De acordo com o art. 24 do Código Penal, “Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se”.
O art. 65 do Código de Processo Penal estabelece que “Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular do direito”.
Especificamente sobre a repercussão de decisão criminal na órbita administrativa, Maria Sylvia Zanella Di Pietro[1] ensina que:
Quando a sentença for pela absolvição, há que se distinguir os seus vários fundamentos, indicados no artigo 386 do Código de Processo Penal (com redação alterada pela Lei nº 11.690/08), nos seguintes termos:
Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:
I – estar provada a inexistência do fato;
II – não haver prova da existência do fato;
III – não constituir o fato infração penal;
IV – estar provado que o réu não concorreu para a infração penal;
V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal;
VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1º do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência;
VII – não existir prova suficiente para a condenação.
Repercutem na esfera administrativa as decisões baseadas nos incisos I, IV e VI; nos dois primeiros casos, com base no artigo 935 do Código Civil e, no último, com esteio no artigo 65 do Código de Processo Penal.
De fato, como leciona a Professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, uma decisão absolutória criminal com fundamento no art. 386, VI, do CPP repercute na esfera administrativa. É o que ocorre, por exemplo, em caso de decisões absolutórias com base no estado de necessidade, a teor do art. 65 do CPP.
Assim, quando na esfera penal for reconhecido o estado de necessidade (em casos como de agricultores que vivem em subsistência e realizaram pequeno desmatamento para garantir sua sobrevivência), a decisão em âmbito criminal deve repercutir na esfera cível.
Ou seja, se uma multa administrativa tiver sido imposta pelos mesmos fatos que levaram a uma ação penal, eventual decisão absolutória criminal diante do reconhecimento de estado de necessidade deve repercutir na esfera cível (com a desconstituição das sanções administrativas aplicadas).
A jurisprudência é exatamente nesse sentido. Veja-se, a título exemplificativo, recente julgado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4):
EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. MULTA AMBIENTAL. SENTENÇA PENAL ABSOLUTÓRIA. ESTADO DE NECESSIDADE. 1. Caso em que sentença penal absolutória analisou os mesmos fatos que são debatidos nos embargos, examinando a materialidade da conduta do embargante e concluindo que ele agiu em estado de necessidade. Reconheceu, ainda, que a área na qual ocorreu o dano de fato era utilizada para plantio há muito mais tempo do que o período em que passou a pertencer ao embargante. 2. O art. 65 do Código de Processo Penal estabelece que faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade. 3. Tendo o juízo criminal concluído pela licitude da conduta, deve ser reconhecida a coisa julgada material e julgados procedentes os embargos para declarar a inexigibilidade da multa, a nulidade da certidão de dívida ativa e a extinção da execução fiscal. (TRF4, AC 5025237-61.2022.4.04.7200, TERCEIRA TURMA, Relator ROGERIO FAVRETO, juntado aos autos em 30/07/2024)
Portanto, conclui-se que a sentença penal que reconhece estado de necessidade faz coisa julgada no cível, tendo como efeito a desconstituição de eventuais sanções administrativas aplicadas em decorrência dos mesmos fatos que levaram à ação penal.
[1] Direito administrativo. 33. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, fl. 1410.