AMBIENTAL. AUTO DE INFRAÇÃO. DOCUMENTO DE ORIGEM FLORESTAL. NÃO EMISSÃO. ALTERAÇÃO DE ROTINA. INFORMAÇÃO POR MEIO ANTIQUADO. BOA-FÉ DEMONSTRADA. ANULAÇÃO DA MULTA.
- Sentença que reduz multa ambiental aplicada por conta da venda de madeiras sem emissão do Documento de Origem Florestal (DOF). Reexame necessário (CPC, art. 475).
- Apelação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) defendendo a estrita observância do critério objetivo estabelecido no art. 47 do Decreto nº 6.514/08 para fixação da multa, qual seja: trezentos reais por m³. Recurso adesivo da autora reafirmando:
- a) a inocorrência do fato gerador da multa; b) a ausência de dolo na não emissão dos DOFs; c) o cometimento de erro escusável; d) a inexistência de notificação oficial da irregularidade previamente à aplicação da multa; e) a exorbitância do valor da multa; f) a possibilidade de conversão da multa em prestação alternativa; e g) a má-fé do Ibama, ao apresentar documentos diversos dos solicitados pelo Juízo.
- A aplicação de penalidades administrativas por infração ambiental “não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano” (REsp nº 1.251.697/PR, STJ, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 17/4/12).
- Tanto na imposição quanto na gradação da penalidade administrativa, hão de ser considerados: a gravidade do fato, os antecedentes e a situação econômica do infrator (Lei nº 9.605/98, art. 6º).
- A imposição da multa por infração ambiental prescinde e independe de prévia advertência. Esta, efetivamente, constitui sanção autônoma, aplicável apenas às “infrações administrativas de menor lesividade ao meio ambiente”, como tais consideradas “aquelas em que a multa máxima cominada não ultrapasse o valor de R$ 1.000,00 (mil reais), ou que, no caso de multa por unidade de medida, a multa aplicável não exceda o valor referido” (Decreto nº 6.514/08, art. 5º, § 1º).
- Por sua vez, a conversão de multa em prestação de serviço é faculdade exclusiva da Administração, cujos critérios de conveniência e oportunidade não podem ser substituídos pelo Judiciário (Decreto nº 6.514/08, art. 139).
- Caso em que a autora, empresa de reduzido porte econômico, deixou de providenciar a emissão dos DOFs que dariam cobertura à venda de 3.737,2503 m³ de madeira, não porque pretendesse esconder as transações comerciais, mas apenas por apego a rotinas ultrapassadas, em face da incerteza quanto à operacionalidade do sistema de controle eletrônico então recém implantado e ainda estranho para a própria Administração. Omissão sem consequências ambientais, porquanto as vendas das madeiras não deixaram de ser informadas, embora por meio antiquado.
- Boa-fé suficientemente demonstrada. 10. Remessa oficial e apelação do Ibama não providos. Recurso adesivo da autora provido para anular a multa e, consequentemente, condenar a ré aos ônus sucumbência. Honorários advocatícios arbitrados em três mil reais.
(PROCESSO: 08001238520134058001, APELAÇÃO CÍVEL, DESEMBARGADOR FEDERAL MANOEL DE OLIVEIRA ERHARDT, 1ª TURMA, JULGAMENTO: 30/07/2015)
RELATÓRIO
O INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS (IBAMA) interpõe apelação da sentença que reduziu, para 10% do valor original, a multa aplicada à empresa por conta da comercialização de 3.737,2503 m³ de madeira sem emissão do Documento de Origem Florestal (DOF).
Sustenta não se poder desconsiderar o critério objetivo estabelecido no art. 47 do Decreto nº 6.514/08 para fixação da multa, qual seja: trezentos reais por m³.
