AMBIENTAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DANO AMBIENTAL. DEMOLIÇÃO DE EDIFICAÇÃO. PRAD. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE.
- Comprovados os danos causados ao meio ambiente com a edificação, erigida em um ecossistema especialmente protegido, sendo que a área em questão também possui valioso patrimônio arqueológico, mantém-se sentença que condenou à demolição do imóvel e à realização do pertinente PRAD, não havendo falar na sua regularização.
- O desfazimento da obra e a recuperação ambiental, por si só, já se revelam suficientemente gravosos, razão pela qual, em homenagem aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, a fixação cumulativa de pena pecuniária como forma de indenização complementar somente é cabível em casos excepcionais, ante a impossibilidade de recuperação da área ou as peculiaridades do caso concreto. Precedentes jurisprudenciais deste Regional.
(TRF-4 – AC: 50023707520124047216 SC 5002370-75.2012.4.04.7216, Relator: ROGERIO FAVRETO, Data de Julgamento: 01/06/2021, TERCEIRA TURMA)
RELATÓRIO
Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo MPF em face de Michel Elias Badin, o objetivando a demolição de construção e recuperação do ambiente degradado na Praia da Galheta em Laguna/SC.
A decisão do evento 3 determinou a colocação de placa indicativa da existência da demanda em frente ao imóvel, comprovada no evento 18.
A parte ré interpôs o agravo de instrumento nº 50037822420134040000 contra a decisão liminar, o qual restou improvido por esta Turma.
Sobreveio sentença que ratificou a liminar e julgou parcialmente procedente a demanda, nos seguintes termos:
“III. DISPOSITIVO.
Ante o exposto, RATIFICO a decisão liminar que determinou a colocação e manutenção de placa e JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS, com fundamento no art. 487, I, do CPC/15, para condenar Michel Elias Badin a proceder ou custear:
a) a demolição total da edificação e remoção dos entulhos; e
b) a recuperação total do dano ambiental causado à área especificada na exordial, por meio do pertinente Projeto de Recuperação de Área Degradada – PRAD, observadas as exigências técnicas do órgão ambiental competente, a fim de que a área retorne ao status quo ante.
Condeno a parte ré, sucumbente na maior parte (art. 21, parágrafo único, do CPC/73), ao pagamento das custas processuais.
Descabida a condenação no pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais em favor do MPF (STF, RE 428.324/DF; STJ, EREsp. 895530/PR).
Publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.
Ciência ao expert do pagamento dos honorários periciais (evento 187).
Sentença não sujeita à remessa necessária.
Na hipótese de interposição de recurso tempestivo, acompanhado do recolhimento das custas processuais respectivas (sendo o caso), intime-se a parte contrária para apresentar contrarrazões e, após, remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Intimada pessoalmente para o cumprimento da sentença, deverá a parte ré, no prazo de 90 dias, comprovar a demolição da edificação, a remoção das ruínas e entulhos e a apresentação do PRAD ao órgão competente, a ser indicado pelo MPF, sob pena de multa diária a ser definida por ocasião do cumprimento da sentença, sem prejuízo de outras medidas coercitivas a serem estabelecidas na fase de execução, se necessário for.
O IPHAN deverá ser previamente notificado do prazo concedido à parte ré para demolição e remoção dos entulhos, a fim de que, querendo, acompanhe os trabalhos, conforme sugerido no Relatório de Vistoria nº 01/2013 daquela autarquia, ante a possibilidade de os trabalhos revelarem a presença de vestígios arqueológicos.
O órgão ambiental competente terá prazo de 60 dias para analisar o PRAD e aprová-lo, comunicando pessoalmente o executado na via administrativa. Uma vez aprovado o PRAD, a parte ré deverá iniciar a recuperação em até 60 dias após aprovado, comprovando-a nos autos.
O órgão ambiental competente acompanhará os trabalhos de execução e expedirá relatório final, remetendo-o ao juízo em até 30 dias após o término da recuperação.
Eventuais divergências na elaboração e execução do PRAD deverão ser dirimidas administrativamente junto ao órgão ambiental competente, sem necessidade de intervenção do juízo.”
