Não há justificativas para a lavrar auto de infração ambiental quando ausente o nexo de causalidade entre a conduta que se está imputando ao infrator e a alegada infração ensejadora de danos ao meio ambiente.
A infração administrativa ambiental, a teor do art. 70, caput, da Lei Federal 9.605/1998, é “toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente”.
Assim, os “pressupostos para a configuração da responsabilidade administrativa podem ser sintetizados na fórmula conduta ilícita, considerada como qualquer comportamento contrário ao ordenamento jurídico.”[1]
No entanto, não se pode imputar a conduta referente a supressão de vegetação nativa ou desmatamento sem autorização do órgão ambiental, quando inexiste a conduta indicada no auto de infração ambiental, cuja natureza se enquadra em ato administrativo sancionador.
Isto é, não sendo o suposto infrator o proprietário da área à época da supressão de vegetação nativa ou desmatamento, não se pode afirmar que o aludido infrator praticou qualquer conduta comissiva ou omissiva, direta ou indiretamente, com culpa e muito menos com dolo, que pudesse ser caracterizada como supressão ou desmatamento.
A propósito, a simples formalização da transferência da propriedade, , ou seja, a compra e venda da área degradada, impede a responsabilidade administrativa por infração ambiental.
Se o suposto infrator proceder nos exatos termos da legislação em vigor, não há que se falar em conduta ilícita ou comportamento em desacordo com as normas vigentes, requisito basilar para a caracterização da responsabilidade administrativa.
Sendo certo que a responsabilização administrativa é absolutamente pessoal e subjetiva, não pode o órgão administrativo ambiental punir uma pessoa por conduta de outra, nem mesmo punir sem que seja demonstrado o dolo ou a culpa do Administrado.
Índice
1. Responsabilidade administrativa ambiental é subjetiva
Em verdadeira lição sobre a diferenciação entre responsabilidade civil e a administrativa, o Superior Tribunal de Justiça, afirmando o caráter subjetivo e pessoal dessa última, assim decidiu:
AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL. MULTA APLICADA ADMINISTRATIVAMENTE EM RAZÃO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL. EXECUÇÃO FISCAL AJUIZADA EM FACE DO ADQUIRENTE DA PROPRIEDADE. ILEGITIMIDADE PASSIVA. MULTA COMO PENALIDADE ADMINISTRATIVA, DIFERENTE DA OBRIGAÇÃO CIVIL DE REPARAR O DANO. […]
Isso porque a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano.
A diferença entre os dois âmbitos de punição e suas consequências fica bem estampada da leitura do art. 14, § 1º, da Lei 6.938/81, segundo o qual “[s]em obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo [entre elas, frise-se, a multa], é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”.
O art. 14, caput, também é claro: “[…]em prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: […]”.
Em resumo: a aplicação e a execução das penas limitam-se aos transgressores; a reparação ambiental, de cunho civil, a seu turno, pode abranger todos os poluidores, a quem a própria legislação define como “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental” (art. 3º, inc. V, do mesmo diploma normativo).
2. Jurisprudência sobre responsabilidade administrativa ambiental
A responsabilidade administrativa somente deve ser atribuída ao infrator quando a atividade ou conduta, mesmo que omissiva, seja a causa da violação ao preceito legal, que esteja devidamente comprovada, conforme jurisprudência pacífica:
ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. PESCA. UTILIZAÇÃO DE MÉTODO NÃO PERMITIDO. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA AMBIENTAL. NATUREZA SUBJETIVA.
Conquanto o autor seja representante legal e sócio da empresa proprietária da embarcação utilizada para a prática do ilícito, à época, esta estava arrendada para terceiros e a conduta irregular flagrada pelos fiscais do IBAMA não foi cometida por ele.
Nessa perspectiva, não pode ser responsabilizado pessoalmente pela infração, porque:
(1) ao contrário da responsabilidade civil pelo dano ambiental, a responsabilidade administrativa (infração) é subjetiva, exigindo-se a comprovação de dolo ou culpa para sua configuração;
(2) de acordo com a cláusula 6ª do contrato de arrendamento, devidamente registrado na Delegacia dos Portos de Itajaí, a empresa proprietária da embarcação não era responsável pelo seu uso indevido, cabendo aos arrendatários arcar com os prejuízos decorrentes de sua conduta;
(3) ainda que existam laços familiares entre o representante legal da empresa arrendante e os arrendatários, não se pode simplesmente presumir que aquele possuía influência direta sobre estes ou que as empresas se confundem, seus sócios são praticamente os mesmos e, portanto, fazem parte do mesmo grupo econômico, por ausência de elementos concretos que amparem tais ilações, e
(4) não há prova consistente de que os infratores agiram em nome e a mando do autor ou da empresa, sendo insuficiente, para a imputação do ilícito, a circunstância de pertencerem ao mesmo grupo familiar.
(TRF-4 – AC: 50089175320154047208 SC 5008917-53.2015.4.04.7208, Relator: VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Data de Julgamento: 27/03/2019, QUARTA TURMA)
3. Conclusão
Note-se que a obrigação civil de reparar o dano ambiental é propter rem, porque, a própria lei já define como poluidor todo aquele que seja responsável pela degradação ambiental – e aquele que, adquirindo a propriedade, não reverte o dano ambiental, ainda que não causado por ele, já seria um responsável indireto por degradação ambiental.
Contudo, o fato é que o uso do vocábulo “transgressores” no caput do art. 14, comparado à utilização da palavra “poluidor” no § 1º do mesmo dispositivo, acarreta no reconhecimento de que a responsabilidade civil por dano ambiental é subjetivamente mais abrangente do que as responsabilidades administrativa e penal.
Sendo assim, não se admite que terceiros sejam autuados ou réus em crimes ambientais a título objetivo por ofensas ambientais praticadas por outrem.
Vale destacar, que para lavrar um auto de infração ambiental, exige-se a presença do elemento subjetivo de dolo ou negligência (culpa), não bastando a mera vinculação do agente ao fato caracterizado como infração, como ocorre na responsabilização objetiva.
Portanto, a responsabilidade administrativa ambiental é subjetiva e exclusiva do infrator, isto é, somente quem deu causa à supressão de vegetação nativa ou desmatamento é que pode ser autuado por infração ambiental.
Logo, uma vez ausentes os pressupostos da responsabilidade administrativa do atual proprietário, inexiste infração ambiental, subsistindo, porém, a responsabilidade civil de reparar o dano causado pelo proprietário anterior, mas jamais, a responsabilidade para responder a um auto de infração ambiental.