PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. INFRAÇÃO AMBIENTAL. TRANSPORTE DE ESPÉCIMES. RESPONSABILIDADE DE TERCEIRO.
Não se pode admitir que o agente tenha violado regra administrativa se, na hipótese, não lhe era possível evitar a ação de terceiro ou mesmo a força da natureza.
Não se exige a prova de que o infrator tenha desejado o resultado, mas é necessário que seja provada a voluntariedade do agente para realizar a conduta proibida pela regra administrativa.
(TRF-4 – AC: 50044184420104047000 PR 5004418-44.2010.4.04.7000, Relator: FERNANDO QUADROS DA SILVA, Data de Julgamento: 30/05/2012, TERCEIRA TURMA)
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação interposta contra sentença que julgou procedente os embargos à execução, extinguindo a execução fiscal que cobrava multa ambienta.
O IBAMA sustenta, em suma, que para a caracterização do ilícito ambiental atribuído ao apelado não é preciso que haja conluio ou efetiva participação com o proprietário das aves, pois o que não poderia ter sido feito é o transporte da mercadoria ilegal.
Diz que restou aparente que a carga não era legal, pois não havia documentos que a autorizassem. Afirma que o fato que resultou na prática de infração administrativa foi de prévio conhecimento do condutor do ônibus, razão pela qual o transporte dos animais, de forma ilegal, poderia ter sido evitado.
Entende que a multa administrativa aplicada foi correta e deve ser mantida sua exigibilidade, para que se evite a repetição de tais práticas por parte daqueles que podem e tem o dever de evitar o ilícito ambiental.
Apresentadas contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal. O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento da apelação. É o relatório.
VOTO
Em que pese os argumentos expendidos pela parte apelante, tenho que a r. sentença, da lavra do MM. Juiz Federal Nicolau Konkel Junior, apreciou com precisão a lide, merecendo ser mantida por seus próprios fundamentos, os quais adoto como razões de decidir (evento 30), in verbis: “(…)
II – Fundamentação
Com efeito, no caso em tela, em 27.05.2005, foi lavrada a ‘certidão de ocorrência ambiental nº 027/2º Pel PA/2005’, pelo 2º Pelotão de Polícia Ambiental do Rio Grande do Sul, pelo cometimento da seguinte infração: ‘Introduzir espécime animal (pássaros) no país sem parecer técnico oficial favorável e sem licença da autoridade competente e ainda, praticar maus tratos no transporte dos animais’. Relatou-se, ademais, que:
No dia 18 Maio 05, por volta das 00:20 horas, na BR-290, Km 713, município da cidade de Uruguaiana, no Posto da Polícia Rodoviária Federal, a guarnição de serviço em operação conjunta com o IBAMA, atenderam ocorrência de crime ambiental de introdução de animais (pássaros) no país sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes.
Os Militares Estaduais deslocaram até o Posto da Polícia Rodoviária Federal localizado na BR-290, Km 713, em apoio ao Fiscal do IBAMA, referente a uma denúncia de transporte de pássaros provenientes da Argentina em ônibus de viagem, no bagageiro do ônibus foi apreendido duas sacolas contendo oito gaiolas com 240 (duzentos e quarenta) pássaros aproximadamente, pássaros esses de espécies diversas, sendo o responsável pelos mesmos o Sr. RUBEM WALTER EYRAS LACOSTE (…).
O Sr. RUBEM alegou que embarcou no ônibus na Rodoviária de Uruguaiana/RS com destino a Porto Alegre/RS, onde entregaria os pássaros ao Sr. LOURIVAL, o qual iria lhe pagar no ato da entrega. Também foi constatado que haviam vários pássaros mortos dentro das gaiolas devido a superlotação (cerca de 30 pássaros) em cada gaiola.
Na sequência, foi a embargante autuada pelo IBAMA, mediante o Auto de Infração nº 147347, pelo suposto cometimento da seguinte conduta infracional:
‘Transportar no bagageiro do ônibus sacolas sem tickets, contendo 08 gaiolas com 240 pássaros da fauna silvestres, sem autorização do órgão ambiental competente’, indicado como tipo administrativo o constante do art. 11, § 1º, III, do Decreto nº 3.179/99, que assim prevê:
Art. 11. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:
Multa de R$ 500,00 (quinhentos reais), por unidade com acréscimo por exemplar excedente de:
I – R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por unidade de espécie constante da lista oficial de fauna brasileira ameaçada de extinção e do Anexo I da Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção-CITES; e
II – R$ 3.000,00 (três mil reais), por unidade de espécie constante da lista oficial de fauna brasileira ameaçada de extinção e do Anexo II da CITES.