Apelaram o MPF e o réu.
Afirma o Ministério Público que é necessária a fixação de indenização pelos danos causados ao meio ambiente, de caráter pedagógico, sob pena de estímulo à degradação. Alega que a condenação haveria de ser superior ao benefício econômico obtido com a degradação. Assevera que o dano de uma residência de veraneio vai além de sua existência, pois a presença de uma incentiva novas ocupações. Sustenta que é possível a cumulação das obrigações de (não) fazer e de indenizar previstas no art. 3º da Lei nº 7.347/85.
Michel Elias Badin, em suas razões, requer:
1. Prescrição.
Sustenta a ocorrência de prescrição. Alega que, embora a Lei nº 7.347/85 silencie quanto ao prazo prescricional para a propositura de ação civil pública, as pretensões por sua via deduzidas submetem-se à regra da prescrição quinquenal.
2. Agravo retido. Laudo pericial.
Requer a apreciação do agravo retido no evento 34, contra o indeferimento da substituição do perito, sustentando que a controvérsia fixada nos autos originários trava-se precipuamente no campo da geologia e da geomorfologia, áreas incompatíveis com o exercício das atividades próprias de engenheiro civil.
Sustenta que o perito asseverou que a edificação existe no local desde o ano de 1990, ou seja, há mais de 25 (vinte e cinco) anos. Refere que o perito salientou que “[…] pelo ponto de vista técnico-ambiental, é plausível que se possa mitigar parte dos danos, principalmente aqueles promovidos pela introdução e a manutenção das espécies vegetais exóticas, com ações de combate e extração, por exemplo. Entretanto, é válido deixar esclarecido que esta seria apenas uma tentativa de se atenuar um dos danos, não extingui-lo; requer também estudos específicos a fim de avaliar os danos coletivos pela urbanização informal da região”.
3. Mérito.
Requer a reforma integral da sentença, por irretroatividade das normas em detrimento do direito à moradia e à propriedade, aplicação da Lei nº 13.465/17 para regularização do imóvel, inexistência de dunas ou restinga no local,e porque não teria havido dano ambiental.
Apresentadas contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
Em parecer, manifestou-se o Ministério Público Federal, nesta instância, pelo desprovimento do agravo retido e da apelação do réu, bem como pelo provimento da apelação do autor
Vieram os autos para julgamento.
Em 21/06/2018, realizou-se Audiência Pública por mim presidida, com a participação de membros do MPF, MP Estadual, ICMBio, FATMA, AGU, SPU, APA Baleia Franca, Associações de moradores e pescadores, nas instalações da Câmara de Vereadores de Laguna/SC, para tratar da situação da Praia da Galheta.
É o relatório.
VOTO
1. Prescrição. Inocorrência.
Não há que se falar em transcurso do quinquênio prescricional no presente caso, já que se trata, em tese, de infração permanente, representada pela manutenção de imóvel em APP, que cessaria apenas com a recuperação da área degradada, ainda não realizada.
Ou seja, é justamente a manutenção do imóvel em APP que causaria dano ao meio ambiente, pela indevida alteração da paisagem e das características naturais de local em que a edificação é proibida.
Assim, evidente que se enquadra o caso em apreço na hipótese de infração permanente ou continuada prevista na parte final do caput do art. 1º da Lei nº 9.873/99.
Ressalta-se, ainda, que a determinação de recuperação do dano ambiental através de PRAD tem caráter difuso e autônomo e, por este motivo, não se sujeita à prescrição ou decadência. Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INFRAÇÃO AMBIENTAL.
A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Caput do art. 300 do novo CPC.
Na hipótese, não restou demonstrada em sede de cognição sumária a probabilidade do direito invocado, devendo ser aguardada a instrução do feito, em homenagem ao princípio do contraditório.
Destaque-se que a autuação realizada em 21/03/2014 imputa ao autor a prática da conduta de ‘causar dano à Área de Proteção Ambiental da Baleia Franca pela manutenção de edificação de 0,0158 ha (158,29 m²), construída em Área de Preservação Permanente’ (evento 1/PROCADM3), o que, em primeira análise, constitui infração ambiental de efeitos permanentes, não se cogitando de prescrição.
