APELAÇÃO CÍVEL – EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – MULTA AMBIENTAL – DANO EM UNIDADE DE CONSERVAÇÃO – CRIAÇÃO DE GADO – VALOR DA MULTA – FUNDAMENTO LEGAL – CRITÉRIO DE ARBITRAMENTO – AUSÊNCIA.
Aquele que causar dano direto ou indireto em unidades de conservação se sujeita à imposição de multa ambiental simples, por hectare ou fração (art. 86, item 331, do Decreto Estadual nº 44.844/08).
A ausência de fundamentação legal quanto ao valor da multa aplicada e exposição dos critérios de cálculo do valor implica em cerceamento do direito de defesa do autuado, pois impede a análise da legalidade da sanção, resultando na nulidade da autuação.
(TJ-MG – AC: 10000220422687001 MG, Relator: Renato Dresch, Data de Julgamento: 10/05/2022, Câmaras Cíveis / 7ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 13/05/2022)
VOTO
Trata-se de Apelação Cível interposta nos autos dos Embargos à Execução Fiscal ajuizados por AGROPECUÁRIA RESSACA S.A. em face do INSTITUTO ESTADUAL DE FLORESTAS, cuja pretensão inicial consiste na declaração de nulidade do auto de infração nº 19999/2010 e extinção da execução fiscal.
Por sentença (ordem 21) o Juiz da 2ª Vara da Comarca de Manga, julgou improcedentes os pedidos, nestes termos:
Ante o exposto e tudo mais que dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos iniciais, nos termos do art. 487, inciso I, do CPC.
Custas e honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) do valor dado à causa, pelo Embargante.
A embargante apelou e argumenta que opôs embargos à execução por entender não ser a responsável pelos danos ambientais que lhe foram imputados e por haver nulidades na certidão de dívida ativa, pois as únicas provas que existem nos autos para subsidiar o auto de infração é a ocorrência policial e o relatório do IEF (laudo técnico).
Por sua vez, discorre que o boletim de ocorrência foi lavrado com base no laudo técnico do IEF e a Polícia Militar informou que compareceu ao local e comprovou a veracidade dos fatos.
Afirma que a sentença se apega à presunção de veracidade dos atos da Polícia Militar e do IEF sem analisar os fatos que demonstram a fragilidade desses documentos, notadamente quanto à inexistência de prova do alegado arrendamento de terras pela apelante, fato que ligaria a apelante ao gado que provocou o alegado dano ambiental, embora seja fato incontroverso que o gado encontrado dentro da Fazenda Ressaca não pertence à apelante, conforme boletim de ocorrência.
Alega que a única veracidade que os Policiais puderam comprovar foi o fato de o gado estar naquele local e nenhum outro fato pode ser comprovado, até mesmo porque não havia nenhum representante da apelante na hora da lavratura da ocorrência.
Aduz que outro ponto que permanece sem explicação é o fato de os Policiais terem informado na ocorrência que o autor foi orientado a retirar o gado do interior do parque, mas o autor do fato no Boletim de Ocorrência é uma pessoa jurídica e a orientação somente poderia ser dada a uma pessoa natural, mas como não havia representante da apelante citado na ocorrência, fica a dúvida em relação a quem foi dada a orientação de retirar os animais.
Sustenta que o nexo de causalidade no BO, ou seja, o arrendamento, foi obtido por simples informação no laudo técnico do IEF, sem qualquer comprovação, cabendo indagar como o servidor do IEF obteve a informação de que a apelante estaria arrendando a área em questão, pois não há no processo administrativo um único documento ou um depoimento que comprove ou sustente a tese de que a apelante teria firmado um contrato de arrendamento, escrito ou verbal.
Sustenta, ainda, a nulidade da multa aplicada além do limite legal, uma vez que a Polícia Militar somente pode aplicar multas até o valor de R$ 100.000,00 (art. 28, Decreto Estadual nº 44.844/08) e a multa aplicada superou este valor, inexistindo, ainda, motivação quanto ao arbitramento da multa, o que impossibilita avaliar como a Polícia Militar chegou ao referido valor. Afirma que esses vícios implicam em nulidade da CDA.
Por fim, alega que não houve a desapropriação da Fazenda Ressaca e, portanto, a área na qual o gado estava não é parte do Parque Estadual Mata Seca, existindo somente o decreto que declarou a Fazenda Ressaca como área de interesse público para fins de desapropriação. Requer o provimento do recurso, para que a sentença seja reformada e seja desconstituído o crédito executado.
Contrarrazões apresentadas (ordem 42) pugnando pelo não provimento do recurso.
É o relatório.
Conheço do recurso, porque presentes os pressupostos para a sua admissibilidade.
Agropecuária Ressaca S.A. opôs embargos à execução fiscal em face do Instituto Estadual de Florestas, cujo objeto é a desconstituição do auto de infração nº 19999/2010 e extinção da execução fiscal.
Da nulidade do auto de infração
A apelante se insurge contra a multa administrativa ambiental aplicada pela Polícia Militar do Estado de Minas Gerais e sustenta a sua nulidade pela ausência de exposição dos fundamentos para a apuração do valor da multa simples, arbitrada em R$110.313,00.
O ato administrativo pode ser questionado judicialmente para discutir vícios na sua formação ou mesmo a existência do próprio fato, conforme leciona José Cretella Júnior, nos seguintes termos:
Se em qualquer operação administrativa, ocorre injustiça, inoportunidade, irrazoabilidade, inconveniência, nada pode fazer o Judiciário, mas se o defeito é formal, impõe-se a imediata correção. (Controle jurisdicional do ato administrativo. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 213).
