O tipo penal de desmatar floresta de domínio público possui a seguinte redação:
Art. 50-A. Desmatar, explorar economicamente ou degradar floresta, plantada ou nativa, em terras de domínio público ou devolutas, sem autorização do órgão competente:
Pena – reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa.
Em alguns casos, pois, o que se constata é a falta de prova acerca das elementares do tipo penal referente à floresta e a terras de domínio público. Vamos detalhar.
Índice
Conceito de Floresta
Conforme a lição de Silvio Maciel[1], “florestas são grandes extensões de áreas constituídas (encobertas) por árvores de grande porte. Estão excluídas do conceito as vegetações rasteiras ou constituídas de arbustos ou árvores de pequeno porte”.
Para o Superior Tribunal de Justiça[2]: “O elemento normativo ‘floresta’, constante do tipo de injusto do art. 38 da Lei 9.605/98, é a formação arbórea densa, de alto porte, que recobre área de terra mais ou menos extensa. O elemento central é o fato de ser constituída por árvores de grande porte. Dessa forma, não abarca a vegetação rasteira”.
Portanto, não é qualquer vegetação existente que caracteriza o termo “floresta” para os efeitos penais.
Assim, em alguns casos, só mesmo uma fundamentada perícia e o conhecimento das partes e do juiz a respeito da vegetação local é que poderão identificar uma floresta e, no presente caso, o magistrado sentenciante entendeu que não se comprovou nos autos que a área degradada constituía uma “floresta”, tal como exigido pelo tipo penal.
O que diz a jurisprudência sobre o conceito de Floresta
O entendimento da jurisprudência quanto ao conceito de floresta é o seguinte:
PENAL E PROCESSUAL PENAL – CRIME AMBIENTAL – DESTRUIÇÃO OU DANIFICAÇÃO DE FLORESTA CONSIDERADA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – RECURSO MINISTERIAL – MATERIALIDADE DELITIVA NÃO DEMONSTRADA – ABSOLVIÇÃO MANTIDA. 1) Pela insuficiência de provas da materialidade delitiva, não tendo sido demonstrada a efetiva destruição do objeto jurídico tutelado pela norma, ou seja, floresta em área de proteção permanente, a conduta imputada acusados não se mostra caracterizadora de fato típico. 2) A ausência de tipicidade é motivo idôneo para a absolvição (art. 386, II, do CPP). 3) Recurso conhecido e desprovido.(APELAÇÃO. Processo Nº 0000245-58.2011.8.03.0004, Relator Desembargadora SUELI PEREIRA PINI, CÂMARA ÚNICA, julgado em 25 de Abril de 2014, publicado no DJE Nº 77/2014 em 07 de Maio de 2014).
PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME AMBIENTAL. DESMATAMENTO (ART. 50-A, DA LEI N 9.605/98). AUSÊNCIA DE PROVAS. ABSOLVIÇÃO MANTIDA.1. Na hipótese, o conjunto probatório constante dos autos não oferece elementos de prova hábeis a demonstrar, com a necessária segurança a fundamentar uma condenação, que o acusado, ora apelado, teria praticado consciente e voluntariamente, o delito imputado na denúncia. 2. Apelação desprovida. (TRF-1 – ACR: 00036341520104013904, Relator: JUÍZA FEDERAL ROSIMAYRE GONÇALVES DE CARVALHO (CONV.), Data de Julgamento: 02/06/2015, QUARTA TURMA, Data de Publicação: 10/09/2015)
PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME AMBIENTAL (ART. 50-A DA LEI N. 9.605/98). ASSENTAMENTO DO INCRA. DESMATAMENTO PARA SOBREVIVÊNCIA. EXCLUDENTE DE ILICITUDE. ART. 50, § 1º DA LEI 9.605/98. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA MANTIDA ( CPP: ART. 387, I). APELO DESPROVIDO. 1. Embora tenham sido demonstradas nos autos a autoria e a materialidade delitivas, deve ser mantida por seus próprios fundamentos a sentença que absolveu sumariamente o acusado, com fulcro no art. 387, inciso I, do CPP, decorrente da aplicação da excludente de ilicitude prevista no art. 50, § 1º, da Lei n. 9.605/98, porquanto, nos termos do referido dispositivo legal,”não é crime a conduta praticada quando necessária à subsistência imediata pessoal do agente ou de sua família”. 2. O fato de o acusado possuir Termo de Concessão de Uso da área em que reside não descaracteriza o estado de necessidade do acusado, mormente porque o crime previsto no art. 50-A somente foi praticado com vistas a oferecer o sustento pessoal e de sua família. 3. Apelação desprovida.(TRF-1 – ACR: 9022320114013000 AC 0000902-23.2011.4.01.3000, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL HILTON QUEIROZ, Data de Julgamento: 21/10/2013, QUARTA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p.2742 de 05/12/2013)
APELAÇÃO. CRIME AMBIENTAL. ARTIGOS 50-A E 51, DA LEI 9.605/98. Impositiva a manutenção da sentença absolutória pela não tipificação dos delitos imputados ao acusado, visto que o local não se constitui floresta, mas vegetação rasteira e com poucas árvores, inexistindo elementos que conduzam à configuração de conduta criminosa. APELO DESPROVIDO.( Apelação Crime Nº 70057590317, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rogério Gesta Leal, Julgado em 19/12/2013)
Infração ocorrida em terras públicas
No tocante ao outro elemento do tipo, qual seja, se a área desmatada é de domínio público ou está localizado em terras devolutas, Vladimir Passos de Freitas ensina que:
“(…) Terras de domínio público, como já afirmado são as que pertencem a União, Estados e Municípios (v.g. o Município de Juiz de Fora/MG, possui 11 florestas municipais criadas pelo Dec.6.555/1999). Devolutas são as terras que não se acham registradas no cartório imobiliário em nome de particulares e nem foram formalmente arrecadadas pelo Estado. Elas foram definidas no art. 3º da lei 601/1850 e atualmente pertencem aos estados membros (art. 26, IV, da CF) ou, em situações especiais à União (art. 20, IV, da CF), como, por exemplo, as indispensáveis à defesa das fronteiras. O reconhecimento de terras devolutas é feito pela União através de ação discriminatória, conforme previsto pela Lei 6383/1976.”(Crimes contra a Natureza, 9ª edição – São Paulo: RT, 2012, p. 201).
