O artigo 25 da Lei 9.605/1998 estabelece, como efeito imediato da infração, a apreensão dos bens e instrumentos utilizados na prática do ilícito ambiental.
Ocorre que a apreensão e o confisco de instrumento vinculado à prática de crime ambiental (ou infração administrativa) que trata o dispositivo supracitado, não se revelam como medidas absolutas e indiscutíveis, de sorte que devem sempre ser aferida a propriedade do bem e seu uso específico ou não com a infração, ou seja, deve ser interpretado com observância às peculiaridades específicas do caso concreto.
Como se sabe, a apreensão de bens utilizados na prática de infração ambiental é prevista como sendo uma espécie de sanção e que pode ser aplicada cautelarmente, nos termos do que dispõe a Lei 9.605/98 e decorre do ato infracional cometido:
Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º: […]
IV – apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração;
Assim também prevê o Decreto 6.514/08:
Art. 3º As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções: […]
IV – apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora e demais produtos e subprodutos objeto da infração, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração;
Art. 102. Os animais, produtos, subprodutos, instrumentos, petrechos, veículos de qualquer natureza referidos no inciso IV do art. 72 da Lei no 9.605, de 1998, serão objeto da apreensão de que trata o inciso I do art. 101, salvo impossibilidade justificada
Entretanto, a apreensão e consequente pena de perdimento dos instrumentos utilizados na prática do ilícito administrativo ambiental só pode alcançar, evidentemente, os bens daqueles que tenham concorrido para o ilícito ambiental.
É que não se pode admitir que sanções administrativas atinjam a esfera de direitos de terceiros de boa-fé, que não têm qualquer responsabilidade pelo fato que deu origem à infração ambiental.
Ora. Se o terceiro de boa-fé não participou da infração tampouco do processo administrativo referente a ilícito ambiental referente ao fato, não pode ficar sujeito às sanções de apreensão e eventual perdimento decorrentes do procedimento.
Índice
Possibilidade de devolução de bens apreendidos em infração ambiental
Nada dispondo a Lei Ambiental quanto à restituição de bens apreendidos, é certo que tal medida se encontra submetida, por analogia, ao disciplinamento procedimental dos artigos 118 e seguintes do Código de Processo Penal, devendo o julgador avaliar, à luz de um juízo de razoabilidade, a pertinência da devolução em cada caso.
Extrai-se do referido diploma normativo que a restituição de coisas apreendidas é possível quando demonstrada: a propriedade do bem (art. 120, CPP); a ausência de interesse na manutenção da apreensão para o deslinde do inquérito policial ou da ação penal (art. 118, CPP) e a não sujeição do bem à pena de perdimento (art. 91, II, CP).
Demais disso, o artigo 119 do CPP prevê expressamente que os bens apreendidos poderão ser restituídos se “pertencerem a terceiro de boa-fé”.
Então, a priori, o bem apreendido durante a prática de infração ao meio ambiente, quando comprovadamente pertencente a terceiro de boa-fé, sem imprescindibilidade para a apuração da infração, pode ser devolvido, desde que demonstrada à boa-fé de seu proprietário.
Isso porque as penalidades administrativas não podem alcançar quem não tenha causado ou mesmo concorrido para praticar o dano ao meio ambiente, não podendo, portanto, haver punição a terceiro, quando não ficar comprovado o nexo causal entre sua conduta e o dano.
Ora. Inexistindo comprovação de que o proprietário do bem tenha praticado ou, de qualquer forma, contribuído para a ocorrência da infração, tampouco que tenha se beneficiado com a infração ambiental, cediço que ele não merece sofrer nenhum tipo de penalização.
Assim, em casos que se impõe a pena de perdimento, dado os seus reflexos diretos a terceiro não participante do processo administrativo, a medida torna-se desproporcional e excessiva quando o bem pertence a terceiro de boa-fé. É o que apregoa Vladimir Passos de Freitas[1]:
“Entre a falta cometida pelo infrator e a sanção imposta pelo Estado, deve haver uma relação de proporcionalidade, observando-se a gravidade da lesão, suas consequências, o dolo com que tenha agido o autor e as demais peculiaridades do caso. Não tem sentido, assim, para um fato de reduzida significância, impor uma reprimenda de extrema severidade que, por vezes, poderá ter um efeito altamente nocivo”.
Todavia, quando presente a presunção de boa-fé do proprietário do bem que não concorreu para a infração ambiental, e o bem utilizado na infração não é exclusivamente para prática de ilícitos ambientais, deve-se relativizar a apreensão e consequente pena de perdimento.
Desse modo, a aplicação da penalidade de apreensão do bem e perdimento se mostra desproporcional e falta razoabilidade, sobretudo quando superar em muito o próprio valor da multa ambiental aplicada.
Conclusão
Com efeito, a apreensão e o confisco de instrumento vinculado à prática de crime ambiental, a que cuida o artigo 25, § 4º, da Lei 9.605/98, art. 3º, IV e art. 102 do Decreto 6.514/08, não traduz iniciativa absoluta e indiscutível, de sorte que a providência deve, sempre e sempre, ser aferida com base no princípio da proporcionalidade entre a perda do bem e o dano ambiental causado.
Ademais, não dispondo a Lei Ambiental quanto à restituição de bens apreendidos, é certo que tal medida, nos casos do artigo supramencionado, encontra-se submetida ao disciplinamento procedimental dos artigos 118 e seguintes do Código de Processo Penal, devendo o julgador avaliar, à luz de um juízo de razoabilidade, a pertinência da devolução em cada caso concreto.
Outrossim, tem-se que se os bens pertencentes a terceiro de boa-fé, não se afigura razoável a sua apreensão porque inexorável os prejuízos suportados pelo real proprietário que não participou nem concorreu para a consecução da infração ambiental, além de estar impedido de fazer uso dos bens, sofrendo, inclusive, a deterioração dos bens pela falta de manutenção e exposição ao desgaste natural.
Além disso, ao fim e ao cabo, o Estado não logra nos casos de apreensão de bens considerável vantagem com a venda de bem depreciado, afigurando-se, pois, factível a restituição ao legítimo proprietário que não participou da infração ambiental.
Em resumo, tratando-se de terceiro de boa-fé que nada tem a ver com a prática da infração ambiental, não há motivos para se aplicar a pena de perdimento, sendo de rigor sua devolução ao proprietário que não concorreu para a infração.
[1] FREITAS, Vladimir Passos de, Direito Administrativo e Meio Ambiente, 4ª ed., Juruá Editora, Curitiba, 2010, p. 152.
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É, mas ainda que eu concorde com a tese, o radicalismo ambiental sempre está dando um jeitinho, como o do 1.820.640 , originando a Súmula 685.