Contra a mesma sentença, interpõe a autora recurso adesivo, reafirmando:
- a inocorrência do fato gerador da multa;
- a ausência de dolo na não emissão dos DOFs, particularmente evidenciada pela iniciativa da empresa de procurar a Administração para corrigir os desajustes que a falta daqueles documentos causou nos registros oficiais do estoque de madeiras;
- o cometimento de erro escusável, ante a disposição do Ibama de continuar exigindo Autorizações de Transporte de Produtos Florestais (ATPFs) mesmo após a extinção desse documento em função da instituição do DOF;
- a inexistência de notificação oficial da irregularidade previamente à aplicação da multa;
- a exorbitância do valor da multa;
- a possibilidade de conversão da multa em prestação alternativa; e
- a má-fé do Ibama, ao apresentar documentos diversos dos solicitados pelo Juízo.
Contrarrazões apresentadas. A Procuradoria Regional da República emitiu parecer, no qual opina pelo não provimento dos recursos.
É o relatório.
VOTO
A sentença foi parcialmente contrária a autarquia federal e, portanto, está sujeita a reexame necessário (CPC, art. 475).
Sabe-se que, no direito brasileiro, a responsabilidade civil por infração ambiental é objetiva, estando o poluidor obrigado, “independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade” (Lei nº 6.938/81, art. 14, § 1º). Para tanto, há de restar demonstrado, no mínimo, a conduta do agente, o dano e o nexo causal entre a conduta e o dano.
Tal determinação, entretanto, a teor do próprio dispositivo que a exprime, não se estende à apuração da responsabilidade administrativa por ilícito ambiental, que, assim como a responsabilização penal, não dispensa a investigação da culpabilidade do infrator.
Julgado da Segunda Turma do STJ confirma:
“a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano” (REsp nº 1.251.697/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 17/4/12).
Complementarmente, tanto na imposição quanto na gradação da penalidade administrativa, hão de ser considerados (Lei nº 9.605/98, art. 6º):
I – a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas conseqüências para a saúde pública e para o meio ambiente;
II – os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental;
III – a situação econômica do infrator, no caso de multa.
É certo, ainda, que a imposição da multa por infração ambiental prescinde e independe de prévia advertência. Esta, efetivamente, constitui sanção autônoma, aplicável apenas às “infrações administrativas de menor lesividade ao meio ambiente”, como tais consideradas “aquelas em que a multa máxima cominada não ultrapasse o valor de R$ 1.000,00 (mil reais), ou que, no caso de multa por unidade de medida, a multa aplicável não exceda o valor referido” (Decreto nº 6.514/08, art. 5º, § 1º).
Já a conversão de multa em prestação de serviço é faculdade exclusiva da Administração, cujos critérios de conveniência e oportunidade não podem ser substituídos pelo Judiciário (Decreto nº 6.514/08, art. 139).
Pois bem. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) vistoriou as instalações da autora e constatou que o volume de madeira fisicamente estocado (608,28 m³) diferia do registrado no sistema eletrônico de controle de emissão dos Documentos de Origem Florestal (4.345,5303 m³).
Diante dessa diferença, autuou a empresa por “vender 3.737,2503 metros cúbicos de produto florestal nativo (madeira serrada) sem o Documento de Origem Florestal – DOF outorgado pela autoridade competente”.
A autora em nenhum momento negou a diferença entre o estoque físico e o virtual. Atribuiu-a, porém, à desatualização da base de dados eletrônica, por conta de erro quanto à forma de prestação de informações ao Ibama entre 1º/9/06 e 6/8/08, período em que não se utilizara do sistema informatizado por supostamente desconhecê-lo.
Provou, outrossim, haver requerido ao próprio Ibama, em 8/1/09, ou seja, quatro meses antes da vistoria por ele empreendida, a correção da diferença mediante ajustamento do estoque registrado no sistema ao efetivamente existente.
Instituídos pela Portaria nº 253/06 do Ministério do Meio Ambiente, o Documento de Origem Florestal (DOF) e o correspondente sistema eletrônico de emissão e controle (Sistema DOF) passaram a ser obrigatórios a partir de 1º/9/06 (Instrução Normativa Ibama nº 112/06, art. 39).
