ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. LOCALIDADE DE PORTO FIGUEIRA. DEMOLIÇÃO DA EDIFICAÇÃO. INVIABILIDADE. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. ZONA URBANA CONSOLIDADA.
Embora o imóvel esteja localizado em área de preservação permanente (unidade de conservação), mais precisamente em Área de Proteção Ambiental das Ilhas e Várzeas do Rio Paraná, a circunstância de ter sido edificado há mais de trinta anos e inserir-se em zona urbana de ocupação histórica, que remonta, pelo menos, à década de 1960, torna desarrazoada a sua demolição, especialmente em face da ausência de vegetação no local, desde longa data, e da existência de toda uma infraestrutura, com rede de esgoto, pavimentação de ruas, energia elétrica e água potável.
As restrições à construção em áreas de preservação permanente, localizadas em zonas urbanas consolidadas e antropizadas, nas quais a recuperação integral do meio ambiente ao seu estado natural mostra-se inviável, são passíveis de mitigação, por depender de ação conjunta, com a remoção de todas as construções instaladas nas proximidades.
A retirada de uma edificação isoladamente não surtiria efeitos significantes ao meio ambiente, haja vista que as adjacências do local remanesceriam edificadas.
(TRF-4 – AC: 50053660320124047004 PR 5005366-03.2012.404.7004, Relator: VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Data de Julgamento: 22/03/2017, QUARTA TURMA)
VOTO
O Juízo a quo, ao sentenciar o feito, assim se posicionou quanto à matéria em debate:
A ação civil pública é instrumento hábil para a veiculação de pretensão de condenação da parte ré em obrigação de fazer e de não fazer. O art. 3.º da Lei nº 7.347/1985 (LACP) é expresso nesse sentido:
Art. 3º. A ação civil pública poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer’.
Nessa perspectiva, é inquestionável a admissibilidade e a adequação deste instrumento processual empregado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL para a tutela de direitos transindividuais, visando à proteção do meio ambiente.
Por meio desta Ação Civil Pública, o Ministério Público Federal pretende a demolição das edificações realizadas pelo réu […] bem como a reparação integral dos danos ambientais decorrentes da construção de imóvel em área de preservação permanente, na margem do Rio Paraná, mais especificamente na zona de amortecimento do Parque Nacional de Ilha Grande, sem licença do órgão ambiental, o que estaria impedindo e dificultando a regeneração natural da mata ciliar que deveria existir no local (evento ’01’ – INIC1).
Por outro lado, a parte ré defende a manutenção das atividades desenvolvidas no imóvel, sob o argumento de que se trata de edificação realizada há décadas, no perímetro urbano do Município de Alto Paraíso/PR, localizado à margem esquerda do Rio Paraná, denominado Porto Figueira (Distrito), portanto, em área urbana consolidada.
Não obstante os argumentos ventilados pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e ICMBIO, não há razão para confirmação da tutela de urgência antes concedida, em vista das particularidades do caso em exame.
O Código Florestal vigente à época dos fatos (Lei nº 4.771/1965) considerava como área de preservação permanente as florestas e demais formas de vegetação situadas ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água, nos seguintes termos:
Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:
a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será: (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)
1 – de 30 (trinta) metros para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)
2 – de 50 (cinquenta) metros para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)
3 – de 100 (cem) metros para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)
4 – de 200 (duzentos) metros para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)
5 – de 500 (quinhentos) metros para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros; (Incluído pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)
[…]. – sem destaque no original.
Essa previsão, aliás, é repetida pelo novel Código Florestal, conforme dispõe o artigo 4º da Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, abaixo transcrito:
[…]
Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:
I – as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: (incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).
a) 30 (trinta) metros, para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura;
b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;
c) 100 (cem) metros, para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura;
d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;
e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;
[…].- sem destaque no original.
Como é cediço, o grande Rio Paraná possui em média mais de 600 metros de largura, de forma que é induvidosa que a edificação em comento, distando cerca de 47 (quarenta e sete) metros da margem do referido curso d’água, está, em princípio, localizada em área de preservação permanente (APP).
As informações consignadas no Relatório de Fiscalização, que embasou a lavratura do Auto de Infração n…, aliadas ao levantamento topográfico da área do imóvel (o imóvel ocupa uma área aproximada de 60 m² que fica a uma distância aproximada do rio Paraná de 47 metros da margem esquerda medidos da parede que fica em frente ao rio), demonstram claramente a proximidade da construção do Sr […] em relação ao leito do Rio Paraná.
Não há como negar, portanto, que a edificação dista cerca de 47 metros do rio, estando em área de preservação permanente, consoante a legislação mencionada.
Em se tratando de APP, a rigor não se admite ação humana interventora, como a construção de casas e/ou a exploração econômica, devendo se destinar exclusivamente à manutenção do meio ambiente intocado. O objetivo da APP, como se sabe, é a preservação dos recursos hídricos, da paisagem, da estabilidade geológica, da biodiversidade, do fluxo gênico de fauna e flora e do solo, bem como assegurar o bem-estar das populações humanas.
