O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública contra os réus requerendo sua condenação na obrigação de fazer consubstanciada na demolição da edificação erigida e reparação dos danos ambientais provocados na área do empreendimento, mediante adoção de Projeto de Recuperação de Área Degradada – PRAD, a ser submetido à aprovação técnica do IBAMA.
Também requereu a condenação dos réus ao pagamento de indenização pelos danos ambientais já causados, em quantia a ser estabelecida por perícia técnica, que seria revertida ao Fundo Nacional do Meio Ambiente, na forma do artigo 13 da Lei nº 7.347/85.
Após a instrução processual, os advogados dos réus contestação a ação civil pública e comprovaram que a construção era muito antiga, situada em área antropizada, e inexistência de vegetação de restinga ou dunas no local, evidenciando-se que a área não é de preservação permanente.
A defesa também comprovou que a área controvertida não era de preservação permanente, pois já existia antropização antes do Código Florestal de 1965. Assim, tal diploma legal não poderia jamais retroagir, sob pena de ofensa ao Princípio da Segurança Jurídica, previsto no artigo 5º, inciso XXXVI da Carta Magna.
Além disso, foi realizado no passado aterro em razão de obra pública da rodovia SC 406, o que evidencia o interesse público na manutenção e constitui exceção legal prevista no próprio Código Florestal de 1965.
Deste modo, o pedido de demolição, recuperação ambiental da área e pagamento de indenização foi julgado improcedente em primeira instância. O MPF recorreu da sentença, mas a decisão foi mantida.
EMENTA
AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ÁREA CONTROVERTIDA QUE NÃO SE ENQUADRA COMO DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. ANTROPIZAÇÃO EXISTENTE ANTES DO CÓDIGO FLORESTAL DE 1965. IRRETROATIVIDADE DA LEI. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES A TÍTULO DE ADIANTAMENTO DAS DESPESAS PERICIAIS QUE FICA A CARGO DA UNIÃO. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA DESPROVIDA. APELAÇÃO DOS RÉUS PROVIDA.
(TRF-4 – AC: 50019224820154047200 SC 5001922-48.2015.4.04.7200, Relator: CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, Data de Julgamento: 21/08/2019, QUARTA TURMA)
RELATÓRIO
Esta apelação ataca sentença proferida em ação civil pública proposta pela Ministério Público Federal. A sentença julgou improcedente a ação (Evento 139 do processo de origem).
Os embargos declaratórios foram acolhidos em parte (Evento 155 do do processo de origem), para esclarecer que não cabe a condenação da parte autora à devolução do valor adiantado a título de honorários periciais, pois não ficou demonstrada a má-fé por parte do Ministério Público Federal. Apelam as partes autora e ré.
O Ministério Público Federal reitera a tese sustentada na inicial e pede o acolhimento dos pedidos. Reporta-se às provas produzidas em juízo. Destaca a tutela do meio ambiente e a necessidade de observância dos princípios da prevenção e da precaução; da proteção da Zona Costeira; e da salvaguarda das áreas de preservação permanente.
O apelo da parte ré é para fim de devolução, pela parte autora, dos valores adiantados no bojo da ação civil pública.
O parecer do Ministério Público Federal foi pela improcedência da ação civil pública. Houve contrarrazões. O processo foi incluído em pauta.
É o relatório.
VOTO
Examinando os autos e as alegações das partes, fico convencido do acerto da sentença de improcedência da ação civil pública, que transcrevo e adoto como razão de decidir, a saber:
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ajuzou a presente ação civil pública contra […], com o objetivo de condenar os réus, em caráter solidário: a) na obrigação de fazer consubstanciada na demolição da edificação erigida e reparação dos danos ambientais provocados na área do respectivo empreendimento, mediante adoção de Projeto de Recuperação de Área Degradada – PRAD, a ser submetido à aprovação técnica do IBAMA, b) no pagamento de indenização pelos danos ambientais já causados, em quantia a ser estabelecida por perícia técnica, a ser revertida ao Fundo Nacional do Meio Ambiente, na forma do artigo 13 da Lei nº 7.347/85.
