Apelação cível – Ação Declaratória de Nulidade de Ato Administrativo – Aplicação de penalidade por inexecução parcial de contrato – Sentença de improcedência – Recurso da autora – Provimento de rigor. Nula é a aplicação das sanções administrativas por descumprimento de obrigações contratuais quando não observadas as garantias do devido processo legal, contraditório e da ampla defesa – Exercício da ampla defesa e do contraditório que deve ser concomitante ao procedimento que visa a apuração de supostas irregularidades – Precedentes da Corte e dos Tribunais Superiores – Procedência que se impunha – Ônus de sucumbência invertidos – R. Sentença reformada. Recurso provido.
(TJ-SP – AC: 10096340720198260529 SP 1009634-07.2019.8.26.0529, Relator: Sidney Romano dos Reis, Data de Julgamento: 25/07/2022, 6ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 27/07/2022)
RELATÓRIO
Apelação cível Ação Declaratória de Nulidade de Ato Administrativo Aplicação de penalidade por inexecução parcial de contrato Sentença de improcedência – Recurso da autora – Provimento de rigor.
Nula é a aplicação das sanções administrativas por descumprimento de obrigações contratuais quando não observadas as garantias do devido processo legal, contraditório e da ampla defesa – Exercício da ampla defesa e do contraditório que deve ser concomitante ao procedimento que visa a apuração de supostas irregularidades – Precedentes da Corte e dos Tribunais Superiores Procedência que se impunha Ônus de sucumbência invertidos – R. Sentença reformada. Recurso provido.
1. Por r. Sentença de fls. 1606/1614, aclarada às fls. 1633/1634, cujo relatório ora se adota, a MM. Juíza de Direito da 1a Vara Judicial da Comarca de São Paulo, nos autos da AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO em face do MUNICÍPIO DE SANTANA DO PARNAÍBA, julgou improcedente o pedido formulado na inicial e julgou extinto o processo nos termos do artigo 487, I, do CPC. Pela sucumbência, condenou a autora ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor atribuído à causa.
Inconformada, recorre a empresa autora (fls. 1638/1657). Sustenta uma sucessão de nulidades na aplicação de penalidade de multa e suspensão temporária do direito de licitar e contratar com o Município de Santana de Parnaíba.
Aponta a ausência de processo administrativo prévio, regular e indispensável para sancionar a empresa, com afronta aos princípios do devido processo legal, contraditório, ampla defesa, proporcionalidade e razoabilidade na aplicação das penalidades.
Processado o recurso, com apresentação de contrarrazões pelo Município (fls. 1663/1670), subiram os autos.
Oposição ao julgamento virtual manifestada pela apelante (fls. 1675).
É o relatório.
VOTO
2. Comporta reforma a r. sentença recorrida.
Trata-se de AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO CUMULADA COM PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA questionando a penalidade aplicada a apelante – multa na importância de R$ 8.446,23 e penalidade de impedimento de licitar e contratar com esta administração, pelo prazo de 02 (dois) anos – com base no inciso II, do artigo 87 da Lei Federal n.º 8.666/93 e artigo 7º da Lei Federal n.º 10.520/02, no Processo Administrativo nº 084/2019.
A autora logrou-se vencedora na Ata de Registro de Preços nº 117/18 (fls. 362/385), na qual foi detentora do registro para o fornecimento dos medicamentos descritos nos itens 03, 07, 10, 15, 16, 23, 26, 30, 58, 75, 85, 88, 90, 97, 125, 126, 155, 160, 164, 167, 171, 176, 188, 206, 208, 210, 222, 260 e 264 do Pregão Presencial nº 040/2018.
Inicialmente, cabe ressaltar que apenas se discute a ilegalidade das penalidades aplicadas em caso de descumprimento parcial do contrato – em razão de não ter sido precedida de procedimento administrativo, com garantia ao direito de defesa do contratado, não se debatendo o mérito do ato administrativo.
Da compulsa dos autos, verifica-se que a empresa autora solicitou o realinhamento do preço registrado ou, alternativamente, o cancelamento do Item 058 (fls. 1237/1242, 1247/1248 e 1314), contudo, o Município, em que pese também estar vinculado ao cumprimento das disposições previstas no edital, quedou-se inerte, procedendo tão somente à requisições de entrega do medicamento (fls. 1288 e 1309), com respostas apresentadas (fls. 1264/1267 e 1310/1311).
Cabe destacar as próprias orientações emanadas do setor jurídico da municipalidade no sentido de que qualquer aplicação de punição dependia da abertura de processo administrativo próprio em que se garantisse o contraditório e a ampla defesa (Parecer Jurídico nº 015/2019 fls. 1281/1287).
Posteriormente, no mesmo ato, a Secretária Municipal de Compras e Licitação instaurou a abertura do Processo Administrativo nº 084/2019, decretou os efeitos da revelia, indeferiu o pedido de reequilíbrio econômico financeiro e aplicou as penalidades de multa e impedimento de licitar e contratar com o Município pelo período de até 05 anos (fls. 1330/1334).
