É possível substituir o pedido de demolição de casas e demais edificações localizadas em área de preservação permanente pelo pagamento de indenização por dano ambiental
Ações civis públicas propostas com o objetivo de demolir edificações e recuperar o meio ambiente pela prática de dano ambiental, bem como condenar os particulares ao pagamento de indenização pecuniária espraiam-se aos montes pelo país.
Ocorre que muitas vezes, a demolição de edificações isoladas é medida inútil para fins de recuperação ambiental, considerando que a retirada delas de forma seletiva em um ambiente ocupado há muito tempo não trará benefícios ao meio ambiente.
Muito embora deva-se proteger o meio ambiente, tratando-se de direito ambiental os pedidos de demolição de edificações devem ser interpretados em consonância com o texto constitucional tanto quanto à adequada e efetiva proteção ao meio ambiente quanto aos direitos de moradia e dignidade da pessoa humana, sobretudo quando se tratar de área urbana consolidada.
As Áreas Urbanas Consolidadas são aquelas onde existe robusta e definitiva intervenção humana, e que, através de uma série de critérios previstos em lei, são reconhecidas como áreas onde a existência da cidade já está consolidada, mesmo que estejam localizadas em áreas de preservação permanente (APP), seja estas de margens de córregos, rios, lagoas, restingas, etc.
Apesar da crescente conscientização sobre a questão ambiental, nos locais em que houver ocupação consolidada, não há razão para dar procedência a pedidos de demolição e recuperação da área, sendo caso, portanto, de substituição dessa drástica medida pelo pagamento de indenização por dano ambiental.
Índice
Responsabilidade Cível Ambiental
Importante fazer alguns apontamentos sobre a proteção do meio ambiente e a responsabilidade cível ambiental, muito bem delineada pela doutrina de Edis Milaré[1]:
“O reconhecimento do direito a um meio ambiente sadio configura-se, na verdade, como uma extensão do direito à vida, quer sob o enfoque da própria existência física e saúde dos seres humanos, quer quanto ao aspecto da dignidade dessa existência – a qualidade de vida-, que faz com que valha a pena viver. […] Sem dúvida, o princípio transcendental de todo o ordenamento jurídico ambiental, ostentando o status de verdadeira cláusula pétrea”.
O princípio do meio ambiente equilibrado está constitucionalmente resguardado no art. 225 da CRFB/88. O mesmo dispositivo consagra também o princípio do poluidor pagador, sendo ambos, juntamente com o princípio da reparação integral, conjunto principiológico a nortear toda a legislação subjacente e a interpretação a ser conferida às normas.
Assim, a responsabilidade civil pelo dano ambiental é objetiva, tendo como pressuposto a existência de uma atividade que implique riscos, seja à saúde humana, seja para o meio ambiente, consoante disciplinado no art. 225, §3º, da CRFB/88 e art. 14, §1º, da Lei nº 6.938/81:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. […]
§3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
Art 14 – Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:
§1º – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.
De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ, no caso de dano ambiental, a responsabilidade do dano é objetiva e deve ser adotada a teoria do risco integral, na qual não é possível alegar nenhuma excludente da responsabilidade, devendo o degradador ser responsabilizado em decorrência do princípio do poluidor-pagador.
Vale lembrar, ainda, que as obrigações em matéria ambiental são de natureza propter rem: ou seja, constatada a degradação ambiental ou a infringência às normas protetivas do meio ambiente, configurada está a responsabilidade do novo adquirente, porquanto a obrigação adere ao título e se transfere ao novo proprietário.
Além disso, o Superior Tribunal de Justiça – STJ também já decidiu que, diante da comprovação da ocorrência de dano ambiental, caso haja necessidade da adoção de certos procedimentos visando à integral recuperação da área degradada, a despeito da ocorrência de recuperação natural, não se exime de responsabilidade o degradador do meio ambiente, sendo admissível a cumulação de obrigação de fazer e eventual indenização pelo dano ainda remanescente. (REsp nº 904.324/RS, 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJe 27/05/2009).