O novo documento veio substituir a Autorização de Transporte de Produtos Florestais (ATPF) e, por ser eletrônico e estar inserido num sistema totalmente informatizado, eliminou as rotinas de controle administrativo anteriores, baseadas na devolução ao Ibama, pelas empresas adquirentes de produtos florestais, das ATPFs referentes aos produtos recebidos no mês, devidamente relacionadas em Ficha de Controle Mensal (FCM).
A despeito disso, as cópias trazidas aos autos das FCMs entregues ao Ibama, a última delas em 4/7/07, provam que o antigo sistema de controle perdurou, pelo menos, nove meses além da data de sua extinção oficial, ainda que com significativa adaptação: no lugar dos números das ATFPs, já não mais emitidas, passaram a ser informados os das guias de transporte.
Diante de tal constatação, é razoável concluir que, embora a mudança no sistema de controle do comércio de produtos florestais não fosse de todo desconhecida, ela demorou a ser assimilada não só pelas empresas mas pela própria Administração, que continuou a receber as informações pertinentes por meio de formulários antiquados.
É certo que a mudança na formalidade de qualquer ato exige publicidade e planejamento mínimo para a orientação dos usuários por parte do órgão responsável. Contudo, no caso em apreço, tais iniciativas não se mostraram presentes, visto não ter havido qualquer informação acerca da modificação do protocolo por parte da Administração.
Ressalte-se que, no intervalo entre 1/9/06 a 6/8/08, as informações foram efetivamente enviadas, no entanto, através de Relatório de Atividades Anuais.
Em que pese a falta de atendimento ao novo procedimento (DOF), percebe- se que não houve sonegação de informações que tenha beneficiado interesses individuais ou acarretado possíveis danos ambientais ou a terceiros. Trata-se, como se observa, de falha procedimental, formal, sem consequências ambientais, financeiras, ou de qualquer outra ordem.
Sabe-se que o ordenamento jurídico pátrio pauta-se em valores estruturais como o da moralidade e boa-fé, e que tais valores prestam-se a nortear a aplicação da lei de forma a alcançar a justiça.
Nesse sentido, os princípios atuam com a importante, e muitas vezes sutil, missão de destacar as nuances do caso concreto para distinguir hipóteses aparentemente similares.
Desse modo, conforme reconhecido no parecer ministerial, indubitável que a parte autora manifestou boa-fé e lealdade em todas as suas condutas e nas relações com o órgão ambiental, sobretudo, após detectada a aludida irregularidade, quando solicitou ao IBAMA o ajustamento do estoque ao Sistema DOF.
Em nenhuma situação, vislumbrou-se que a parte autora tentou sonegar quaisquer informações, ou mesmo dificultar o acesso ao estoque ou qualquer outro acervo de interesse do órgão ambiental.
Portanto, a atuação da parte autora, na presente conjuntura, não deve ser comparada às situações de falta de preenchimento do DOF por empresas desidiosas carreadas de intenções de sonegar informações com fins egoísticos.
Em conclusão:
- a permanência do antigo sistema de controle, pelo IBAMA, por período além da data de sua extinção oficial é elemento que mitiga a possível responsabilidade decorrente da irregularidade do meio informativo pela autora;
- não foi identificada nenhuma disposição, por parte da autora, de esconder as transações comerciais, mas apenas o apego a rotinas ultrapassadas, em face da incerteza quanto à operacionalidade do sistema de controle eletrônico recém implantado e ainda estranho para à própria Administração;
- as consequências ambientais desse comportamento foram praticamente nulas, porquanto as vendas das madeiras não deixaram de ser informadas, apenas o foram por meio ultrapassado; e,
- não há registro de que a autora haja, em oportunidade anterior, comercializado produtos florestais sem a devida autorização
Nesse cenário, manter a condenação da autora, a meu ver, seria validar a sobrevalência do formalismo à boa- fé, o que não se coaduna com os valores do ordenamento jurídico pátrio, razão pela qual entendo razoável a anulação da multa questionada.
Ante o exposto, nego provimento à apelação do Ibama e à remessa oficial e dou provimento ao recurso adesivo, para anular a multa e, consequentemente, condenar a ré aos ônus sucumbência.
É como voto.