(TRF4, AG 5009685-98.2017.4.04.0000, TERCEIRA TURMA, Relator ROGERIO FAVRETO, juntado aos autos em 04/09/2017)
ADMINISTRATIVO. DANO AMBIENTAL. TRANSPORTE E COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTO DE PESCA ILEGAL. MULTA. CITAÇÃO EDITALÍCIA. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. MINORAÇÃO DA MULTA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA.
Efetuadas diligências nos endereços apontados durante a instrução processual como sendo da parte ré, e não localizada a demandada, possível a citação editalícia. Cumpre destacar não ser indispensável o esgotamento absoluto dos todos os meios possíveis para localização do demandado, para justificar-se a citação por edital.
É imprescritível o pedido de reparação de dano ambiental. O dano ambiental se perpetua no tempo, atingindo bens de uso comum do povo e essenciais à qualidade de vida, desta e das futuras gerações (artigo 225 da Constituição Federal), não se constituindo em dano de ordem patrimonial.
Comprovadas, nos autos, as condutas perpetradas pelos réus, quais sejam: transporte e comercialização de camarão, produto de pesca ilegal, com acerto o enquadramento das condutas no artigo 19, caput, e inciso III, do Decreto 3.179/1999, vigente na época dos fatos.
Não há falar em minoração da multa, a qual fora aplicada de forma proporcional ao dano causado, como forma pedagógica e repressiva, a fim de coibir a conduta ilícita ambiental e está de acordo com o disposto no artigo 19, do Decreto 3.179/99, vigente na data dos fatos.
(TRF4, AC 5005460-48.2012.4.04.7101, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 22/09/2017)
Ora, tratando-se de lesões continuadas (cuja execução se protrai no tempo), como é o caso da edificação em APP, que impede continuamente a regeneração do meio ambiente, descabe sequer cogitar-se de prescrição das medidas tendentes à cessação dos danos ambientais e à recuperação do status quo ante, como é a de que ora se trata.
Encontra-se sedimentado na jurisprudência do e. Superior Tribunal de Justiça que a ação de reparação do dano ambiental é imprescritível (v.g., AgRg no REsp 1.421.163/SP; AgRg no REsp 1.150.479/RS; REsp 1.120.117/AC) e que não há direito adquirido a poluir ou degradar o meio ambiente (v.g. REsp 1.172.553/PR; AgRg no REsp 1367968/SP; EDcl nos EDcl no Ag 1323337/SP).
No caso concreto, há dúvidas relevantes acerca das questões técnicas aqui debatidas, com a necessidade de produção de prova pericial em juízo. Senão, vejamos.
Primeiramente, insta referir que restou produzida prova técnica pericial em juízo. Há, porém, agravo retido no ponto, concernente à sua insuficiência.
Entretanto, tais elementos produzidos pelas próprias partes são inerentemente imbuídos de certa dose de subjetividade e parcialidade. Seu sopesamento no presente caso envolve dificuldades atinentes ao grande nível de complexidade dos conceitos técnicos e dos elementos locais envolvidos.
Outrossim, é relevante apontar que foi realizada Audiência Pública na Câmara de Vereadores de Laguna/SC em meio às tratativas de conciliação. Tal Audiência Pública contou com ampla participação da sociedade e de diversos órgãos e instituições, ocasião na qual a fragilidade probatória dos presentes autos quedou-se ainda mais evidente, uma vez que foram apontados elementos ausentes nos presentes autos que dependem de prova técnica individualizada e imparcial para elucidação.
Com tal menção, importa referir, não se está a violar o princípio da confidencialidade da mediação, previsto no art. 166, §§ 1º e 2º do CPC. Ao contrário: menciona-se a realização de Audiência Pública, na qual presidi, e que restou amplamente divulgada e veiculada.
