Auto de infração ambiental. Valor da multa. Decreto 6.514/08. Lei 9.605/98. Multa ambiental. Defesa. Recurso. Advogado. Escritório de Advocacia. Ação Anulatória. Pedido de redução da multa.
Há muito se discute a legalidade do Decreto 6.514/08, mas os Tribunais têm entendido por sua plena aplicação. Contudo, levantamos uma divergência que tem embasado nossas ações de anulação de auto de infração ou pedido de redução do valor da multa ambiental.
Índice
O que diz a Lei
A Constituição Federal, base de toda a ordenação jurídica, superior a todas as leis, diz que ninguém é obrigado a fazer nem a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5º, II).
Nesse sentido, o art. 6º da Lei n. 9.605/98 estabelece critérios para a imposição de penalidades pela autoridade ambiental:
Art. 6º Para imposição e gradação da penalidade, a autoridade competente observará:
I – a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas consequências para a saúde pública e para o meio ambiente;
II – os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental;
III – a situação econômica do infrator, no caso de multa.
Já o art. 72 da Lei 9.605/98, ao discriminar as sanções cabíveis, impõe a autoridade ambiental estrita observância a gradação prevista no já citado art. 6º:
Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º: […].
No tocante ao valor da multa, o art. 75 da Lei 9.605/98 estabelece que:
Art. 75. O valor da multa de que trata este Capítulo será fixado no regulamento desta Lei e corrigido periodicamente, com base nos índices estabelecidos na legislação pertinente, sendo o mínimo de R$ 50,00 (cinquenta reais) e o máximo de R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais).
E sobre a base para imposição do valor da multa, preceitua o art. 74, também da Lei 9.605/98:
Art. 74. A multa terá por base a unidade, hectare, metro cúbico, quilograma ou outra medida pertinente, de acordo com o objeto jurídico lesado.
Logo, os citados dispositivos estabelecem, além de critérios para imposição de penalidade, um limite mínimo e máximo da multa.
Hermenêutica jurídica
Ocorre que o valor das multas constantes no Decreto 6.514.08, criado por ato presidencial para regulamentar a Lei 9.605/98, extrapola seus limites legais ao dispor de valor fechado para determinadas infrações ambientais
Conceitua-se multa fechada como um valor previamente fixado em lei, com base unicamente em unidade de medida, de acordo com o objeto jurídico lesado.
Entretanto, ao dispor sobre multa fechada, o Decreto 6.514 viola o princípio da individualização da pena (art. 5º, XLVI/CF), à propósito, muito bem delineado pelo ex-Ministro Ayres Brito, que apesar de se referir à esfera criminal, é perfeitamente aplicável ao caso, pois revela a função do julgador na individualização das sanções:
O processo de individualização da pena é um caminhar no rumo da personalização da resposta punitiva do Estado, desenvolvendo-se em três momentos individuados e complementares: o legislativo, o judicial e o executivo.
Logo, a lei comum não tem a força de subtrair do juiz sentenciante o poder-dever de impor ao delinquente a sanção criminal que a ele, juiz, afigurar-se como expressão de um concreto balanceamento ou de uma empírica ponderação de circunstâncias objetivas com protagonizações subjetivas do fato-tipo.
Implicando essa ponderação em concreto a opção jurídico-positiva pela prevalência do razoável sobre o racional; ditada pelo permanente esforço do julgador para conciliar segurança jurídica e justiça material.[1]
Ainda sobre o princípio da individualização da pena, José Francisco Cunha Ferraz Filho em obra organizada por Costa Machado, comenta:
Por princípio de justiça, a pena deve ser individualizada, ou seja, para cada tipo de crime haverá uma prescrição de pena que não poderá ser igual para todos os que delinquiram.
O princípio da igualdade impõe que se trate igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, podendo-se ajuntar, à medida que se desigualam.
Por isso mesmo, cumpre individualizar a pena, de acordo com o desvalor do ato praticado, mandando o constituinte que, dentre outras possíveis, o legislador infraconstitucional se valha, como critério, da privação ou restrição da liberdade, da perda de bens, da multa, da prestação alternativa ou da suspensão ou interdição de direitos.
Ao juiz caberá, sem dúvida, fazer a individualização da pena, em dois lances: primeiro, fazendo corresponder a espécie de pena ao ato praticado; depois, dosando a pena de acordo com a personalidade do infrator e outras circunstâncias que a lei preveja como possíveis de consideração.[2]
Vê-se que, a escolha da modalidade e do quantum de penalidade aplicável não é ato de livre-arbítrio da autoridade administrativa, tão pouco obra de Decreto 6.514.
Conclusão
Assim, em consonância com o princípio da individualização da pena, plenamente aplicável aos processos administrativos por força da sua natureza sancionadora, o julgador deve levar em consideração as circunstâncias de cada caso concreto, conforme disposto em Lei.
Portanto, os dispositivos do Decreto 6.514 que tratam de multa fechada devem ser interpretados à luz da Constituição Federal, como se fixasse o valor da multa fechada como máximo.
Como mínimo, deve ser tomado o valor mínimo previsto no art. 75 da Lei 9.605/98, ou seja, R$ 50,00 por unidade, hectare, metro cúbico, quilograma ou outra medida pertinente, isso, pois, para preservar não só o princípio da individualização da pena, como o princípio da legalidade.
Ao contrário, estar-se-á diante de uma inconstitucionalidade.
3 Comentários. Deixe novo
Olá
No ano de 20/052020 fui autuado por ter 138 varetas de pau Brasil, com medidas de comprimento 77cm x 1.5 cm de espessura. E o valor do auto de infração foi estipulado multa fechada de 300 reais por unidade e por se tratar de espécie em extinção foi acrescido mais 50%. Totalizando um total de R$62.100 mil reais. Dinheiro esse que não tenho nem em sonho. Esse valor está correto?
Olá Helisson, é necessário analisarmos os autos do processo administrativo ambiental para verificar o método de dosimetria da multa.
Adorei o site, muito conteúdo bom, e esse artigo sobre ilegalidade do valor da multa ambiental fechada é sensacional, parabéns!!!