APELAÇÃO CÍVEL – ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO – MULTA AMBIENTAL POR POLUIÇÃO – AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DOS EFETIVOS DANOS AMBIENTAIS – FIXAÇÃO DE MULTA SEM BASE EM CRITÉRIOS OBJETIVOS – VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E MOTIVAÇÃO – PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E MOTIVAÇÃO – AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE CONDUTA CULPOSA OU DOLOSA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
A imposição de multa ambiental pela prática de ato poluidor pressupõe a demonstração da ocorrência de danos tais que possam resultar em danos à saúde, ou que provoque a mortandade de animais ou a destruição significativa da biodiversidade.
O laudo técnico formulado, entretanto, não traz qualquer dado objetivo que demonstre a efetiva ocorrência dos danos ambientais nos moldes previstos em lei, já que não trata das consequências ao meio ambiente, limitando-se a informar, de maneira genérica, a existência de danos materiais em propriedades privadas.
Na mesma esteira, a legislação regente determina que a multa seja quantificada com base na unidade, hectare, metro cúbico, etc, de acordo com o objeto jurídico lesionado, não havendo, no laudo de constatação impugnado, a constatação efetiva da área afetada.
Violação aos princípios da motivação e legalidade caracterizados. Na esteira da recente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o sancionamento administrativo por dano ambiental depende da demonstração de atuação dolosa ou culposa.
5. Recurso conhecido e desprovido. (TJ-MS – APL: 08009519220178120021 MS 0800951-92.2017.8.12.0021, Relator: Des. Sideni Soncini Pimentel, Data de Julgamento: 11/12/2017, 5ª Câmara Cível, Data de Publicação: 13/12/2017)
RELATÓRIO
Trata-se de Ação Anulatória ajuizada pela Empresa de Saneamento visando a anulação de autuação efetuada por agentes do requerido, com aplicação de multa de R$ 90.000,00, por causar poluição, com a seguinte fundamentação:
“Causar poluição por vazamento de esgoto, escoado superficialmente por ruas de terra e adentrando nos Lotes onde são produzidos alimentos por produtores incluídos em programas da agricultura familiar. O esgoto também adentrou na APÁ (Área de Proteção Ambiental) do Jupiá criada pela Lei Municipal 2.411, de 15 de dezembro de 2009.”
O requerente se insurge contra a multa aplicada, informando a nulidade do auto de infração, por inexistência de laudo técnico que identifica a dimensão do dano, sendo omisso a respeito da indicação do tamanho em unidade de medida aplicável ao objeto jurídico lesado, o volume de efluentes vazado, ou quanto à análise físico-química e bacteriológica do efluente despejado, do solo ou das plantações supostamente afetadas.
O pedido foi julgado procedente para declarar a nulidade do auto de infração e multa n. 110/2015. Contra tal decisão recorre o Município de Três Lagoas, nos termos do relatório.
Tenho que o recurso merece ser desprovido.
Sem embargos, a multa aplicada busca amparo legislativo nos arts. 54 e 70, da Lei 9.605/98, regulamentadas pelo Decreto Federal n. 6.514/2008, que dispõem:
“Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora.
Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.”
“Art. 4º O agente autuante, ao lavrar o auto de infração, indicará as sanções estabelecidas neste Decreto, observando:
I – gravidade dos fatos, tendo em vista os motivos da infração e suas consequências para a saúde pública e para o meio ambiente;
II – antecedentes do infrator, quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental; e
III – situação econômica do infrator.
Art. 61. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da biodiversidade :
Multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais).
Parágrafo único. As multas e demais penalidades de que trata o caput serão aplicadas após laudo técnico elaborado pelo órgão ambiental competente, identificando a dimensão do dano decorrente da infração e em conformidade com a gradação do impacto.”
Como é cediço, a Administração Pública deve obediência ao Princípio da Legalidade sobre norma com fundamento constitucional que impõe ao administrador o dever de atuar exclusivamente nos moldes previstos em lei, donde decorre a garantia aos administrados de que qualquer restrição ao seu patrimônio ou à sua liberdade decorrem, mediatamente, de autorização positivada através de lei formal.
Nesse sentido o escólio de Celso Antônio Bandeira de Mello:
“Para avaliar corretamente o princípio da legalidade e captar-lhe o sentido profundo cumpre atentar para o fato de que ele é a tradução jurídica de um propósito político: o de submeter os exercentes do poder em concreto – o administrativo – a um quadro normativo que embargue favoritismos, perseguições ou desmandos.