A presunção de legalidade do ato administrativo é relativa e, portanto, prevalece até que seja impugnada em juízo, quando será possível a análise de vícios formais ou materiais, que não constituam o próprio mérito do ato administrativo.
De acordo com a doutrina de Cretella Júnior:
[…] o controle jurisdicional dos atos da Administração Pública incide só nos aspectos da ilegalidade e do abuso de poder das autoridades, ficando fora, totalmente, daquele controle o terreno do mérito do ato administrativo, imune à apreciação do Poder Judiciário, precisamente por tratar-se da discricionariedade administrativa, campo reservado à Administração, único juiz da oportunidade e da conveniência das medidas a serem tomadas, mas interdito a qualquer ingerência de outros Poderes. (Op. cit. p. 246.)
A análise da legalidade do ato administrativo deve recair, portanto, sobre os elementos que constituem o ato administrativo e não sobre o seu mérito.
Nesse sentido, Edmur Ferreira de Faria adverte:
Com a evolução do Direito e dos mecanismos de sua aplicação, verificou-se que discricionariedade é o poder e não o ato dele decorrente. Verificou-se, também, que o ato administrativo, independente de sua classificação, vincula-se aos seus elementos. O ato editado com a inobservância de um desses elementos nasce viciado. Daí a jurisprudência evoluir para admitir o controle jurisdicional mesmo dos atos chamados discricionários, desde que não adentrasse no mérito, pois é nele que reside a essência da discricionariedade. (Controle do Mérito do Ato Administrativo pelo Judiciário. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011.p.215)
Assim, somente os aspectos restritos à discricionariedade do ato administrativo encontram-se fora da análise de sua legalidade pelo Poder Judiciário.
No caso em análise, a apelante foi autuada em 08/06/2010, com fundamento no art. 86, item 331, do Decreto Estadual nº 44.844/08, vigente à época em que ocorreu a autuação:
Art. 86 – Constituem infrações às normas previstas na Lei nº 14.309, de 2002, as tipificadas no Anexo III deste Decreto.
Código da infração 331. Descrição da infração: Causar dano direto ou indireto em unidades de conservação. Classificação: Gravíssima Incidência da pena. Por hectare ou fração. Penalidades: Multa simples ou diária, se o dano persistir.
Outras cominações: -Suspensão da atividade, Apreensão dos aparelhos, equipamentos e objetos utilizados na infração. -Apreensão e perda dos produtos obtidos com a infração. -Reparação do dano -Reposição florestal
Observações: O dano deverá estar relatado em laudo técnico.
Conforme informação contida no Auto de Infração nº 19999/2010 (ordem 5, p. 29/31), a apelante foi autuada por “causar dano indireto em unidade de conservação no Parque Estadual Mata Seca, em uma área de 100 (cem) hectares”, com a observação que estaria “criando gado dentro da unidade de conservação, conforme laudo técnico”.
Em razão da infração a PMMG aplicou multa simples no valor de R$110.313,00, mas não há informações no auto de infração quanto ao método utilizado para o arbitramento da multa, assim como a fundamentação legal.
Não há no auto de infração qualquer informação do critério que resultou na aplicação da multa no valor de R$110.313,00, o que impede a verificação da legalidade de sua aplicação.
Pelo código da infração informado no auto de infração, correspondente ao item 331 do Anexo III do Decreto Estadual nº 44.844/08, é possível extrair que se trata de infração tipificada como “Causar dano direto ou indireto em unidades de conservação”, de natureza “gravíssima”, punível com “multa simples” incidente “por hectare ou fração”.
Ocorre que o valor da multa deve observar os critérios objetivos traçados na lei, com a exposição dos fundamentos que resultaram no valor final, como o valor por hectare aplicado e a incidência de agravantes ou atenuantes que resultou no valor final de R$110.313,00.
A ausência de fundamentação legal quanto ao valor da multa aplicada e da exposição dos critérios de cálculo do valor implica em cerceamento do direito de defesa do autuado, pois impede a análise da legalidade da sanção, resultando na nulidade da autuação.
Já me pronunciei anteriormente nesse sentido, conforme se extrai do seguinte julgado:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – MULTA AMBIENTAL – AUTO DE INFRAÇÃO – NOTIFICAÇÃO – CORRESPONDÊNCIA – ENDEREÇO DO AUTUADO – MULTA SIMPLES – MAJORAÇÃO – MOTIVAÇÃO – AUSÊNCIA.
É válida a notificação do autuado mediante correspondência entregue em seu endereço, pois a notificação por via postal não depende do recebimento pessoal do interessado.
A aplicação de multa por infração ambiental em valor que supere o mínimo legal deve ser fundamentada, de modo que seja possível ao administrado compreender os motivos que ensejaram a aplicação da sanção de forma majorada e exercer seu direito de defesa. (TJMG – Apelação Cível 1.0000.20.540022-9/001, Relator (a): Des.(a) Renato Dresch , 4ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 11/02/2021, publicação da sumula em 12/ 02/ 2021)
Há vício procedimental no caso em julgamento. Assim, deve ser declarada a nulidade da autuação, pela ausência de exposição dos fundamentos para o arbitramento da multa ambiental.
Diante do exposto, dou provimento ao recurso, para reformar a sentença e julgar procedentes os embargos à execução fiscal, com a consequente anulação da CDA e extinção da execução.
Condeno o Instituto Estadual de Florestas ao ressarcimento das custas processuais adiantadas pela apelante e ao pagamento dos honorários de sucumbência, que fixo em 13% do valor atualizado da execução fiscal, já considerada a sucumbência recursal.