Afirma que em outubro de 2001 instaurou procedimento administrativo com a finalidade de apurar possíveis danos ambientais provocados pelo estabelecimento denonominado “Restaurante Tropical”, localizado em terras de marinha, na Praia do Morro das Pedras, em decorrência da informação de lançamento de resíduos líquidos (esgoto) do restaurante em direção à praia e construção da edificação sobre área de preservação permanente. Refere que a Floram, em vistoria datada de 26/12/2001, constatou que o “Restaurante Tropical” está localizado em terreno de marinha, sobre local de ocorrência de vegetação fixadora de dunas (restinga). Salienta que, na oportunidade, caracterizou o local como área de preservação permanente, constatando a supressão de vegetação de restinga para a instalação dos equipamentos do restaurante (fls. 151 a 152). Juntou documentos.
Indeferido o pedido liminar, os réus foram citados e contestaram. Afirmaram que em 1931, o casal Campolino Vitorino Martins e Alzira Maria Martins, conhecida como Dona Noca, mudaram-se do Ribeirão da Ilha para sua casa recém construída no Morro das Pedras. Refere que, onde hoje funciona o Restaurante Tropical, também foi edificado um depósito onde se armazenava café e uma pequena venda, em que se comercializavam produtos diversos. Aduz que, com a morte do casal, o filho Vitor Campolino Martins permaneceu residindo e explorando comércio no local, até a venda do imóvel aos réus. Salienta que em 1968, o Sr. Victor efetuou a inscrição junto ao Serviço do Patrimônio da União, visando cadastrar as terras que já pertenciam a seus familiares há 37 anos. Informa que no final do ano de 1982 decidiu então vender dito imóvel aos Srs. Joel e Josué Silva, posteriormente registrada no Patrimônio da União, sendo que apenas efetuaram refromas necessárias e emergenciais e que ali permaneceram explorando a atividade de bar e restaurante. Ressalta que em função das obras para construção da rodovia RS 406, no final da década de 70, muitos terrenos foram parcialmente aterrados para que houvesse nivelamento junto à estrada. Refere que os muros de contenção existentes no ímóvel datam da época da construção da rodovia, ou seja, no final dos anos 70 e foram construídos para conter a erosão que era causada na época pelo novo perfil topográfico da Rodovia, sendo necessária a canalização de toda a rede pluvial para a vala que passava em área limite ao terreno dos réus. Salienta que as fotos anexadas datam do ano de 1983, ano da aquisição do ímóvel e lá se constata que já existia no local os muros de contenção, o Restaurante, que à época se chamava “Farol”, foi obtido com pequena reforma e pintura na casa já existente. Aduz que nenhum aterramento ou remoção de vegetação foi feito depois da posse dos réus, conforme demonstram as citadas fotografias. Refere que a única alteração de fato advinda no imóvel desde então foi o fechamento da área da varanda frontal ao restaurante, que antes era aberta. Ainda menciona que em setembro de 1983, visando prevenir o desmoronamento de pequena área lateral do restuarante, solicitaram os réus a permissão ao Ministério da Marinha, através da Capitania dos Portos do Estado de Santa Catarina, autorização para construção de pequeno muro, que restou deferida por aquele órgão. Sustentou que os fatos narrados na inicial e imputados aos réus não tem qualquer procedência, visot que ocorridos há mais de trinta anos, quando ainda não havia vigente no país qualquer lei ou plano diretor que tratasse da preservação ambiental ou proibisse as obras de contenção, que foram elaboradas em decorrência de obras da construção da Rodovia SC 406. Suscitou preliminar de mérito de prescrição. Arguiu preliminar de ilegitimdade passiva. Juntou documentos.
Houve réplica.
O processo foi extinto sem julgamento de mérito em face da falta de interesse de agir.
Interposta apelação, foram apresentadas contra razões.
Dado provimento ao recurso do Ministério Público Federal, os autos retornaram.
Designada audiência de conciliação, foi deferido prazo para consulta junto à Prefeitura.
Determinada a realização de prova pericial, as partes apresentaram quesitos.
Nomeado perito, foi confeccionado laudo pericial.
As partes impugnaram o laudo pericial.
O perito apresentou manifestação e disse que não teria condições de complementar o laudo pericial.
Nomeado novo perito, foi digitalizado o processo físico.
Apresentados novos quesitos, foram depositados os honorários periciais.
Confeccionado o novo laudo pericial, as partes se manifestaram sobre o laudo pericial.
Designada audiência de conciliação, foi concedido prazo para apresentação de proposta de acordo.
Apresentada proposta de acordo, o Ministério Público Federal manifestou-se pela impossibilidade da aceitação.
Foi designada audiência para a oitiva de testemunhas.
Realizada a audiência, foram ouvidas testemunhas arroladas pelos réus.