Se em nenhum momento ficar configurado que a área objeto da demanda está localizada em terras de domínio público ou devolutas, prova que compete a quem acusa, a absolvição é de rigor.
Ademais, se a conduta imputada ao acusado foi praticada para implantação de culturas típicas de subsistência, para satisfação das necessidades do agente e de sua família, atípica é a conduta.
Imputabilidade do crime ambiental
É sabido que a culpabilidade é composta de três grandes elementos: imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa.
O Erro de Proibição é uma excludente da potencial consciência e por consequência, da própria culpabilidade. Ocorre quando o agente não conhece o caráter proibido, ilícito de determinada conduta.
Nos moldes do art. 21 do Código Penal Brasileiro, é um erro sobre a ilicitude do fato através do qual o agente acredita estar realizando uma conduta lícita.
Por sua vez, o erro de proibição divide-se em Erro Inevitável ou Invencível, Erro evitável ou vencível
Erro Inevitável ou Invencível
O agente não conhece a ilicitude de sua conduta e nem possui o potencial para conhecer. O agente não podia evitar o erro, sendo portanto um erro escusável, “desculpável”.
Na hipótese de erro inevitável o agente é isento de pena, afasta-se a culpabilidade e por consequência, não há crime. Como exemplo, cite-se o agente que retirou casca de árvore para preparar chá para a esposa doente e não sabia que estava praticando crime ambiental.
Erro evitável ou vencível
O agente podia ter conhecimento da ilicitude de seu ato e agido de forma diferente. O erro é inescusável, não merecendo desculpas. Neste caso, não haverá isenção de pena, mas redução nos moldes do art. 21 do CP, de um sexto a um terço.
Portanto, estará em erro de proibição aquele que por erro escusável ou mesmo inescusável, por ação ou omissão, contrariar as proibições ou permissões da ordem jurídica. Essa conduta se dá justamente por ignorar a relação de contrariedade, ou dela não ter sido informado.
É importante dizer ainda que o erro de proibição nunca afasta o dolo. Embora o agente tenha incorrido em erro de proibição, não podemos esquecer que ele quis praticar a conduta escusável ou não. O dolo é elemento do tipo. Segundo a Teoria Finalista do crime, o dolo não se encontra na culpabilidade.
Doutrinariamente, o erro de proibição também é classificado em direto ou indireto. Todavia, esta classificação não afeta em nada suas consequências, podendo ser escusável ou inescusável da mesma forma.
Erro de proibição direto
O indivíduo valora a situação de forma direta e conclui que está realizando algo que não é proibido.
Se o agente supõe, por erro inevitável, ser lícita a sua conduta, reconhecida deve ser a figura do erro de proibição direto, que consiste em uma causa excludente de culpabilidade.
Erro de proibição indireto
Neste caso, primeiro o agente passa por uma falsa percepção de que sua conduta não é proibida. O agente acha que possui uma permissão para realizar o ato, quando na realidade esta permissão não existe. O erro de proibição indireto também é chamado de erro de permissão.
Com essas exposições, ao praticar o desmatamento, uma pessoa pode o fazer em uma área que nem em mata se configurava, mas sim uma “capoeira” (área fechada) e ao fazê-lo não ficou caracterizado que tivesse a intenção de promover a ação dolosa.
Conclusão
Do que foi dito, pode-se concluir que se não ficar demonstrado que o agente praticou o desmatamento de maneira intencional, que conhecesse a ilicitude de sua conduta ou o potencial dela, pode-se dizer que o agente não podia evitar o erro, sendo, portanto, um erro escusável, “desculpável”.
O desmatamento em si é crime, todavia, será que o administrado, que vive praticamente isolado, tem consciência disto?
O caboclo amazônida, que vive no interior do interior de um Estado, será que tem conhecimento da prática delituosa que comete quando desmata? De que para desmatar teria necessidade de licença ambiental própria?
Pessoas assim, normalmente não são nem alfabetizadas, e considerando que cada caso, é um caso, e precisa ser bem analisado, deve-se mitigar a aplicação do Direito Penal Ambiental quando se tratar de pessoa sem ou com quase nada de conhecimento, reconhecendo-se a aplicabilidade do erro escusável.
[1] GOMES, Luiz Flávio. CUNHA, Rogério Sanches. Legislação penal especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 770.
[2] STJ – Habeas Corpus n. 74950/SP, rel. Min. Felix Fischer, da Quinta Turma, julgado em 21.6.2007); (STJ, Resp 783652/SP, rel. Ministro Felix Fischer, DJU 19.06.2006, p. 196.