Especificamente em relação às APP’s das margens de rios e dos entornos de nascentes, cabe elucidar que são compostas pelas matas ciliares e a sua proteção fundamenta-se na necessidade técnica de manutenção da vegetação, destinada a garantir alguns aspectos protetivos, como: a permeabilidade do solo nas margens, de forma a possibilitar a microdrenagem de águas pluviais e, assim, reduzir o volume das cheias e garantir o abastecimento dos lençóis freáticos; evitar a erosão e o desmoronamento das margens; evitar o assoreamento; garantir o choque das águas com a vegetação marginal, propiciando a desinfecção de eventuais elementos poluidores; e manter o fluxo de águas para a bacia de referência, mantendo os níveis hídricos em todo o complexo hidrológico.
Nesse aspecto, a Lei nº 4.771/1965 não permitia a supressão de vegetação em APP’s, exceto quando demonstrada utilidade pública ou interesse social e inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto, mediante autorização do órgão ambiental competente (art. 4º).
De acordo com o Relatório de Fiscalização, que embasou a lavratura do Auto de Infração em face do réu (Auto de Infração nº 005144 A; evento 1, Anexo 3), a edificação está localizada em área de preservação permanente (Unidade de Conservação), mais precisamente em Área de Proteção Ambiental das Ilhas e Várzeas do Rio Paraná, área de proteção ambiental criada pelo Decreto do Vice-Presidente da República de 20 de setembro de 1997.
Os Parques Nacionais encontram-se no grupo das Unidades de Conservação de Proteção Integral (Lei nº 9.985/2000, art. 8º, III) e possuem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico (art. 11, caput, da mesma lei), estando a visitação e a pesquisa condicionadas à prévia autorização.
Por expressa disposição legal, as unidades de conservação (salvo a Área de Proteção Ambiental e a Reserva Particular do Patrimônio Natural) devem possuir uma zona de amortecimento (art. 25 da Lei nº 9.985/2000), sendo este o entorno de uma unidade de conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade (art. 2º, XVIII, do mesmo diploma legal).
Desse modo, a realização de edificação ou exploração de atividade comercial na região também deveria, em tese, passar pela autorização prévia do órgão responsável pela Unidade de Conservação, no caso o Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodivesidade – ICMBIO.
Não se desconhece a possibilidade de que, existindo o dano ambiental em imóvel, a obrigação de sua reparação assuma caráter propter rem, de tal maneira que não importa se os atuais proprietários foram os seus causadores diretos.
Sobre o assunto, relevantes os apontamentos de LAURO COELHO JUNIOR (in Intervenções nas áreas de preservação permanente em zona urbana: uma discussão crítica acerca das possibilidades de regularização. Custos Legis – Revista Eletrônica do Ministério Público Federal. Ano II, nº 2, 2010. Disponível no sítio http://www.prrj.mpf.gov.br/custoslegis/revista_2010/):
A limitação jurídica que caracteriza o regime das APPs é a sua imodificabilidade, como regra geral. Portanto, qualquer intervenção nela ocorrida por ação ou omissão sujeita os responsáveis, particular ou Poder Público, à obrigação de recompô-la em seu estado original. Além de objetiva e solidária, essa obrigação é caracterizada como propter rem, constituindo-se em concretização da função ambiental da propriedade. Esta possui, como um de seus requisitos, a ‘utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente’ (art. 186, II, CF). Nesse sentido, utilizando-se dos argumentos de Álvaro Luiz Valery Mirra conclui-se que:
O princípio em tela dá o fundamento constitucional da imposição coativa ao proprietário, inclusive pela via judicial, da obrigação de recompor a área de preservação permanente, independente de ter sido ele o responsável ou não pelo desmatamento e ainda que jamais tenha existido vegetação na área em questão. Há uma obrigação legal de manterem-se as áreas de preservação permanente com vegetação e os proprietários devem se sujeitar a ela, em qualquer circunstância, por força do princípio da função social e ambiental da propriedade, que lhe impõe o exercício do direito de propriedade em conformidade com as diretrizes de proteção do meio ambiente vigentes.
Nesse sentido, ainda, há precedentes do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AVERBAÇÃO DA DEMANDA NO REGISTRO DE IMÓVEIS. POSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. (…) A responsabilidade civil ambiental é propter rem, acompanhando o bem imóvel, de modo que o proprietário do bem responde pelos danos ao meio ambiente perpetrados. (TRF4, AG 5010351-75.2012.404.0000, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão João Pedro Gebran Neto, D.E. 15/08/2012) – sem destaque no original.
ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO AMBIENTAL. IBAMA. MULTA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APP). A responsabilidade civil ambiental é objetiva, solidária e propter rem, respondendo pelos danos ao meio ambiente perpetrados o proprietário do imóvel. (TRF4, EINF 0000503-85.2009.404.7007, Segunda Seção, Relator Jorge Antonio Maurique, D.E. 18/11/2011) – sem destaque no original.
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – APP. VIOLAÇÃO DO CÓDIGO FLORESTAL. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. ILEGITIMIDADE DO 1º APELANTE. INOCORRÊNCIA. DEMOLIÇÃO E DESOCUPAÇÃO DA ÁREA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE CONDENAÇÃO. 1. Caso em que o Ministério Público Federal ajuizou Ação Civil Pública em face dos requeridos, em vista da existência de construção em Área de Preservação Permanente-APP, com violação do Código Florestal em vigor. 2. A obrigação de reparação dos danos ambientais é propter rem, não importando se os réus foram os autores do dano ambiental causado pela edificação. Precedentes do STJ. (…) (TRF4, AC 2007.72.14.000542-1, Terceira Turma, Relator Nicolau Konkel Júnior, D.E. 10/02/2011) – sem destaque no original.