As partes apresentaram alegações finais.
Os autos foram conclusos para sentença.
É o relatório.
Passo a fundamentar e decidir.
A preliminar de ilegitimidade passiva dos réus deve ser rejeitada. Apesar de não terem sido os réus os primeiros construtores ou ocupantes do local, hoje se mantém ocupando a área que seria supostamente de preservação permanente. Assim, a responsabilidade ambiental é propter rem, em razão da coisa. Assim, os atuais proprietários são responsáveis por eventual e futura obrigação de recuperar a área degradada, como já entendeu a Jurisprudência:
.EMEN: PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. INFRAÇÃO AO MEIO AMBIENTE. NATUREZA PROPTER REM DA OBRIGAÇÃO DE REPARAÇÃO DO DANO. ATUAL PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. RECONHECIMENTO. 1. O Plenário do STJ decidiu que “aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça” (Enunciado Administrativo n. 2). 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica em reconhecer que “a responsabilidade civil pela reparação dos danos ambientais adere à propriedade, como obrigação propter rem, sendo possível cobrar também do atual proprietário condutas derivadas de danos provocados pelos proprietários antigos” (REsp 1622512/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/09/2016, DJe 11/10/2016). 3. Independentemente de não se poder constatar quem foi o autor do dano ambiental, sua reparação adere à propriedade como obrigatio propter rem, o que legitima o IBAMA a responsabilizar o atual proprietário pela conduta dos anteriores, no esteio da jurisprudência desta Corte. 4. A Primeira Turma tem reconhecido o caráter manifestamente inadmissível ou improcedente do agravo interno, a ensejar a aplicação de sanção prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015, quando a decisão agravada está fundamentada em precedente julgado sob o regime da repercussão geral, sob o rito dos recursos repetitivos ou com base em jurisprudência pacífica de ambas as Turmas da 1ª Seção. 5. Agravo interno desprovido, com aplicação de multa. ..EMEN:
(AINTARESP 201202604280, GURGEL DE FARIA – PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:08/03/2018 ..DTPB:.)
Quanto à alegação de prescrição, também não merece subsistir, já que não há previsão legal para a prescrição em matéria ambiental. Com efeito, a obrigação de recuperação ambiental é imprescritível, pois são relações de caráter continuado, em que o dano ambiental se renova dia a dia. Cito o seguinte precedente:
..EMEN: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. IMPRESCRITIBILIDADE DA AÇÃO. ACEITAÇÃO DE MEDIDA REPARATÓRIA. REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. CONTROVÉRSIA NÃO DESLINDADA PELA ORIGEM. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. INEXISTÊNCIA DE IDENTIDADE FÁTICA E JURÍDICA. DA IMPOSSIBILIDADE DE INOVAÇÃO DE FUNDAMENTOS QUE NÃO FORAM OBJETO DE ANÁLISE PELA CORTE A QUO. 1. Trata-se de Ação Civil Pública que visa não só discutir a obrigação de reparação do dano, mas a de não degradação de área de preservação. O pedido inicial abrange não só a cessação dos atos, mas a elaboração de plano de recuperação e sua execução, após a demolição do empreendimento existente no imóvel situado à área de proteção. 2. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que as infrações ao meio ambiente são de caráter continuado, motivo pelo qual as ações de pretensão de cessação dos danos ambientais são imprescritíveis. 3. A controvérsia relativa à efetiva reparação do dano, consubstanciada na aceitação de medida reparatória, não se deduz, ao menos da análise perfunctória dos julgados originários. Conferir interpretação diversa exigiria a incursão no universo fático-probatório, vedada ante ao óbice trazido pela Súmula 7 deste Superior Tribunal de Justiça e implicaria contraditar o relatado pela Corte originária. 4. O destrame realizado pelo Tribunal de origem ficou restrito ao tema prescrição, As demais questões ficam para exame futuro, uma vez que exigem ampla e aprofundada análise de fatos e provas, sob pena de indevida supressão de instância. Nesse contexto, ainda que não incidente o óbice acima enunciado, seria de rigor o não conhecimento do recurso especial neste ponto, por ausência de prequestionamento. 5. Ausente similitude fática que demonstre a divergência jurisprudencial invocada. 6. A apresentação de novos fundamentos para reforçar a tese trazida no recurso especial representa inovação, vedada no âmbito do agravo regimental. 7. Matérias que não foram objeto de análise no Tribunal a quo encontram empeço de avaliação nesta Corte, por ausência de prequestionamento. Agravo regimental improvido. ..EMEN:
(AGRESP 201302654583, HUMBERTO MARTINS – SEGUNDA TURMA, DJE DATA:17/11/2014 ..DTPB:.)