Tendo sido oportunizada a oitiva das mais diversas gamas de autoridades e de representantes da sociedade envolvidos na presente discussão, aventou-se que, para a hipótese de continuidade e êxito das tratativas conciliatórias, seria necessária a realização de estudo abrangente a ser realizado por equipe constituída em sua maioria pelo Laboratório de Gerenciamento Costeiro (LABGERCO/CECO/IG/UFRGS), do Centro de Estudos de Geologia Costeira e Oceânica, pertencente ao Instituto de Geociências da UFRGS, com a participação também do Dr. Eduardo Marques Martins, da UFSC, o qual explicou tais trabalhos na referida Audiência Pública.
Ao serem debatidas as finalidades e os obstáculos na concretização de tal estudo, foi informado pelo Dr. Eduardo Marques Martins que o grupo desenvolve desde 2012 um trabalho sobre Jaguaruna, a qual possui problemas muito semelhantes com a região da Galheta, ora sub judice (roteiro metodológico disponível em: http://www.spg.sc.gov.br/visualizar-biblioteca/acoes/gerco/979–222/file).
Segundo ele, em Jaguaruna a pesquisa buscou avaliar a problemática e propor manejos vinculados a cada conflito. Foram levantadas três questões. Uma vinculada ao arcabouço teórico-conceitual (questão econômica e cultural); uma outra questão avaliando especificamente como a biodiversidade se relaciona com a geodiversidade; e o ICLA, que é o Índice de Criticidade Legal-Ambiental, que avalia elementos ambientais e legais em um mesmo índice pra dar qualidade aos conflitos, ou seja: será que todos conflitos são iguais? Ou o mesmo conflito é igual em lugares diferentes?
Assim, percebe-se, na espécie, fragilidade probatória, uma vez que, segundo aventado concretamente por grupo técnico com experiência em região de características semelhantes, há relevantes elementos a serem sopesados que encontram-se absolutamente ausentes dos autos, tais como se encontram neste momento.
Ora, não houve identificação e qualificação do presente conflito.
Não há certeza de que o conflito acontecendo em torno da construção objeto destes autos é idêntico ao dos imóveis vizinhos. Ao mesmo tempo em que aspectos técnicos ambientais, geológicos e arqueológicos (presença ou ausência de sambaquis) devem necessariamente ser individualizados de imóvel para imóvel, há também outras questões a serem consideradas, as quais somente podem ser avaliadas em exame abrangente: a avaliação qualitativa, que analisa a questão socioeconômica, a questão ambiental, da biota e da geodiversidade.
Cumpre destacar que a principal alegação do Autor quanto as violações ambientais diz respeito que as edificações interferem na “movimentação das dunas”. Por óbvio, que esse aspecto ambiental – não obstante a necessidade de aferição técnica – deve variar de um local para outro da construção, receber restrição apenas parcial na praia em comento. Isso, só reforça a necessidade de perícia técnica individualizada, com apreciação também do conjunto da urbanização e a possibilidade ou não eventuais alternativas de mitigação diante da medida drástica demolitória.
Por fim, foram propostas enquanto recomendações de manejo a definição e detalhamento de ações baseadas na dinâmica costeira e de aspectos biológicos e sociais observados, com sugestões/modos de intervenção.
Isto é: cabe ao autor o ônus da prova constitutiva de seu direito (art. 373, I, do CPC). Impõe-se à parte autora o dever de demonstrar suficientemente suas alegações.
Com isso, passa-se à parte ré o ônus de comprovar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (art. 373, II, do CPC).
Quando da realização da mencionada Audiência Pública, aventou-se a possibilidade sólida e coerente de haver, no presente caso, grave fragilidade probatória, capaz de prejudicar a realização do juízo de mérito.
Ademais, na mesma ocasião foram levantados diversos outros aspectos da região que merecem consideração e que devem ser sopesados inclusive quando da elaboração da prova técnica.
Cito, entre eles, questões de ordem predominantemente socioeconômicas, mas também relacionadas com a preservação ambiental – isto é, com a busca do meio ambiente socialmente equilibrado.
Deve-se ter presente que, atualmente, a Praia da Galheta é composta por dezenas de edificações residenciais. Sabe-se o MPF tem adotado a postura de ingresso com ações individualizadas, contra cada proprietário, a exemplo desta que ora se encontra em julgamento.