Evidente a confusão entre os procedimentos voltados ao reequilíbrio econômico financeiro dos contratos e o próprio processo administrativo que redundou na aplicação das penalidades por inexecução parcial da Ata de Registro de Preço.
Com efeito, a sanção administrativa deve ser aplicada conforme o interesse da Administração, observando-se a conveniência e a oportunidade do ato, depois do competente procedimento administrativo, respeitando-se a ampla defesa e o contraditório, que integram a cláusula do devido processo legal.
A possibilidade de recurso na esfera administrativa (fls. 1345/1354) não supre tal imposição legal. Nota-se, ainda, que o recurso foi apreciado pela própria Secretária Municipal que elaborou o relatório de aplicação das infrações (fls. 1424/1428).
Ademais, de se observar que o artigo 87 da Lei nº 8.666/93 prevê sanções administrativas, que nada mais são do que prerrogativas do poder Público para garantia do interesse público nos contratos administrativos. Contudo, a Administração deve observar o devido processo legal para aplicação de tais sanções, nos seguintes termos:
Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções: (…).
Ora, não se nega que a Administração possa e deva resguardar o interesse público e regular execução dos contratos administrativos, aplicando, por vezes, sanções à empresa contratada.
Entretanto não o pode fazer de forma arbitrária, pois necessária a devida instauração de processo administrativo específico e no qual se observe a garantia da ampla defesa e do contraditório, o que não se verificou.
A Constituição Federal instituiu, em prol dos acusados em geral, a garantia do contraditório e da plenitude de defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
No caso presente, portanto, a aplicação das sanções havida se deu ao arrepio do inciso LV, do art. 5º da Constituição Federal, o qual por oportuno se reproduz:
“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”
Está claro que a empresa autora sofreu a aplicação de penalidades sem observância do devido processo legal, que compreende a necessidade de instauração de procedimento administrativo próprio e observância das garantias da ampla defesa e do contraditório.
Ora, o exercício da ampla defesa e do contraditório deve ser concomitante ao próprio procedimento que apura as pretensas irregularidades na prestação de serviços.
Daí por que, no caso presente, inconteste que maculada a aplicação da sanção administrativa por inobservância do devido processo legal.
Este a firme jurisprudência desta Corte:
Mandado de Segurança – Contrato Administrativo – Rescisão Unilateral – Ausência de procedimento administrativo anterior – Cerceamento de defesa – Inteligência do art. 78, § único da Lei nº 8.666/93 – Recurso oficial desprovido. (TJSP; Remessa Necessária Cível 0012258-11.2011.8.26.0114; Relator (a): Luciana Bresciani; Órgão Julgador: 13a Câmara de Direito Público; Foro de Campinas – 1a. Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 15/02/2012; Data de Registro: 06/03/2012).
Apelação – Contrato administrativo – Rescisão unilateral e imposição de penalidades em processo administrativo – Violação ao devido processo legal – Cerceado direito à apresentação de defesa prévia e produção de provas – Intimação para apresentação de recurso administrativo não sana os vícios constatados – Sentença mantida – Recurso desprovido. (TJSP; Apelação Cível 0056932-62.2010.8.26.0000; Relator (a): Sergio Gomes; Órgão Julgador: 9a Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 14a Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 29/06/2011; Data de Registro: 05/07/2011).
Deste entendimento não destoa o C. Superior Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. FRAUDE EM LICITAÇÃO. SANÇÃO DE INIDONEIDADE PARA LICITAR. RESTABELECIMENTO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. NÃO-OCORRÊNCIA. AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO. NÃO-OBSERVÂNCIA. SEGURANÇA CONCEDIDA. 1. Insurge-se no mandamus contra o restabelecimento de sanção de inidoneidade para licitar aplicada pelo Ministro de Estado das Comunicações, em virtude de suposta fraude à competitividade de certame licitatório instaurado no âmbito da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – EBCT (Concorrência Pública nº 010/2000). O writ fundamenta-se, basicamente, nos seguintes argumentos: i) contrariedade ao devido processo legal e à ampla defesa, pois a revisão do decisum que suspendeu a aplicação da penalidade ocorreu sem o oferecimento de prévio contraditório e a oportunidade de defesa; ii) decurso do prazo prescricional da ação punitiva da administração pública, porquanto o ato tido por infracional fora firmado em 21.07.2000 e o processo administrativo instaurado apenas em 11.09.2008. 2. O termo inicial do prazo prescricional coincide com o momento da ocorrência da lesão ao direito, em consagração do princípio universal da actio nata. Assim, embora o termo de compromisso de subcontratação tenha sido o elemento utilizado pela impetrante para supostamente fraudar a competitividade da licitação, a realidade é que a fraude ao certame licitatório apenas aperfeiçoou-se a partir da celebração do contrato pela vencedora do procedimento. 