CRIME AMBIENTAL. ART 46, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 9.605/98. TRANSPORTE DE LENHA. MATERIALIDADE NÃO COMPROVADA. SENTENÇA CONDENATÓRIA REFORMADA. Em matéria ambiental penal não é qualquer madeira que não pode ser usada para fins comerciais e/ou industriais, apenas as especialmente protegidas. Neste sentido mostra-se indispensável a perícia técnica a fim de constatar se de fato as madeiras que o réu possuía são aquelas protegidas pela Lei Ambiental, prova essa que não veio aos autos, ensejando o provimento do recurso e a absolvição do acusado. RECURSO PROVIDO. (Recurso Crime Nº 71005676499, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Luis Gustavo Zanella Piccinin, Julgado em 23/05/2016).
(TJ-RS – RC: 71005676499 RS, Relator: Luis Gustavo Zanella Piccinin, Data de Julgamento: 23/05/2016, Turma Recursal Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 30/05/2016)
RELATÓRIO
Apela o réu da sentença que o condenou às penas de 8 meses de detenção, depois não substituída por restritiva de direitos ou sursis, e 10 dias-multa, pela prática do delito previsto no art. 46, caput e parágrafo único, da Lei 9.605/98, alegando insuficiência probatória.
O Ministério Público nesta instância recursal opina pelo desprovimento do recurso.
VOTO
Conheço do recurso, pois adequado e tempestivo.
Segundo a peça incoativa, o réu, no dia 09/09/2011, em Herval-RS, teria transportado, para fins de comercialização, sem licença outorgada pela autoridade competente, 2900 achas de lenha e 55 tocos para lareira, incorrendo dessa forma nas sanções do art. 46 da Lei 9.605/98.
A prova da materialidade do fato resume-se ao termo circunstanciado (fls. 08/09) e termo de apreensão e depósito (fl. 10), o primeiro referindo tratar-se possivelmente de lenha de acácia.
Durante a instrução foi ouvida uma testemunha arrolada pela acusação, duas arroladas pela defesa e foi procedido ao interrogatório do acusado.
A prova testemunhal foi assim examinada pela i. magistrada singular:
“Com efeito, quando da abordagem policial o réu informou haver cortado a lenha, que identificou como acácia, bem assim que a mesma seria destinada ao comércio (fl.08, verso) e, da mesma forma, que seria distribuída a familiares (fl., 09, verso). Alegou haver contratado Jamil Nunes Costa para efetuar o transporte do material, conforme atesta o boletim de ocorrência por ele firmado (fl. 10, verso). Em juízo, todavia, alterou a versão, sustentando que as lenhas e tocos teriam sido recebidas de terceiro e estariam sendo levadas à casa da sua mãe (mídia de gravação da fl. 142).
“Também perante os policiais militares que efetuaram a ocorrência, o motorista do caminhão, Jamir, confirmou haver sido contratado pelo réu para fazer o frete da madeira e, em juízo, afirmou que as lenhas seriam entregues a parentes de Alex (mídia de gravação da fl. 62).
Em audiência, esclareceu que foi contratado para auxiliar no corte e carregamento dos objetos, bem como que o réu vendia a madeira em questão “de porta em porta”, sendo que aquela que transportavam no dia da abordagem seria entregue na padaria do irmão de Alex, para fins de comercialização (mídia de gravação da fl. 132).
Essa é a prova produzida.
O réu foi denunciado pela prática do delito previsto no art. 46 da Lei Ambiental, pois transportava uma carga de lenha sem licença válida, sem identificar de que espécies se tratava. A única indicação, de que se tratava possivelmente de madeira de acácia, é a que consta no histórico do boletim de ocorrência, já que o auto de apreensão também não faz referência a esse respeito. Não houve nenhuma constatação técnica, por profissional capacitado, o que é absolutamente necessário pois diz com a própria materialidade da infração, o que não pode ser substituído por outra espécie de prova, na medida em que demanda especial conhecimento técnico.
Dessa forma há evidente ausência de materialidade do fato imputado ao acusado, haja vista que o simples boletim de ocorrência e o termo de apreensão e depósito realizado pela Brigada não é documento hábil a constar que a madeira apreendida é de fato a noticiada nos autos.