Quanto ao mérito, é necessário analisar com detalhes o laudo pericial.
O primeiro perito apresentou laudo impreciso e incompleto.
Já o segundo perito pode esclarecer melhor a controvérsia.
O restaurante controvertido encontra-se em área aterrada há muitos anos, em razão da construção da rodovia SC 406.
No que quesito 13 do laudo do evento 70, laudo1, o perito esclarece que a área encontra-se totalmente antropizada:
“13. Como pode ser caracterizada a vegetação natural ocorrência da área ou de seu entorno imediato segundo as resoluções CONAMA 10/93, 261/99 e 417/99?
Resposta: A área litigiosa encontra-se totalmente antropizada, ao Norte há ocupação humana (edificações e infraestrutura) e ao sul caracteriza-se também pela ação antrópica com a implantação da Rodovia SC 406 e cobertura da vegetação através de Pinus e outras espécies exóticas.”
A perícia também constatou que a edificação possui aproximadamente oitenta anos, tendo ocorrido reforma em razão da incêndio, quando houve redução do tamanho, como se percebe no laudo do evento 70, quesito 18:
“A edificação possui 85 anos, segundo afirmação dos Autores, que afirmam que a construção é datada de 1931 através de uma declaração dos filhos dos antigos proprietários do imóvel (evento 2, contes/impug15, página 33), a qual informam que o local era utilizado como comércio e depósito de mercadorias.
Quanto aos acréscimos construtivos à mesma, verifica-se através das figuras a seguir, que o imóvel sofreu reforma entre as datas de 26/09/2002 e 19/11/2002, na parte frontal da edificação. No entanto, vê-se também que após o incêndio que atingiu a cosntrução (ano de 2011), houve uma redução de área através da demolição de um depósito de madeira anexo ao estabelecimento.”
Com efeito, o perito constatou que a edificação comercial existe há mais de 70 anos:
“De acordo com as informações prestadas pela Geógrafa e Engenheira Civil Angelita Pereira, objeto da ART nº 271116-1 (evento 2, contes/impug15, página 59), a edificação comercial existe há mais de 70 anos.”
De outra parte, a perícia constatou que a área litigiosa encontra-se antropizada desde a década de 1957:
“Verifica-se através das imagens a seguir que a área litigiosa encontra-se antropizada desde a década de 1957, com a sua ocupação bastante diversificada.”
Além disso, com a construção da SC 406, ocorreram várias obras que resultaram na feição original do terreno, como esclareceu o perito:
“Com a implantação da Rodovia SC-406 ocorreram várias obras paralelas e de caráter técnico relativo à terraplanagem, drenagem, muro de arrimo, com grande movimentação de terra originando o aterro das margens e em direção ao mar, onde ocorre a ocupação do imóvel em estudo. Com relação à retirada das edificações, não obteve-se essa informação.”
Assim, considerando a situação peculiar da edificação, o perito concluiu que a edificação não compromete o equilíbrio ambiental da região:
“Pode-se afirmar que a edificação dos demandados compromete o equilíbrio ambiental na região?
Resposta: Não. Haja vista que a edificação encontra-se implantada sobre aterro compactado e estabilizado.”
O perito concluiu que se trata de área urbana consolidada:
“15) Pode o senhor perito, com base na norma vigente, informar se o imóvel encontra-se localizado em Área Urbana Consolidada?
Resposta: Sim. O imóvel litigioso encontra-se em Área Urbana Consolidada, segundo o artigo 28 da Lei 16.342/2014 do Estado de Santa Catarina.”
O perito esclareceu que não existem dunas no local:
“Analisando a geomorfologia atual e passada, entre a área litigiosa e a área vizinha, ano norte, ocorria um talvegue de drenagem intermitente, atualmente canalizado, por onde escoam as águas pluviais da Rodovia SC 406. A presença de águas de chuvas carreia as partículas de areia, impedindo seu acúmulo e, por consequência, a formação de dunas. Pode ser observado que nas imagens aéreas dos anos de 1957/1977 essa área apresenta cor escura, diferente da cor clara das areias litorâneas.”
Por conseguinte, a construção é muito antiga, situada em área antropizada. Não existe vegetação de restinga ou dunas no local, evidenciando-se que a área não é de preservação permanente.
