Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto em face de decisão proferida em ação civil pública, nos seguintes termos:
Trata-se de ação civil pública ajuizada conjuntamente pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público Estadual em face do réu, a qual construiu e vem administrando marina em área de preservação permanente, às margens de corpo hídrico, sem autorização do órgão ambiental.
Antes de contestado o feito, o Ministério Público Federal opinou pela incompetência do Juízo Federal para processar e julgar a demanda, requerendo a declinação da competência à Justiça Comum Estadual Paranaense (evento 1, PET8, p. 79 e ss).
O parecer foi acolhido, tendo sido declinada a competência para o Juízo Estadual (evento 1, PET8, p. 92 e ss), ante a ausência de legitimidade passiva ou ativa de qualquer dos entes federais.
Remetidos os autos ao Juízo declinado, promoveu-se a intimação da União, a qual manifestou interesse em integrar a demanda, por entender que o fato de ser titular do domínio sobre a área discutida, que é terreno de marinha, já configura seu interesse na demanda.
Argumentou, ainda, que é sua responsabilidade velar pelo meio ambiente em todos os níveis, obrigação que tem assento constitucional.
O Ministério Público do Estado opinou pela devolução do feito à Justiça Estadual.
Em razão desta manifestação, o Juízo declinado devolveu o feito, por entender que o interesse da União determina a competência do Juízo Federal para julgamento da lide.
Apesar do interesse genérico manifestado pela União na causa, em razão de que a área discutida estar inserida em faixa de marinha e próxima a manguezais (evento 1, INIC7, p. 162), o que se observa é que o ente federal não ostenta interesse jurídico na causa, na medida em que a competência licenciatória, no caso, não lhe pertence, diante do disposto no art. 7º, parágrafo único da Lei Complementar nº 140/11:
‘Art. 7º.(…) Parágrafo único. O licenciamento dos empreendimentos cuja localização compreenda concomitantemente áreas das faixas terrestre e marítima da zona costeira será de atribuição da União EXCLUSIVAMENTE nos casos previstos em tipologia estabelecida por ato do Poder Executivo, a partir de proposição da Comissão Tripartite Nacional, assegurada a participação de um membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade ou do empreendimento’ (destacou-se).
Note-se que não se está aqui a afastar a competência fiscalizatória da União no que tange à proteção ambiental, a qual é garantida pela própria Constituição Federal. E a Lei Complementar nº 140/11 também não o fez. Contudo, não se pode confundir competência fiscalizatória com a atribuição de licenciamento ambiental.
Por tal razão, inclusive, pode-se afirmar que a ‘mens legis’ da Lei Complementar nº 140/11 não foi a de restringir o poder de polícia dos órgãos federais; antes, buscou fixar normas de cooperação entre os entes, para uma melhor efetividade na proteção ambiental. Isso se observa, inclusive, no teor do art. 17, § 3º do referido diploma legal, segundo o qual a competência para licenciar
‘não impede o exercício pelos entes federativos da atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legislação ambiental em vigor, prevalecendo o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização a que se refere o caput’.
Em outras palavras: a competência para licenciar não retira a competência dos demais entes federados para exercer a fiscalização constitucionalmente garantida.
Contudo, se o critério fixador da competência para julgamento da causa fosse exclusivamente a atribuição fiscalizatória do ente federal, sua presença seria exigida em toda e qualquer demanda que versasse sobre questões ambientais que envolvessem áreas de sua propriedade, o que, por certo, é inviável.
Ademais, não se pode descurar que o presente feito versa principalmente sobre a ausência de licenciamento ambiental para construção e operação de marina às margens de corpo hídrico localizado na zona costeira.
Assim, não obstante a indiscutível competência fiscalizatória da União, deve-se ressaltar, como inclusive já constou da decisão declinatória da competência, que não é atribuição do ente federal o licenciamento da obra discutida no feito.
Tal conclusão se extrai da própria Lei Complementar nº 140/11, segundo a qual, conforme dispositivo reproduzido acima, o licenciamento de empreendimentos localizados concomitantemente em áreas das faixas terrestre e marítima da zona costeira será de atribuição da União exclusivamente nos casos previstos em tipologia estabelecida por ato do Poder Executivo, a partir de proposição da Comissão Tripartite Nacional.
A este propósito, julgo oportuno reproduzir o seguinte excerto da cota ministerial constante do evento 1, INIC7, p. 101 (repisada na decisão declinatória da competência – evento 1, INIC7, p. 108 e ss):
‘…se não há, até o momento, tipologias fixadas por ato do Poder Executivo (a partir de proposição da Comissão Tripartite Nacional), e a Lei Complementar que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis atuará ‘exclusivamente’ nesses casos, então, até que ingresse no mundo jurídico essa relação de hipóteses especiais, o IBAMA não é competente para o licenciamento de nenhum empreendimento cuja localização compreenda, concomitantemente, áreas das faixas terrestre e marítima da zona costeira.
Desta forma, a partir do momento em que a União ou qualquer das suas entidades não possui competência administrativa para licenciar o empreendimento, deixou de incidir o art. 109, inciso I da Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988, lembrando que a competência cível da Justiça Federal para julgar ações civis públicas é absoluta e ‘ratione personae’.’
Finalmente, cumpre destacar que a Resolução CEMA nº 40, de 26/08/2013, que dispõe sobre o licenciamento ambiental de empreendimentos náuticos localizados nas margens e nas águas interiores e costeiras do Estado do Paraná assim dispõe:
‘Considerando que a proteção do meio ambiente é um dever do Poder Público Estadual, conforme dispõe o art. 207, § 1º, da Constituição Estadual do Parana; (…)
Considerando o contido na Política Nacional de Meio Ambiente – Lei Federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, e nas resoluções CONAMA de nº 01/1986 e 237/1997, os quais disciplinam o Sistema de Licenciamento Ambiental, estabelecendo procedimentos e critérios, visando à melhoria contínua e o aprimoramento da gestão ambiental; (…)
Considerando que a competência concorrente dos Estados-Membros para legislar sobre a proteção do meio ambiente e suas formas de poluição, conforme determina o art. 24, da Constituição Federal do Brasil, permite aos Estados editar normas mais protetoras do meio ambiente em relação às normas federais;
Considerando os objetivos institucionais do Instituto Ambiental do Paraná – IAP estabelecidos na Lei Estadual nº 10.066, de 27 de julho de 1992 (com as alterações da Lei Estadual nº 11.352, de 13 de fevereiro de 1996). (…)
Art. 2º Para efeito desta Resolução, considera-se:
II – Autorização ambiental ou florestal: ato administrativo discricionário pelo qual o IAP estabelece condições, restrições e medidas de controle ambiental ou florestal de empreendimentos ou atividades específicas, com prazo de validade estabelecido de acordo com a natureza do empreendimento ou atividade, passível de prorrogação, a critério do IAP;
Referida resolução estabelece, ainda, que cumpre ao Instituto Ambiental do Paraná a expedição das licenças ambientais, desde a Licença Prévia até a Licença de Operação, dentre outras, conforme disposto no art. 3º.
Portanto, indubitável a competência do órgão ambiental estadual, o IAP, para licenciamento ambiental de empreendimentos náuticos localizados nas margens e águas interiores e costeiras do Estado do Paraná, sendo, portanto, desnecessária qualquer ingerência do órgão ambiental federal.
Diante do exposto, não se vislumbra interesse da União na presente demanda, razão pela qual este Juízo é absolutamente incompetente para apreciá-la.
Ante o exposto, declaro ausente o interesse da União na presente demanda, e consequentemente a incompetência da Justiça Federal para julgamento da presente lide.