Em princípio, portanto, seria irrelevante o fato de […] já ter adquirido a posse do imóvel com a edificação anterior e a falta de provas da existência de vegetação no local antes da primitiva construção.
Cabe observar que a responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva (art. 225, § 3º, da Constituição Federal e art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981), de sorte que a imposição do dever de reparar não depende da caracterização de dolo ou culpa.
Não obstante, há que se considerar que o Distrito de Porto Figueira, onde se encontra a construção da parte ré, diz respeito à área urbana de ocupação histórica que remonta, pelo menos, à década de 1960.
Com efeito, o loteamento denominado ‘Centro Turístico Porto Figueira’, constituído pela subdivisão do lote nº 86, remanescente, Núcleo Rio do Veado, Gleba 8, 1ª Seção, foi aprovado no ano de 1974 pelo Decreto nº 281-A do Município de Umuarama (evento ’36’ – INF6). A aprovação do loteamento foi confirmada em 1983 pelo Decreto nº 886 do Município de Umuarama.
Aliás, a Lei Municipal nº 1047, de 13.12.1985, inclusive, autorizou o Poder Executivo Municipal a proceder a doações de materiais de construção aos proprietários e cessionários de imóveis do Porto Figueira (evento ’36’ – INF8). Cabe esclarecer que, antes da emancipação política do Município de Alto Paraíso/PR, anteriormente conhecido por Vila Alta, a localidade pertencia ao Município de Umuarama/PR.
Na hipótese, não há qualquer elemento de prova acerca da existência de autorização dos órgãos competentes.
[…]
Esses depoimentos, e muitos outros tomados em processos similares em tramitação neste juízo, confirmam a existência histórica de Porto Figueira como área urbana consolidada e centro turístico, confirmando, também, que não havia vegetação no local desde longa data; que há toda uma infraestrutura no referido Distrito, com rede de esgoto, pavimentação de ruas, energia elétrica, água potável, coleta de lixo etc.
No Ofício nº 0061/2012, encaminhado pela Prefeitura Municipal de Alto Paraíso/PR, constante dos Autos nº 5000199-39.2011.404.7004 (evento ‘122’), que tramitam perante o Juízo Federal da 2ª Vara desta Subseção Judiciária de Umuarama/PR, em demanda semelhante, inclusive, que contara com a participação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e do ICMBIO, consta informação preciosa quanto à longínqua ocupação humana da região de Porto Figueira e sua característica urbana. Confira-se o teor deste documento:
[…]
O Balneário Porto Figueira, localizado as margens do Rio Paraná, município de Alto Paraíso, possui grande parte de seus imóveis urbanos, encravados dentro da área de proteção permanente, situação esta que não é recente, remonta de mais de quarenta anos.
O Balneário Porto Figueira é uma área legalmente urbana, com ocupação populacional dividida basicamente em três situações:
– lotes de terras urbanos, individualizados, devidamente registrados em cartório de imóveis em nome dos respectivos proprietários;
– posses em porção de terras públicas municipais, das quais algumas possuem regularidade e outras não, que fazem parte do lote de terras nº 86-A, parte do lote nº 86, da Gleba nº 08, 1ª seção, Núcleo Rio do Veado, cuja cópia segue anexa;
– posses em porção de terras particulares, que não possuem regularidade junto a Divisão competente da Prefeitura Municipal de Alto Paraíso;
– sem destaque no original.
A inclusão do local no perímetro urbano do Município de Alto Paraíso deu-se no ano de 2005, por força da Lei Municipal nº 34 (evento ’36’ – INF7). Além disso, a revisão do Zoneamento Ecológico Econômico (Decreto nº 070/2007) da Área de Preservação Ambiental do Município de Alto Paraíso (cujo nome anterior, logo depois da emancipação política de Umuarama, era Vila Alta), permitiu, expressamente, a construção de residências fixas/de veraneio em terrenos/loteamentos já parcelados e legalizados, obedecendo aos padrões e a taxa de ocupação do lote, estabelecido pelo Plano Diretor ou Zoneamento Urbano específico (evento ’36’ – INF6).
Com efeito, a localidade de Porto Figueira é uma área urbana consolidada, com suas vias pavimentadas (asfalto), com serviços públicos de fornecimento de água potável, energia elétrica, rede de esgoto, etc., sendo conhecida regionalmente e densamente ocupada por moradia de pescadores e de lazer. […]
Conforme já mencionado, a ocupação da área do Porto Figueira ocorre, pelo menos, desde a década de 1960, tempo em que se estruturou como área urbana, perdendo toda a característica de floresta natural. Aliás, essa situação se repetiu em centenas de municípios localizados à beira de cursos d’água, com a conivência e estímulo do Poder Público de todas as esferas.
No local, conforme informado a este juízo em várias audiências de ações semelhantes ajuizadas pelo Ministério Público Federal, por volta da década de 1960, quando não havia muitas estradas rodoviárias, instalou-se um porto de balsa, para travessia do Rio Paraná em direção ao Mato Grosso do Sul. Havia uma balsa que fazia a travessia até a Ilha Grande e outra, do outro lado, dessa ilha até o território mato-grossense, com ancoragem na localidade conhecida por Porto Santo Antônio, no atual Município de Itaquiraí/MS. Por alguns quilômetros (cerca de 22), os veículos transitavam pelo interior da Ilha Grande. Pelo transporte fluvial era escoada a grande quantidade de madeira extraída da região, bem como recebido o gado oriundo do atual Mato Grosso do Sul.