Indubitável, portanto, a necessidade de definição da espécie apreendida em poder do réu, prova esta que se fazia necessária, em respeito ao disposto no art. 159 do CPP, que tem aplicação subsidiária aos delitos ambientais, consoante preceitua o art. 79 da lei 9.605/98.
A respeito da necessidade da prova técnica, assim já decidiu monocraticamente o Min. Rogério Schietti Cruz, do e. Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ESPECIAL Nº 1.251.216-SC (2011/0097725-5). APELAÇÃO CRIMINAL – CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE – […]. IMPRESCINDIBILIDADE DA PERÍCIA TÉCNICA POR PROFISSIONAL HABILITADO – MATERIALIDADE NÃO EVIDENCIADA – TRANSPORTE DE LENHA SEM LICENÇA VÁLIDA PARA TODO O TEMPO DA VIAGEM (LEI N. 9.605/98, ART. 46, PARÁGRAFO ÚNICO) – CRIME PRÓPRIO – SUJEITO ATIVO DO DELITO CIRCUNSCRITO A AGENTES QUE EXERCEM ATIVIDADE COMERCIAL – INEXISTÊNCIA DE PROVAS NESSE SENTIDO – ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO NÃO CARACTERIZADO – ATIPICIDADE DA CONDUTA – ABSOLVIÇÃO IMPOSTA .
Por força do art. 158 do Código de Processo Penal, a materialidade de delitos que deixam vestígios só poderá ser atestada por meio de laudo pericial, não se permitindo suplantá-lo, nesta hipótese, por outros meios de prova, a fim de se formar corpo de delito indireto ( CPP, art. 167), uma vez que tal permissivo só é aplicável nos casos em que inexistirem ou desaparecerem as pistas do crime praticado.
Assim, não há como imputar ao acusado o crime ambiental previsto no art. 38-A, caput, da Lei n 9.605/98, quando ausente no caderno processual laudo técnico hábil a demonstrar se o dano ocorrido dera-se em área de Bioma Mata Atlântica, bem como inexiste certificação pericial da extensão do dano e da classificação científica da vegetação atingida, mormente se na hipótese a infração deixou vestígios.
Dentre os elementos constitutivos do tipo penal encontra-se o normativo, o qual “não se extrai da mera observação, sendo imprescindível um juízo de valoração jurídica, social, cultural, histórica, política, religiosa, bem como de qualquer outro campo do conhecimento humano” e é perceptível “sob a forma de expressões como ‘sem justa causa’, ‘indevidamente’, ‘documento’, ‘funcionário público’, ‘estado puerperal’, ‘ato obsceno’, ‘dignidade’, ‘decoro’, ‘fraudulentamente’ etc” (CAPEZ, Fernando, Curso de direito penal. Parte geral. 10. ed., São Paulo: Saraiva, 2006, p. 195).
Com base em tal elemento é que se caracterizam os crimes próprios, como o é aquele previsto no art. 46 da Lei de Crimes Ambientais, ante a indicação, no texto legal do caput, da existência de crime somente quando for recebida ou adquirida as res ali indicadas “para fins comerciais”, do mesmo modo que no parágrafo único do preceptivo está claro que para a caracterização da tipicidade devem ser praticadas as condutas delineadas “sem licença válida para todo o tempo da viagem ou do armazenamento, outorgada pela autoridade competente”, a ponto de se concluir que somente indivíduos que exercem atividade comercial podem ser sujeitos ativos desta espécie de ilicitude.
Diante disso, em se extraindo dos autos que o acusado possui a profissão de motorista e, em não havendo prova alguma que indique a destinação comercial da vegetação sob transporte sem a devida licença, reputa-se atípica a conduta àquele atribuída (Data da publicação: 30/05/2014).
Tal omissão impede a caracterização do próprio elemento material do fato ora em comento, ensejando a absolvição do acusado com base no art. 386, VII, do CPP.
Assim, pelas razões sobreditas, voto pelo provimento do recurso para absolver o réu das sanções descritas no artigo 46, caput e parágrafo único, da Lei 9.605/98, com fulcro no art. 386, VII, do CPP.