Assim sendo, não é a área controvertida de preservação permanente, pois já existia antropização antes do Código Florestal de 1965. Assim, tal diploma legal não poderia jamais retroagir, sob pena de ofensa ao Princípio da Segurança Jurídica, previsto no artigo 5º, inciso XXXVI da Carta Magna.
Além disso, foi realizado no passado aterro em razão de obra pública da rodovia SC 406, o que evidencia o interesse público na manutenção e constitui exceção legal prevista no próprio Código Florestal de 1965.
Deste modo, não há fundamento legal para o pedido de recuperação ambiental da área em litígio.
Ante o exposto, julgo improcedente o pedido veiculado pelo Ministério Público Federal.
Não há condenação em honorários advocatícios, eis que não evidenciada má fé por parte do Ministério Público Federal.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Valho-me, por motivação referencial, dos fundamentos acima para desprover o apelo da parte autora; e também do parecer do Ministério Público Federal, cuja ementa transcrevo:
AMBIENTAL. ÁREA ANTROPIZADA. ZONA URBANA CONSOLIDADA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. POSSIBILIDADE DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA. DEMOLIÇÃO. DESPROPORCIONALIDADE. RESSARCIMENTO DE HONORÁRIOS PERICIAIS. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
A controvérsia dos autos diz respeito ao estabelecimento denominado “Restaurante Tropical”, localizado na Praia do Morro das Pedras, no Município de Florianópolis/SC, que estaria em Área de Preservação Permanente – APP e em desacordo com as normas ambientais.
No caso concreto, o laudo pericial judicial informou que a área litigiosa, um restaurante, encontra-se totalmente antropizada desde a década de 50, conta com serviços públicos de rede de energia, telefonia fixa, internet, abastecimento de água, serviços de coleta de resíduos sólidos, e a edificação não compromete o equilíbrio ambiental da região, uma vez que se encontra implantada sobre aterro compactado e estabilizado, além de ressaltar que o imóvel litigioso encontra-se em Área Urbana Consolidada (art. 28 da Lei nº 16.342/2014, do Estado de Santa Catarina).
Na época – década de 50 – em que houve a ocupação da área litigiosa, já antropizada, não havia sua definição como área de preservação permanente, ou como área de restinga ou dunas pelo Código Florestal antigo (Lei n.º 4.771/1965) ou pelo atual Código Florestal (Lei n º 12.651/2012), pois conforme destacou o Parecer Técnico do MPF, sua definição como área de preservação permanente ocorreu por meio do Plano Diretor Vigente do Município de Florianópolis/SC (Lei Complementar nº 482/2014).
Sendo vedada a retroação normativa, com fundamento no princípio da segurança jurídica (art. 5º, inc. XXXVI, da Constituição), mesmo que a definição da área como APP tivesse ocorrido antes do atual Plano Diretor Vigente do Município de Florianópolis/SC (Lei Complementar nº 482/2014), ainda assim seria possível regularizar a ocupação, tanto que o art. 23 da Lei nº 13.465/2017 prevê que a legitimação fundiária pode ser conferida ao beneficiário desde que atendidas as condições enumeradas
Devem ser ressarcidos os honorários periciais adiantados pelos requeridos da ação civil pública, pois julgada improcedente a ação promovida pelo Ministério Público Federal, as custas e os honorários periciais devem ser arcados pela União (Fazenda Pública), à qual se encontra vinculado o órgão ministerial.
Desprovimento do apelo do MPF e provimento do apelo dos requeridos.
O que foi trazido nas razões de recurso não me parece suficiente para alterar o que foi decidido quanto à matéria de fundo, mantendo o resultado do processo e não vendo motivo para reforma da sentença.
Única ressalva faço quanto à devolução do valor a título de honorários periciais.
Os réus adiantaram os honorários periciais, no valor total, à época, de R$ 17.500,00.
No entendimento do STJ, a Fazenda Pública da pessoa política à qual o Ministério Público esteja vinculado deve arcar com o adiantamento das despesas periciais (RMS 59927 / SP; Acórdão: Ministra Regina Helena Costa; DJe 21/05/2019).
Consequentemente, cabe à União arcar com os valores a título de devolução da quantia adiantada pelos réus para pagamento dos honorários periciais.
O apelo dos réus é provido.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação da parte autora; e dar provimento à apelação dos réus, nos termos da fundamentação.