§ 1º Incorre nas mesmas multas:
I – quem impede a procriação da fauna, sem licença, autorização ou em desacordo com a obtida;
II – quem modifica, danifica ou destrói ninho, abrigo ou criadouro natural; ou
III – quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente.
§ 2º No caso de guarda doméstica de espécime silvestre não considerada ameaçada de extinção, pode a autoridade competente, considerando as circunstâncias, deixar de aplicar a multa, nos termos do § 2º do art. 29 da Lei no 9.605, de 1998.
§ 3º No caso de guarda de espécime silvestre, deve a autoridade competente deixar de aplicar as sanções previstas neste Decreto, quando o agente espontaneamente entregar os animais ao órgão ambiental competente.
§ 4º São espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro ou em águas jurisdicionais brasileiras.
Apresentada defesa administrativa, foi homologado o auto de infração, com a multa majorada, a qual é cobrada na execução fiscal nº 2009.70.00.019579-5.
Pois bem. Na hipótese em tela, o ato combatido pela embargante foi a autuação procedida pelo IBAMA no exercício de seu poder de polícia, pelo fato da empresa embargante transportar espécimes da fauna silvestre sem a devida autorização. Assim, antes de mais nada, cumpre a análise acerca da responsabilidade ambiental administrativa.
Com efeito, o Direito Administrativo outorga poder sancionatório à Administração, o qual não se confunde com aquele previsto no Direito Penal.
Enquanto neste o dolo é ordinariamente exigido, naquele a culpa é de rigor, de modo que a culpa, diferentemente do Direito Penal, não precisa vir expressa.
Além disso, poder sancionatório administrativo tem caráter eminentemente preventivo, de tal maneira que é comum a definição de ilícitos ou infrações de perigo abstrato.
Não sendo aplicável a teoria da responsabilidade objetiva para as infrações administrativas (diferente da responsabilização no âmbito civil), há necessidade de que o infrator tenha agido com culpa para que seja procedente a aplicação de sanção desta espécie.
Obviamente que não se está a exigir a prova de que o infrator tenha desejado o resultado, mas é necessário que seja provada a voluntariedade do agente para realizar a conduta proibida pela regra administrativa.
Como diz Régis Fernandes de Oliveira, basta ‘o movimento anímico consciente capaz de produzir efeitos jurídicos. Não há necessidade da demonstração de dolo ou culpa do infrator; basta que, praticando o fato previsto, dê causa a uma ocorrência punida pela lei’ (Infrações e sanções administrativas. RT, 1985, p. 10).
Sem embargo, o próprio autor adverte: ‘Ninguém se obriga ao impossível. Deve assegurar-se de que não haverá infração aos deveres e obrigações impostos. Se a infração resulta de causa estranha – p. ex., ação de terceiros ou força da natureza – impossível evitar-lhe o evento, bem como inadmissível a escolha de outra conduta’ (ob. cit., p. 11).
De fato, não se pode admitir que o agente tenha violado regra administrativa se, na hipótese, não lhe era possível evitar a ação de terceiro ou mesmo a força da natureza.
Daí afirma Rafael Munhoz de Mello que ‘a finalidade preventiva só é atingida se do sujeito que sofre os efeitos da sanção fosse possível exigir conduta distinta da que foi praticada, evitando, assim, o resultado ilícito e típico alcançado’ (Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador. Malheiros, 2007, p. 178).
No caso em análise, conforme acima já mencionado, houve identificação expressa da pessoa responsável pelo transporte das aves irregulares como sendo Rubem.
Também é verdade que a pessoa responsável pelo ônibus poderia ter sido mais vigilante e notado a irregularidade, tendo em vista o tamanho da bagagem e supostas aberturas, com posterior comunicação à autoridade competente.
No entanto, por mais que teoricamente a conduta da empresa embargante tenha sido de efetivo transporte de espécimes da fauna silvestre, não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, estando devidamente inserida na descrição constante do art. 11, § 3º, do Decreto nº 3.179/99, não há qualquer demonstração de culpa por parte da empresa rodoviária. Ou seja, não está provada a vontade do agente em realizar a conduta proibida pela regra administrativa.
Portanto, não há que se falar em responsabilização administrativa da empresa Pluma Conforto e Turismo S/A no caso em tela, devendo ser anulado o Auto de Infração combatido e declarada inexigível a multa correspondente. (…)”
Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento à apelação.