Esse porto de balsa operou até a inauguração do chamado Complexo de Pontes de Porto Camargo, em março de 2002 (http://www.der.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=78), que fica próximo ao Porto Figueira.
A balsa atraiu a pequena aglomeração urbana que se formou aos poucos na localidade, incluindo pequenos comércios para atendimento aos viajantes, e foi decisiva para a ocupação humana e para a supressão da vegetação que deveria existir na margem do Rio Paraná, o que, evidentemente, era necessário para a implantação do referido sistema de transporte.
Destarte, tendo em vista tratar-se de área de ocupação histórica, há muito urbanizada, é certo que a retirada de uma edificação isolada não surtirá efeitos significantes ao meio ambiente, haja vista que as adjacências do local encontram-se edificadas.
A efetiva recuperação do meio ambiente ao seu estado natural dependeria de ação conjunta, com a remoção de todas as construções instaladas na área do Distrito (abstraída aqui a análise da razoabilidade dessa medida extrema), de modo que a demolição exclusiva da edificação de JOB REZENDE NETO não constituiria medida útil para referido fim, sendo desproporcional.
Nesse sentido, arestos do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
DIREITO AMBIENTAL E ADMINISTRATIVO. RECONSTRUÇÃO DE QUIOSQUE BALNEÁRIO CAMBORIÚ. Há nos autos parecer técnico do IBAMA que admite que ‘a remoção e recuperação, pura e simplesmente da área do quiosque não contribui de maneira significativa a recomposição do habitat natural local, pois outras construções como a própria estrada e espaço destinado ao estacionamento agrediram/ocuparam as áreas de restinga quando foram construídas nessa mesma praia.’ Assim, tendo em vista tratar-se de área urbana consolidada, nenhum efeito surtirá ao meio ambiente a retirada de apenas uma edificação isolada, haja vista que o entorno do local está todo edificado. (TRF4, APELREEX 5002986-45.2010.404.7208, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Luís Alberto D’azevedo Aurvalle, D.E. 11/07/2012) – sem destaque no original.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMÓVEL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO FEDERAL. Apesar de ter ocorrido a construção de imóvel em área de preservação permanente sem autorização da administração federal, a demolição do mesmo é medida desproporcional, diante da evidente urbanização da área, sendo caso apenas de medida compensatória em favor de projeto de recuperação ambiental. (TRF4, AC 2006.72.04.000452-9, Terceira Turma, Relatora Maria Lúcia Luz Leiria, D.E. 03/02/2011) – sem destaque no original.
Demais disso, ainda como corolário da proporcionalidade, a existência de inúmeras intervenções antrópicas no local impede que se exija de […] a reparação do dano ambiental mediante a recuperação da área degradada, por questão de isonomia.
Nesse passo, mutatis mutandis, valiosas as observações do Desembargador Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON constantes do voto que proferiu no julgamento da Apelação Cível nº 2003.72.00.004185-0, as quais integro a esta sentença também como razões de decidir:
Tenho como premissa a supremacia do meio ambiente, mesmo nas situações em que haja a efetiva configuração do fato consumado, de modo que sejam desestimuladas práticas de violações ecológicas contando com o beneplácito fundado na constatação de que ‘o mal já está feito.’ Porém, ainda que não se perca de vista a realçada importância do meio ambiente, com o incentivo de peculiaridades do caso concreto, pode-se amenizar a regra de prevalência, mesmo que esteja em pauta a integridade ambiental de área de preservação permanente. Assim penso, guiado pela idéia de que benefício algum surtirá em prol do meio ambiente a paralisação da obra, uma vez que a recuperação da restinga, pela intervenção da própria natureza, é inviável naquele trecho. […]
A intervenção recuperadora do meio ambiente alegadamente agredido, por outro lado, não pode se dirigir a um único ocupante da área. Todos que estão em idênticas condições, e são muitos, alguns, inclusive, sócios da associação autora, deveriam ser concitados a promover a demolição de seus imóveis e a reconstituição da área ambiental degradada. Modo diverso, não haveria a concretização da justiça, mas verdadeiro abuso de direito, porquanto ter-se-ia, travestida de exercício da cidadania, perseguição particular e direcionada. Este desvio não pode ser chancelado pelo Poder Judiciário, quanto mais verificando-se, como já disse acima, ser crível que muitos dos associados da entidade autora estão em idêntica situação à da construtora-ré. – sem destaque no original.
