder Público, que se omitiram no ato tido como violador do direito líquido e certo.
Liminar em mandado de segurança para órgão analisar o CAR
Nos casos em que estiver devidamente comprovada a demora injustificada do órgão ambiental na análise do Cadastro Ambiental Rural – CAR será cabível requerer em sede mandado de segurança a concessão de liminar para compelir o órgão a emitir uma decisão conclusiva sobre o processo.
O requerimento encontra fundamento no artigo 7º, inciso III, da Lei 12.016/09 e do artigo 300 do Código de Processo Civil, os quais autorizam o juiz a conceder a tutela de urgência quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
Assim, há dois requisitos que devem ser preenchidos. O primeiro é a fumaça do bom direito “(ou fumus boni iuris), geralmente presente em documentos que comprovam o protocolo e o excesso injustificado de prazo para a análise do CAR.
O segundo requisito é o perigo da demora (ou, periculum in mora), o qual surge pelo simples fato de a demora no provimento jurisdicional causar graves prejuízos ao impetrante, como impedimento de obter certidões, contrair financiamentos e realizar demais atos que dependem da solução a ser conferida no processo administrativo.
Importante mencionar que a concessão de liminar não terá o objetivo de obter licenças e/ou autorizações ao alvitre da Lei, tampouco que sejam fixados prazos desarrazoados para que a Administração Pública se manifeste a respeito do pedido que lhe foi submetido, mas sim, que observe o prazo legal e conclua a análise de pedido de Cadastro Ambiental Rural – CAR.
Portanto, considerando que não se mostra razoável que ao produtor rural que fez a inscrição no CAR seja imposta uma situação provisória e por tempo indeterminado pela omissão da Administração Pública na apreciação da análise do CAR, mostra-se plenamente possível obter uma liminar para determinar a apreciação do pedido em prazo razoável.
[1] Hely Lopes Meirelles. “Mandado de Segurança”, 26ª edição, Editora Malheiros, p. 36-37.
[2] Leonardo José Carneiro da Cunha. A Fazenda Pública em Juízo, 8ª Ed. rev. ampl. e autal., São Paulo: Didática, 2010, p. 461.