Dito de outra forma, verificada a lesão ao meio ambiente, sua reconstrução às condições originais é adequada à vocação do Direito Ambiental, que prioriza medidas preventivas, reparatórias e compensatórias.
Por outro lado, ainda que possível a cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar pelas agressões ao meio ambiente, a indenização em dinheiro pelo dano ambiental deve ter lugar quando comprovada a inviabilidade técnica de recomposição da área e o retorno ao status quo ante, sobretudo quando ausente a função ecológica da área.
Ausência de função ecológica afasta a demolição
Com efeito, é na função ecológica da área que se fundamenta a aplicação da Lei, conforme se extrai do art. 3º, II, do Código Florestal de 2012:
Art. 3º. Área de Preservação permanente – APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.
Acerca desse dispositivo, Yara Maria Gomide Gouvêa[2] comenta:
“Não se está abordando aqui os casos em que, demolida uma obra específica e irregular, ou impedida a ocupação daquele espaço, há a possibilidade do cumprimento ou da recuperação da função ambiental da APP, mas dos casos em que a inviabilidade do uso daquela área, ou a eventual exigência de demolição decorrem exclusivamente da aplicação literal de uma condição prevista no Código Florestal, sem qualquer consideração para com a possibilidade, ainda que remota, dela cumprir a função ambiental estabelecida na mesma lei, em decorrência de situações já consolidadas por outras ocupações, pelas quais seu proprietário não pode responder. […] Ressalte-se que não consideração da área como APP quando da aplicação da norma, caso ocorra, deve se constituir em hipótese a ser constatada de forma inequívoca no caso concreto, e este entendimento deve ser cercado de todas as cautelas, do estabelecimento de critérios e da comprovação, pelo proprietário, da impossibilidade do cumprimento da função ambiental prevista para a APP”.
Em resumo, afasta-se a demolição quando dessa medida não resultar qualquer benefício ambiental a justificar a restrição imposta pelo Código Florestal, sobretudo em razão de se tratar de imóvel urbano com edificação localizada em local densamente ocupado na localidade.
Entretanto, ficando comprovada a ocorrência de dano ambiental, mesmo que há décadas, a demolição deve ser substituída pelo pagamento de indenização em pecúnia.
Conclusão
Ainda que a responsabilidade cível por dano ambiental decorrente de construção irregular em área de preservação permanente – APP seja objetiva, defendemos possível substituir a demolição pelo pagamento de indenização, sempre que a demolição da construção e a sua retirada não trouxerem os benefícios pretendidos ao meio ambiente, já intensamente ocupado.
Embora a desocupação e demolição de edificações possa permitir a recuperação do meio ambiente e sua restauração, a presença de outras edificações no entorno que se pretende recuperar não traria benefício ecológico que justifique a retirada da edificação e a recuperação da área.
Surge, então, o questionamento acerca da finalidade ou utilidade de uma reparação incapaz de restaurar o equilíbrio ecológico do ecossistema que se pretende preservar ou ao menos dos seus atributos essenciais mínimos.
A manutenção ou restauração de uma área de preservação permanente urbana, como limitação ao direito de propriedade, somente se justifica pelo benefício ecológico ou ambiental que ela representa ou possa vir a representar.
A fim de equacionar o problema da urbanização da área e a responsabilização por eventual dano ambiental, cabível a reparação por meio de medidas compensatórias, substituindo a demolição pelo pagamento de indenização…
[1] Edis Milaré. Direito do Ambiente: a gestão ambiental em foco:doutrina, jurisprudência, glossário. 7ª Ed. rev. atual. e reform. – são Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. pgs. 1065-1066.
[2] Yara Maria Gomide Gouvêa. Novo Código Florestal , Coord. Édis Milaré e Paulo Affonso Leme Machado, Ed. RT, 2012, pp.67-68.
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Excelente conteúdo