Eis a ementa do referido acórdão:
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EDIFICAÇÃO MULTIFAMILIAR. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DEMOLIÇÃO. INVIABILIDADE. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. DANO E DESEQUILÍBRIO ECOLÓGICO. SENTENÇA EXTRA PETITA. REDUÇÃO AOS TERMOS DO PEDIDO. 1. É regra a supremacia do meio ambiente, mesmo nas situações em que haja efetiva configuração do fato consumado. Contudo, esta diretriz pode ser relativizada, como no caso concreto, quando verificado que a paralisação e demolição da obra não surtirá benefício algum ao meio ambiente e, ainda, que o dano ambiental é bastante reduzido (supressão de restinga em imóvel com medidas perimetrais de 30,00m de frente a leste e 60,00m nas laterais). 2. Várias circunstâncias inibem seja determinada a demolição da edificação como medida reparatória do meio ambiente, mesmo considerando haver sido ela construída em área de preservação permanente (300 metros a partir da linha preamar média), a saber: a) está ela situada em loteamento de há muito urbanizado e ocupado; b) o histórico de ocupação da área revela que a implantação do loteamento ocorreu no ano de 1991, atendendo, presumivelmente, as regras urbanísticas e ambientais vigentes à época, dentre as quais, importante que se registre, não se inscrevia a Resolução n. 303 do CONAMA, que empresta sustentação jurídica à tese da associação autora, e que foi editada somente em 13/05/2002; c) o pleito desatende o princípio da proporcionalidade, porquanto grandes seriam os prejuízos financeiros para a construtora, sem qualquer garantia da possibilidade de recuperação efetiva da área, mediante a reconstituição da cobertura vegetal primitiva – restingas, e, ainda que assim não fosse, não há um dimensionamento do impacto ambiental em face da ausência da flora originária naquela porção de terra em que edificado o empreendimento; d) não há evidências de ameaça ao equilíbrio ecológico, fim último das regras de direito ambiental, pois é pouca e imprecisa a repercussão ambiental da supressão de cobertura vegetal realizada pela recorrida; e, ainda, há notícia nos autos de que, em frente ao empreendimento, remanesce importante e significativa área de preservação devidamente delimitada e identificada com placas alertando para a sua condição jurídico-ambiental, o que minimiza qualquer temor de descompensação ambiental na região. 3. O empreendimento foi licenciado pelos órgãos competentes, tendo, inclusive, a FATMA expedido Licença Ambiental Prévia. A procura da aquiescência dos órgãos públicos, até mesmo daquele de controle ambiental estadual, evidencia a boa-fé da empresa construtora e desengana a possibilidade da sua responsabilização. 4. Havendo disposição na sentença que reconhece a nulidade dos autos de infração e de embargo da obra exarados pelo IBAMA, o que, evidentemente, discrepa do pedido inicial formulado no sentido do reconhecimento do dano ambiental, resta configurada a clássica hipótese de decisão extra petita, cuja solução recomenda é a glosa parcial do julgado, o que, vale dizer, pode ser feita mesmo ex officio, sem prejuízo de que tal declaração de nulidade seja posteriormente reivindicada. (TRF4, AC 2003.72.00.004185-0, Terceira Turma, Relator Luiz Carlos de Castro Lugon, DJ 04/10/2006) – sem destaque no original.
À vista da situação consolidada, portanto, a determinação de remoção das estruturas físicas da residência da parte ré para o fim de recuperação da área não se reveste de qualquer possibilidade de sucesso prático e se mostra em descompasso com o princípio da isonomia, podendo, inclusive, ser mais prejudicial ao meio ambiente, com geração de entulho e maior degradação da paisagem cênica da região.
Não se pode desconsiderar, repise-se, que o processo de ocupação histórica e urbanização do Distrito de Porto Figueira repetiu o que ocorreu com inúmeras áreas urbanas ao redor deste imenso país, em situação de tal forma consolidada que se torna irrazoável a pretensão de recuperação da paisagem natural original. Se aplicadas literalmente as normas ambientais, cidades inteiras deveriam ser demolidas, aqui na região e em todo o país. Há, no entanto, outros direitos em risco, que, ponderados em cada caso concreto, podem permitir a utilização de áreas já antropizadas e a manutenção das edificações existentes.
Acerca do assunto, de relevo transcrever a lição de GUILHERME JOSÉ PURVIN DE FIGUEIREDO (in Curso de Direito Ambiental. 2ª ed. rev. e atual. Curitiba: Arte & Letra Editora, 2008, pp. 222/223):
O ordenamento jurídico vigente oferece os requisitos para a caracterização das áreas urbanas consolidadas. Todavia, nem o Código Florestal nem as resoluções do CONAMA enfrentam ques tão crucial, isto é, como recuperar áreas de preservação permanente com ocupação consolidada. Tome-se, como exemplo, as avenidas marginais aos rios nas grandes cidades ou os bairros situados em regiões íngremes.
À luz do Código Florestal, são de preservação permanente as margens desses rios, o topo de morros – caso da Avenida Paulista, em São Paulo – e as encostas de morros com declividade superior a 45º. Seria, porém, rematado despropósito pretender a demolição da infraestrutura urbana existente nessas áreas.
Não é necessário invocar a regra do direito adquirido para solucionar tais hipóteses, mesmo porque não existe direito adquirido de degradar o meio ambiente. Aplicando-se, porém, o princípio da proporcionalidade, quando a reversão do status original de APP’s exigir a realização de obras de tal porte que acarretem significativo impacto ambiental e de vizinhança (arts. 36 a 38 do Estatuto da Cidade: demolições, retirada de camada asfáltica, problemas de tráfego, poluição sonora e visual, dentre outros) e, ainda, naquelas em que o custo da recuperação seja despropositado, a mesma não deverá ser exigida. (…). A contrario senso, desde que os custos com a demolição de obras situadas em áreas de preservação permanente e o impacto ambiental provocado pelas próprias obras sejam de pequena monta, se comparados com os benefícios trazidos pela revitalização da APP, a exigência de sua recuperação será pertinente. – sem destaque no original.