Todavia, pelas razões acima demonstradas, deve-se ter presente que o problema transcende à individualidade do caso concreto, pois um juízo individual neste caso por vir a servir como norte em outros julgamentos, partindo de uma análise individualizada, para se chegar a uma solução para o todo, tolhendo o órgão jurisdicional de uma visão integral da problemática envolvida.
Esse é o risco que se corre quando se lança mão da tática processual de ajuizamento de ações individuais em situações complexas e que necessitam de uma análise integral da questão.
3. Meio ambiente socialmente equilibrado. Ausência de elementos probatórios nos autos.
Constata-se, ademais da insuficiência probatória referente aos aspectos técnicos individuais do imóvel específico referente aos presentes autos, também questões de cunho socioambiental que foram largamente ignoradas ao decorrer da instrução probatória, e que são essenciais à lide.
São as questões atinentes ao meio ambiente socialmente equilibrado na região.
Ora, trata-se de região costeira, em município pobre, com presença de pescadores artesanais e de catadores de lixo cujo sustento potencialmente seria afetado por este processo, qualquer que seja seu resultado.
Sabe-se que a preocupação ambiental é de primeira monta, e que ao longo da costa daquela região os problemas ambientais persistem, porém não há que se descartar, sem análise detida, o cabimento de medidas de mitigação que potencialmente permitiriam a manutenção da fonte de renda de famílias graças à presença de veranistas, sem implicar prejuízo desproporcional ao meio ambiente.
Isto é: a ausência de perícia realizada nos termos acima descritos na região impede até mesmo a avaliação de benefícios e riscos de cada possível resultado do presente processo: a manutenção da edificação sem e com contrapartidas e/ou medidas de mitigação, ou ainda a sua demolição.
Tal juízo de proporcionalidade é absolutamente impossível sem que se possa mensurar as consequências positivas e negativas de cada possível solução da lide.
No estudo da proporcionalidade, individualmente, caso a caso, impõe-se obter os dados e considerar cuidadosamente a pertinência de cada medida, lembrando-se da situação socioeconômica das famílias da região, que dependem dos veranistas para seu sustento e até mesmo para a preservação da qualidade ambiental da praia ali situada, sob risco de depredação por abandono, ante a incapacidade do poder de polícia do Município.
Assim, tenho que deva ser complementado o conjunto probatório, uma vez que demonstrado, pela comunidade local, o caráter essencial da presença das construções para o seu sustento.
Com isso não se está, de um lado, a descartar a possibilidade de que tal exame de proporcionalidade e razoabilidade indique a inevitabilidade de eventual medida de demolição da edificação, caso a prova pericial conclua nesse sentido.
Pelo contrário, com vias a garantir o melhor equilíbrio ambiental na região, é possível reconhecer, também, que as características socioeconômicas do local devem ser avaliadas com vias à realização de melhor juízo de proporcionalidade de cada possível provimento para a proteção da Praia da Galheta em prol do meio ambiente socialmente equilibrado.
Para tanto, conforme referido, é necessária a produção da prova pericial referida nos termos do item anterior, de forma que aponte as possíveis consequências de um cenário de demolição da construção, comparando-a com o cenário de adoção de medidas de mitigação, para que seja possível a realização de tal juízo, o qual é inviável no estado em que o processo se encontra.
4. Conversão do julgamento em diligência.
As circunstâncias mencionadas configuram deficiência na instrução probatória, já que não há elementos de prova suficientemente aptos à formação da convicção do juízo quanto às consequências de eventual manutenção ou demolição da construção, sob diversos prismas, o que, como se viu, encontra-se ausente dos presentes autos.
Entendo como inafastáveis tais providências.
Em sendo assim, ante a fundamentação acima, deve ser anulada a sentença “a quo” para que seja oportunizada a nova produção de prova pericial imparcial em juízo, com o objetivo de suprir deficiências relevantes para a instrução processual.
No mesmo sentido, recente precedente desta Turma:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. OCORRÊNCIA. EFEITOS INFRINGENTES. EXTENSÃO DA FAIXA DE DOMÍNIO. ESBULHO POSSESSÓRIO.
1. São cabíveis embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; suprir omissão ou corrigir erro material, consoante dispõe o artigo 1.022 do CPC.