Pretende-se através da norma geral, abstrata e por isso mesmo impessoal, a lei, editada, pois, pelo Poder Legislativo – que é o colégio representativo de todas as tendências (inclusive minoritárias) do corpo social –, garantir que a atuação do Executivo nada mais seja senão a concretização desta vontade geral.”
Compulsando a legislação regente, verifica-se que a imposição de multa ambiental pela prática de ato poluidor pressupõe a demonstração da ocorrência de danos tais que possam resultar em danos à saúde, ou que provoque a mortandade de animais ou a destruição significativa da biodiversidade.
O laudo técnico formulado, entretanto, não traz qualquer dado objetivo que demonstre a efetiva ocorrência dos danos ambientais nos moldes previstos em lei, já que não trata das consequências ao meio ambiente, limitando-se a informar, de maneira genérica, a existência de danos materiais em propriedades privadas, e consignando que o vazamento de esgoto “pode ocasionar danos à saúde das famílias que ali residem”, constatação hipotética que não é apta a demonstrar a existência do efetivo dano alegado.
Verifica-se, assim, que o ato administrativo foi praticado sem a devida motivação, que deve corresponder à exposição dos fundamentos fáticos e jurídicos que nortearam a atuação estatal, mormente quando se trata de ato de caráter sancionatório, que afeta de maneira direta e considerável o patrimônio dos administrados.
Na Lição de Dirley da Cunha Júnior:
“O princípio da motivação é exigência do Estado Democrático de Direito. Em face dele, toda decisão administrativa deve ser fundamentada em razões de fato ou de direito suficientes a ensejá-la.
É necessário, assim, motivá-las, enunciado as circunstâncias fáticas ou jurídicas sobre as quais se arrima o ato decisório. (…)
A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, nestes casos, serão parte integrante do ato (art. 50, 1º).”
Também no que pertine ao dimensionamento da sanção, o art. 8º, do Decreto n. 6.514/2008, determina que a multa deve ter por base a unidade, hectare, metro cúbico, etc, de acordo com o objeto jurídico lesionado, não havendo, no laudo de constatação impugnado, a constatação efetiva da área afetada.
De outro vértice, enquanto a responsabilidade civil de reparação dos danos ambientais é objetiva, o mesmo não se pode afirmar em relação à responsabilização sancionatória administrativa, que depende da demonstração da atuação culposa ou dolosa do administrado para que se justifique o ato sancionador.
Nesse sentido a recente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
“PROCESSUAL CIVIL. AMBIENTAL. EXPLOSÃO DE NAVIO NA BAÍA DE PARANAGUÁ (NAVIO” VICUNA “). VAZAMENTO DE METANOL E ÓLEOS COMBUSTÍVEIS. OCORRÊNCIA DE GRAVES DANOS AMBIENTAIS. AUTUAÇÃO PELO INSTITUTO AMBIENTAL DO PARANÁ (IAP) DA EMPRESA QUE IMPORTOU O PRODUTO” METANOL “. ART. 535 DO CPC. VIOLAÇÃO. OCORRÊNCIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO PELO TRIBUNAL A QUO. QUESTÃO RELEVANTE PARA A SOLUÇÃO DA LIDE. (…).
2. A insurgente opôs Embargos de Declaração com intuito de provocar a manifestação sobre o fato de que os presentes autos não tratam de responsabilidade ambiental civil, que seria objetiva, mas sim de responsabilidade ambiental administrativa, que exige a demonstração de culpa ante sua natureza subjetiva. Entretanto, não houve manifestação expressa quanto ao pedido da recorrente.
3. Cabe esclarecer que, no Direito brasileiro e de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a responsabilidade civil pelo dano ambiental, qualquer que seja a qualificação jurídica do degradador, público ou privado, proprietário ou administrador da área degradada, é de natureza objetiva, solidária e ilimitada, sendo regida pelos princípios do poluidor-pagador, da reparação in integrum, da prioridade da reparação in natura e do favor debilis.
4. Todavia, os presentes autos tratam de questão diversa, a saber a natureza da responsabilidade administrativa ambiental, bem como a demonstração de existência ou não de culpa, já que a controvérsia é referente ao cabimento ou não de multa administrativa. (…)” ( REsp 1401500/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 16/08/2016, DJe 13/09/2016)
Assim, não havendo a efetiva constatação do alcance dos danos ambientais, de modo que reste caracterizada a poluição nos moldes descritos pela norma sancionadora, o que impossibilita, ainda, o efetivo dimensionamento da sanção, e, bem ainda, por não haver qualquer descrição da conduta dolosa ou culposa apta a justificar a punição, deve ser mantida a sentença que declarou a nulidade do auto de infração e multa ambiental, expedido pelo requerido.