A aplicação do princípio da proporcionalidade, dessarte, revela-se adequada para se ponderar os interesses ora contrapostos (direito ao meio ambiente equilibrado x direito ao lazer; direito ao meio ambiente equilibrado x direito à moradia; direito ao meio ambiente equilibrado x isonomia) e encontrar a melhor solução para o meio ambiente e para os cidadãos, a qual certamente não perpassa pela destruição do imóvel e encerramento das atividades ali desenvolvidas.
Quanto à impossibilidade de regularização da construção em face do disposto na Resolução CONAMA nº 369/2006, importa observar que a questão da regularização fundiária fora das hipóteses de interesse social, vale dizer, fora dos casos em que a ocupação irregular destina-se à moradia de população de baixa renda, é bastante polêmica.
Nesse ponto, aliás, merece destaque as disposições constante do novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), que, em seus artigos 64 e 65, que preveem a possibilidade de regularização fundiária de interesse social ou específico de assentamentos inseridos em área urbana consolidada e que ocupam áreas de preservação permanente não identificadas como áreas de risco. Confiram-se os aludidos dispositivos de lei:
[…]
Art. 64. Na regularização fundiária de interesse social dos assentamentos inseridos em área urbana de ocupação consolidada e que ocupam Áreas de Preservação Permanente, a regularização ambiental será admitida por meio da aprovação do projeto de regularização fundiária, na forma da Lei n] 11.977, de 7 de julho de 2009.
1º O projeto de regularização fundiária de interesse social deverá incluir estudo técnico que demonstre a melhoria das condições ambientais em relação à situação anterior com a adoção das medidas nele preconizadas.
2º O estudo técnico mencionado no § 1º deverá conter, no mínimo, os seguintes elementos:
I – caracterização da situação ambiental da área a ser regularizada;
II – especificação dos sistemas de saneamento básico;
III – proposição de intervenções para a prevenção e o controle de riscos geotécnicos e de inundações;
IV – recuperação de áreas degradadas e daquelas não passíveis de regularização;
V – comprovação da melhoria das condições de sustentabilidade urbano-ambiental, considerados o uso adequado dos recursos hídricos, a não ocupação das áreas de risco e a proteção das unidades de conservação, quando for o caso;
VI – comprovação da melhoria da habitabilidade dos moradores propiciada pela regularização proposta; e
VII – garantia de acesso público às praias e aos corpos d’água.
Art. 65. Na regularização fundiária de interesse específico dos assentamentos inseridos em área urbana consolidada e que ocupam Áreas de Preservação Permanente não identificadas como áreas de risco, a regularização ambiental será admitida por meio da aprovação do projeto de regularização fundiária, na forma da Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009.
1º O processo de regularização ambiental, para fins de prévia autorização pelo órgão ambiental competente, deverá ser instruído com os seguintes elementos:
I – a caracterização físico-ambiental, social, cultural e econômica da área;
II – a identificação dos recursos ambientais, dos passivos e fragilidades ambientais e das restrições e potencialidades da área;
III – a especificação e a avaliação dos sistemas de infraestrutura urbana e de saneamento básico implantados, outros serviços e equipamentos públicos;
IV – a identificação das unidades de conservação e das áreas de proteção de mananciais na área de influência direta da ocupação, sejam elas águas superficiais ou subterrâneas;
V – a especificação da ocupação consolidada existente na área;
VI – a identificação das áreas consideradas de risco de inundações e de movimentos de massa rochosa, tais como deslizamento, queda e rolamento de blocos, corrida de lama e outras definidas como de risco geotécnico;
VII – a indicação das faixas ou áreas em que devem ser resguardadas as características típicas da Área de Preservação Permanente com a devida proposta de recuperação de áreas degradadas e daquelas não passíveis de regularização;
VIII – a avaliação dos riscos ambientais;
IX – a comprovação da melhoria das condições de sustentabilidade urbano-ambiental e de habitabilidade dos moradores a partir da regularização; e
X – a demonstração de garantia de acesso livre e gratuito pela população às praias e aos corpos d’água, quando couber.
2º Para fins da regularização ambiental prevista no caput, ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água, será mantida faixa não edificável com largura mínima de 15 (quinze) metros de cada lado.
3º Em áreas urbanas tombadas como patrimônio histórico e cultural, a faixa não edificável de que trata o § 2o poderá ser redefinida de maneira a atender aos parâmetros do ato do tombamento.
[…]. – sem destaque no original.
Há quem entenda que política de tal natureza não poderia ser executada em favor de população de alta renda, pois esta teria condições de se realocar por conta própria. Contudo, partilho do entendimento de que não se pode ignorar que o direito à cidade sustentável, o qual encontra na regularização fundiária um instrumento relevante, tem natureza difusa, quer dizer, estende-se a pobres e a ricos.
Dessa forma, sendo inviável a recuperação da área degradada em face de situação consolidada, a afirmação da isonomia não permite a exclusão da hipótese de regularização.
Não é demais repisar que a ocupação do Porto Figueira, inclusive mediante construções muito próximas à margem do rio, remonta à década de 1960, anterior ao código florestal revogado, de modo que a tolerância da ocupação ribeirinha por tantos anos pelo Poder Público também não exclui a possibilidade de manutenção da construção da parte ré.