3. De acordo com o art. 1º, § 2º, da Lei 9.873/99, quando o fato objeto da ação punitiva da Administração também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal. No caso, a conduta supostamente praticada enquadra-se no tipo penal do art. 90 da Lei 8.666/93, que prevê a pena de detenção de 2 a 4 anos. Nessa hipótese, o art. 109, IV, do CP prevê que o prazo prescricional é de 8 anos. Dessa feita, considerando que a lesão ao direito ocorreu em 01.10.2000 (assinatura do contrato) e que o processo administrativo foi iniciado em 11.09.2008, deve-se afastar a alegativa de prescrição. 4. Ao mesmo passo que a Constituição impõe à administração pública a observância da legalidade, atribui aos litigantes em geral, seja em processos judiciais, seja administrativo, a obediência à garantia fundamental do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV). Todavia, não se deve confundir o poder de agir de ofício, ou seja, de iniciar um procedimento independentemente de provocação das partes, com a tomada de decisões sem a prévia oitiva dos interessados. É nesse contexto, portanto, que se inserem os enunciados das Súmulas 346 e 473/STF. 5. O contraditório e a ampla defesa são valores intrinsecamente relacionados com o Estado Democrático de Direito e têm por finalidade oferecer a todos os indivíduos a segurança de que não serão prejudicados, nem surpreendidos com medidas interferentes na liberdade e no patrimônio, sem que haja a devida submissão a um prévio procedimento legal. Os aludidos preceitos, desse modo, assumem duas perspectivas: formal – relacionada à ciência e à participação no processo – e material – concernente ao exercício do poder de influência sobre a decisão a ser proferida no caso concreto. 6. Ao restabelecer a sanção de inidoneidade para licitar – que havia sido suspensa anteriormente sem sequer abrir vista dos autos à parte interessada para aduzir o que de direito, a autoridade coatora deixou de observar os princípios da ampla defesa e do contraditório, o que acarreta na nulidade desse ato. Todavia, isso não impede a Administração Pública de, observado o devido processo legal, prosseguir na apreciação do processo
Por fim, o C. Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de se manifestar em situação análoga à presente:
I. Tribunal de Contas: competência: contratos administrativos ( CF, art. 71, IX e §§ 1º e 2º). O Tribunal de Contas da União – embora não tenha poder para anular ou sustar contratos administrativos – tem competência, conforme o art. 71, IX, para determinar à autoridade administrativa que promova a anulação do contrato e, se for o caso, da licitação de que se originou. II. Tribunal de Contas: processo de representação fundado em invalidade de contrato administrativo: incidência das garantias do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa, que impõem assegurar aos interessados, a começar do particular contratante, a ciência de sua instauração e as intervenções cabíveis. Decisão pelo TCU de um processo de representação, do que resultou injunção à autarquia para anular licitação e o contrato já celebrado e em começo de execução com a licitante vencedora, sem que a essa sequer se desse ciência de sua instauração: nulidade. Os mais elementares corolários da garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa são a ciência dada ao interessado da instauração do processo e a oportunidade de se manifestar e produzir ou requerer a produção de provas; de outro lado, se se impõe a garantia do devido processo legal aos procedimentos administrativos comuns, a fortiori, é irrecusável que a ela há de submeter-se o desempenho de todas as funções de controle do Tribunal de Contas, de colorido quase – jurisdicional. A incidência imediata das garantias constitucionais referidas dispensariam previsão legal expressa de audiência dos interessados; de qualquer modo, nada exclui os procedimentos do Tribunal de Contas da aplicação subsidiária da lei geral de processo administrativo federal (L. 9.784/99), que assegura aos administrados, entre outros, o direito a “ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos (art. 3º, II), formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente”. A oportunidade de defesa assegurada ao interessado há de ser prévia à decisão, não lhe suprindo a falta a admissibilidade de recurso, mormente quando o único admissível é o de reexame pelo mesmo plenário do TCU, de que emanou a decisão. ( MS 23550, Relator (a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator (a) p/ Acórdão: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 04/04/2001, DJ 31-10-2001 PP-00006 EMENT VOL-02050-3 PP-00534).
Desse modo, reputo ilegal a postura adotada pela Administração para aplicação das penalidades à ora apelante, motivo pelo qual deve ser julgada procedente o pedido anulatório do ato administrativo.
Em razão do presente desfecho decisório de rigor a inversão do ônus de sucumbência e, assim, condenada a Municipalidade no pagamento de eventuais despesas processuais, bem como honorários advocatícios, ora arbitrados por equidade, no valor de R$ 4.000,00, nos termos do art. 85, § 2º, 8º e 11, do CPC.
Para efeito de eventual prequestionamento, importa registrar que a presente decisão apreciou todas as questões postas no presente recurso sem violar a Constituição Federal ou qualquer lei infraconstitucional, restando expressamente prequestionados todos os artigos mencionados.
3. Ante todo o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao recurso.