2. Os embargos de declaração têm o propósito de aperfeiçoar o julgado, não de modificá-lo, o que se admite apenas em casos excepcionais, quando é possível atribuir-lhes efeitos infringentes, após o devido contraditório (artigo 1.023, § 2º, do CPC).
3. Hipótese em que somente por meio de análise e medição precisa, produzida por agente capacitado e não vinculado às partes é que se poderia formar juízo de certeza quanto à metragem e à invasão ou não da faixa de domínio.
4. Providos os embargos, atribuindo-se efeitos infringentes para que seja acolhida a preliminar de cerceamento de defesa e anulada a sentença, com a remessa dos autos ao juízo de origem, em diligência, para a produção de perícia técnica, essencial para a elucidação da questão.
(TRF4, AC 5009801-46.2014.4.04.7102, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 12/11/2019)
Cito, por oportuno, o entendimento desta Corte:
ADMINISTRATIVO. DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO ORDINÁRIA QUE PRETENDE A DEMOLIÇÃO DE OBRA EDIFICADA PELO PARTICULAR EM TERRENO DE MARINHA E APP. AGRAVO RETIDO QUE POSTULA A REALIZAÇÃO DE PERÍCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE DO PROCESSO. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA.
1. Para chegar à conclusão de que se trata de área de dunas, não são suficientes as informações e vistorias produzidas pelo autor da ação e pelo IBAMA para embasar decisão que determina a demolição da construção. 2. Ocupação regular porque inscrita junto à SPU.
3. Agravo retido a que se dá provimento, para anular a sentença e determinar o retorno dos autos à origem para elaboração de nova perícia, ficando prejudicado, por ora, o exame da apelação.
(TRF4, AC 5006770-71.2012.4.04.7204, QUARTA TURMA, Relatora SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, juntado aos autos em 25/02/2016)
DIREITO AMBIENTAL. RECURSOS MINERAIS. ARGILA E SAIBRO. EXTRAÇÃO ILÍCITA DE MINÉRIO. EXPLORAÇÃO IRREGULAR DA LAVRA. RECUPERAÇÃO AMBIENTAL. INICIAL APTA. PONTOS CONTROVERTIDOS – NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. DEVOLUÇÃO DOS AUTOS PARA PROCESSAMENTO.
1. A exordial que instrui a ação civil pública em apreço se mostra apta para pleitear a adequada tutela dos direitos e interesses difusos e coletivos relacionados ao meio ambiente.
2. Procede a alegação de cerceamento de defesa e nulidade da sentença para que se processe o feito com a realização de perícia.
4. Sobre o ilícito indenizável, ao contrário do lançado na sentença proferida, entendo plenamente possível a pretensão de ressarcimento do erário em razão de extração irregular de mineral – bem da União, nos termos do art. 20, IX, da Constituição Federal – por meio de ação civil pública.
5. Fixada a higidez da inicial, a possibilidade da pretensão indenizatória e de realização de perícia para os fins postulados, impõe-se ser caso de afastar a conclusão adotada pelo julgador de origem para processamento do feito com dilação probatória acerca dos pontos controvertidos.
(TRF4, AC 5009544-11.2011.4.04.7204, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D’AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 27/01/2016)
5. Conclusão.
Afastada a preliminar de prescrição. Constatada a fragilidade do conjunto probatório, na espécie.
Observa-se que, para a solução da lide, é imprescindível a realização de nova prova pericial submetida ao contraditório, no bojo do processo judicial, a fim de elucidar as questões controvertidas, salientando que não são suficientes os elementos que constam dos autos. Prova pericial esta que se mostra essencial na busca da verdade com a finalidade de, ao final, seja proferida uma decisão de mérito justa.
Impõe-se assim a conversão do julgamento em diligência, determinando-se a baixa dos autos à origem para reabertura da instrução probatória, especificamente para a realização de prova pericial ou estudo nos moldes apresentados durante a audiência pública citada.
6. Dispositivo.
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação da parte ré e dar provimento a seu agravo retido para anular a sentença, determinando a baixa dos autos à origem para reabertura da instrução probatória, prejudicado o apelo do MPF.