Não se pode olvidar também que a ocupação da localidade em questão, em vez de ser reprimida, foi estimulada pelo Poder Público, de modo que se consolidou como área urbana, com toda a infraestrutura necessária, com pavimentação asfáltica, energia elétrica, água e esgoto, entre outros serviços e obras.
Nesse passo, vale atentar, inclusive, para o disposto no Decreto nº 70/2007 do Município de Alto Paraíso/PR, constante de demanda semelhante, ora empregado como prova emprestada (evento ’36’ – INF6), que aprovou a revisão do Zoneamento Ecológico Econômico da Área de Proteção Ambiental – APA Municipal de Alto Paraíso/PR. Referido Decreto, ao tratar das ‘áreas urbanizadas/em processo de urbanização na localidade de Porto Figueira, junto à margem do Rio Paraná, com alguma infra-estrutura de comércio, serviços e de atendimento ao turista’, permitiu a construção de residências fixas/de veraneio em terrenos/loteamentos já parcelados e legalizados.
É possível, portanto, que a parte ré continue ocupando o terreno marginal do Rio Paraná, desde que preservando a vegetação existente e promovendo a regeneração onde imprescindível, sempre respeitando fauna e flora ora remanescente.
A reparação do dano mediante a recuperação da área, como já referido, não se afigura adequada ao fim de promoção da proteção ao meio ambiente. Há uma situação histórica consolidada, na qual a paisagem original foi total e irreversivelmente descaracterizada, de tal maneira que a demolição da edificação pouca diferença faria.
Demais disso, independentemente da legitimidade ou não das legislações municipais, é inexorável que o imóvel encontra-se em área urbana consolidada desde longa data, inclusive, com incentivo do Poder Público local, sem que houvesse qualquer ação repressiva por parte dos órgãos ambientais.
Agora, após mais de quarenta anos de ocupação da área, não pode o mesmo Poder Público simplesmente ignorar a situação fática de Porto Figueira, passando a exigir de seus moradores o abandono de suas residências e o encerramento das atividades comerciais até então exercidas no local.
Em verdade, cumpre à Administração Pública local, com o auxílio dos órgãos ambientais, dar início ao processo de regularização fundiária dessa área urbana consolidada, inclusive, com a exigência de eventuais condicionantes ambientais, como o recuo das edificações à distância compatível com a legislação ambiental, respeitadas, claro, as características da localidade, a fim de garantir a preservação do meio ambiente para as futuras gerações.
Desconsiderar a situação ocupacional de Porto Figueira, com a lavratura de autos de infrações, embargos das edificações, exigência de demolição e/ou encerramento das atividades comerciais locais, representa postura que não se coaduna com os princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade, muito menos com a dignidade da pessoa humana.
Os assentamentos em área urbana consolidada que ocupem área de preservação permanente (APP) devem ser regularizados com a aprovação de um projeto de regularização fundiária, contanto que não estejam em áreas de risco, conforme dispõem os artigos 64 e 65 da Lei nº 12.651/2012.
Além de um diagnóstico da região, o processo para legalizar a ocupação perante o órgão ambiental deverá identificar as unidades de conservação, as áreas de proteção de mananciais e as faixas de APP que devam ser recuperadas. Essa medida, aliás, é a que mais se aproxima da almejada justiça social, que o caso exige.
Não se desconhecem as limitações impostas pela legislação ambiental sobre a edificação em área de preservação permanente, nem se está aqui, questionando a constitucionalidade ou legitimidade dos atos normativos emitido pelo CONAMA. Contudo, a situação específica de Porto Figueira justifica a mitigação das referidas normas ambientais, com manutenção daquela ocupação urbana consolidada, para, quem sabe, estimular o Poder Público a iniciar processo de regularização fundiária daquela área, que possa contemplar a população local, evitando, assim, um conflito social, e que, ao mesmo tempo, garanta o respeito ao disposto no artigo 225 da CF/88, que consagra o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Por essas razões, os pedidos formulados pelo Ministério Público Federal na exordial desta Ação Civil Pública não merecem acolhimento.
Cumpre anotar, contudo, que o comando normativo deste julgado não exime a parte ré, em ulterior processo de regularização fundiária daquela área urbana consolidada, de se submeter às eventuais condicionantes impostas pelos órgãos ambientais ao exercício de seu direito de moradia e lazer no imóvel, cabendo destacar, por fim, que inexiste direito adquirido à degradação ambiental.
Restam prejudicadas as demais matérias ventiladas pelas partes em suas manifestações nos autos.
Aos mesmos fundamentos acima transcritos faço remissão, tomando-os por integrados neste voto, certo que as razões recursais não lograram infirmar a fundamentação adotada pela v. sentença.
Efetivamente, não há razão para alterar-se a sentença de improcedência, que se encontra em consonância com precedentes recentes das 3ª e 4ª Turmas, referentes a situações idênticas à do presente processo (mesma área, mesmo loteamento, mesma localidade):
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APELAÇÃO. DIREITO AMBIENTAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO. DESOCUPAÇÃO. INVIABILIDADE. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. AUSÊNCIA DE DANO. O princípio da proporcionalidade aplica-se ao caso, eis que inexiste comprovação do dano ambiental alegado, cabendo a permanência dos moradores na localidade fixada há mais de trinta anos às margens do Rio Paraná (5005828-57.2012.4.04.7004, 4ª T., Rel. Des. Cândido Alfredo Silva Leal Jr., 4-8-2015).
ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DEMOLIÇÃO DA EDIFICAÇÃO. INVIABILIDADE. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. ZONA URBANA CONSOLIDADA.
1. Embora o imóvel esteja localizado em área de preservação permanente (unidade de conservação), mais precisamente em Área de Proteção Ambiental das Ilhas e Várzeas do Rio Paraná, a circunstância de ter sido edificado há mais de trinta anos e inserir-se em zona urbana de ocupação histórica, que remonta, pelo menos, à década de 1960, torna desarrazoada a sua demolição, especialmente em face da ausência de vegetação no local, desde longa data, e da existência de toda uma infraestrutura, com rede de esgoto, pavimentação de ruas, energia elétrica e água potável.
2. As restrições à construção em áreas de preservação permanente, localizadas em zonas urbanas consolidadas e antropizadas, nas quais a recuperação integral do meio ambiente ao seu estado natural mostra-se inviável, são passíveis de mitigação, por depender de ação conjunta, com a remoção de todas as construções instaladas nas proximidades. A retirada de uma edificação isoladamente não surtiria efeitos significantes ao meio ambiente, haja vista que as adjacências do local remanesceriam edificadas. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5005359-11.2012.404.7004, 4ª TURMA, Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA, POR MAIORIA, VENCIDA A RELATORA, JUNTADO AOS AUTOS EM 29/02/2016)
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MEIO AMBIENTE. CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DEMOLIÇÃO DA EDIFICAÇÃO. INVIABILIDADE. ÁREA URBANA DE OCUPAÇÃO HISTÓRICA. ZONA URBANA CONSOLIDADA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.
1 – Hipótese na qual a edificação sub judice está localizada em área de preservação permanente (Unidade de Conservação), mais precisamente em Área de Proteção Ambiental das Ilhas e Várzeas do Rio Paraná, área de proteção ambiental criada por Decreto do Vice-Presidente da República de 20/09/1997, tratando-se, entrementes, de área urbana de ocupação histórica que remonta, pelo menos, à década de 1960, não havendo vegetação no local desde longa data e estando presente toda uma infraestrutura no Distrito, com rede de esgoto, pavimentação de ruas, energia elétrica e água potável.
2 – A revisão do Zoneamento Ecológico Econômico (Decreto nº 070/2007) da Área de Preservação Ambiental do Município de Alto Paraíso (cujo nome anterior, logo depois da emancipação política de Umuarama, era Vila Alta), permitiu, expressamente, a construção de residências fixas/de veraneio em terrenos/loteamentos já parcelados e legalizados, obedecendo aos padrões e a taxa de ocupação do lote, estabelecido pelo Plano Diretor ou Zoneamento Urbano específico.
3 – Conforme o novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), Art. 65, Na regularização fundiária de interesse específico dos assentamentos inseridos em área urbana consolidada e que ocupam Áreas de Preservação Permanente não identificadas como áreas de risco, a regularização ambiental será admitida por meio da aprovação do projeto de regularização fundiária, na forma da Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009.
4 – Cumpre à Administração Pública local, com o auxílio dos órgãos ambientais, dar início ao processo de regularização fundiária dessa área urbana consolidada, inclusive, com a exigência de eventuais condicionantes ambientais, como o recuo das edificações à distância compatível com a legislação ambiental, respeitadas as características da localidade, a fim de garantir a preservação do meio ambiente para as futuras gerações.
5 – Não se exime a parte ré, em ulterior processo de regularização fundiária daquela área urbana consolidada, de se submeter às eventuais condicionantes impostas pelos órgãos ambientais ao exercício de seu direito de moradia e lazer no imóvel, inexistindo direito adquirido à degradação ambiental.
(5005829-42.2012.4.04.7004, 3ª T., Rel. Ac. Des. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, 14-10-2015).
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EDIFICAÇÃO. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DEMOLIÇÃO. INVIABILIDADE. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. DANO E DESEQUILÍBRIO ECOLÓGICO NÃO CONSTATADOS.
1 – Não há como acolher a pretensão autoral quando o conjunto probatório não evidencia a relação de causalidade entre eventuais alterações ambientais em Área de Preservação Permanente (não comprovadas faticamente) e a edificação, pelos requeridos, de uma única unidade imobiliária em região urbanizada há anos, na forma reconhecida por autoridades municipais (Prefeitura Municipal de Alto Paraíso/PR).
2 – O princípio da proporcionalidade orienta o rechaço da pretensão de desocupação e destruição de moradia fixada há tempos no entorno do Parque Nacional de Ilha Grande, notadamente porque inexistente comprovação de efetivo dano ambiental decorrente da presença da casa e dos moradores na localidade.
Apelações improvidas. (AC nº 5000199-39.2011.404.7004/PR, 3ª Turma, Rel. Des. Federal Fernando Quadros da Silva, julgado em 28/04/2015)
Nesse diapasão, verifica-se que a decisão proferida pelo Juízo a quo não merece qualquer reproche, devendo ser mantida, em todos os seus termos.
Em face do disposto nas súmulas 282 e 356 do STF e 98 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não contraria nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestionadas pelas partes.
Ante o exposto, voto por negar provimento às apelações.
É o voto.