AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO – SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DA MULTA E INTERDIÇÃO/EMBARGOS DE PROPRIEDADE RURAL – ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DA TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA – ÁREA SUPOSTAMENTE INSERIDA EM UNIDADE DE CONSERVAÇÃO AMBIENTAL – PARQUE ESTADUAL SERRA RICARDO FRANCO – LIMITES INDEFINIDOS DA ÁREA GEOGRÁFICA DA UNIDADE DE CONSERVAÇÃO – IMPUGNAÇÃO DA AUTUAÇÃO NA VIA ADMINISTRATIVA – POSSIBILIDADE DE DESCONSTITUIÇÃO DA AUTUAÇÃO – PERICULUM IN MORA INVERSO – RECURSO DESPROVIDO.
1. A medida de embargo/interdição da atividade econômica, bem como a restrição total do imóvel rural, quando indefinidos os limites do perímetro da Unidade de Conservação em que supostamente estaria inserida a área degradada não se afigura razoável, pelo que se mostra escorreita a decisão que suspendeu a exigibilidade da multa administrativa e a interdição das atividades econômicas da propriedade até a apreciação do mérito da ação ou julgamento da defesa administrativa interposta junto à Secretaria de Estado e Meio Ambiente.
2. Não obstante a independência das instâncias administrativa e judicial, o acolhimento da defesa administrativa manejada pelo agravado para desconstituir as medidas de embargo e multa pode acarretar a perda do objeto da ação ordinária primitiva.
(TJ-MT 10091796520178110000 MT, Relator: GILBERTO LOPES BUSSIKI, Data de Julgamento: 08/03/2022, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 18/03/2022)
RELATÓRIO
Trata-se de recurso de Agravo de Instrumento interposto pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso contra decisão proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 837-45.2017.811.0077, que deferiu parcialmente a tutela provisória de urgência vindicada para suspender a exigibilidade da multa e a interdição/embargo, até o julgamento definitivo na seara administrativa.
Em suas razões recursais, o agravante sustenta a necessidade de reforma da decisão recorrida, ao argumento de que a Fazenda, de propriedade do agravado, está situada no Parque Estadual Serra Ricardo Franco.
Alude que embora o Estado de Mato Grosso não tenha realizado a regularização fundiária, o agravado não poderia praticar desmatamento da área de 745,39 hectares na Fazenda e 31,54 hectares no Sítio, razão pela qual o responsável pela infração ambiental deve arcar com a multa administrativa e interdição/embargo das atividades econômicas da propriedade.
Sustenta, mais, que o agravado não conseguiu comprovar os requisitos para a concessão da liminar, quais sejam, o periculum in mora e o fumus boni iuris.
Além disso, argumenta que não há irregularidade na limitação administrativa, uma vez que a restrição de uso da propriedade decorre da mera criação do Parque, por meio de Ato do Poder Público, possuindo eficácia imediata, o que não se confunde com a desapropriação indireta, já que não houve apossamento do bem, dispensando qualquer pleito de indenização.
Nas contrarrazões, o agravado pugnou pelo improvimento do agravo (ID. 2150762).
A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo provimento do agravo (ID. 2781396).
É o relatório.
VOTO
Como relatado, cuida-se de recurso de Agravo de Instrumento interposto pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso contra decisão proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 837-45.2017.811.0077, que deferiu parcialmente a tutela provisória de urgência vindicada para suspender a exigibilidade da multa e a interdição/embargo, até o julgamento definitivo na seara administrativa.
Ab initio, cumpre ressaltar que, em sede de recurso de Agravo de Instrumento não cabe a análise do mérito da demanda ajuizada perante o juiz natural, porquanto a natureza e devolutividade do Agravo restringe-se à análise do acerto ou desacerto da decisão agravada, de forma a verificar se há elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, nos termos do artigo 300 do Código de Processo Civil de 2015 ( CPC/2015).
Dessa forma, é apenas sob esse ângulo que será analisado o recurso instrumental, sob pena de decidir matéria ainda não apreciada pelo juízo de primeiro grau, incorrendo, assim, em supressão de Instância.
Conforme se depreende dos autos, o agravado ajuizou Ação Anulatória de Auto de Infração Ambiental nº 124.353 e 124.361, além dos Termos de Embargo/Interdição nº 105.158 e 105.167, pleiteando a antecipação da tutela para suspender a exigibilidade das multas administrativas e o embargo/interdição, bem como determinar a abstenção de interferência na limitação dos direitos de propriedade do agravado até que o Estado promovesse a devida desapropriação do imóvel, mediante indenização prévia e justa. (ID. 1050503).
Ao receber a inicial, o juízo a quo deferiu parcialmente a liminar pretendida, nos seguintes termos:
“Posto isso, defiro parcialmente a antecipação de tutela pretendida, para determinar:
1) A suspensão da exigibilidade da Multa Administrativa aplicada pelos Agentes Ambientais, isto é, conceder efeito suspensivo ao recurso administrativo, ainda não apreciado, bem como obstar ou suspender eventual inclusão do nome do Autor no CADIN ou outros Órgãos de restrição de crédito, em decorrência da multa aplicada, até julgamento definitivo na seara administrativa;
2) A suspensão da penalidade de interdição (embargo) das atividades econômicas (pecuária) da propriedade do autor, até que seja apreciado o mérito da presenta ação, ou até que seja julgada a Defesa Administrativa interposta junto à SEMA/MT. ” (ID. 1718891)
Irresignado, o Ministério Público Estadual insurgiu-se por meio do presente recurso, pleiteando a reforma da decisão que sobrestou as penalidades administrativas impostas ao agravado, pois, no seu entender, não ficou demonstrado a probabilidade do direito, tampouco o perigo de dano.
Pois bem. Em análise aos elementos e circunstâncias que envolvam a controvérsia, tenho que o recurso não merece provimento.
É de conhecimento neste Egrégio Tribunal de Justiça, que a questão afeta aos limites do Parque Estadual Serra Ricardo Franco e as áreas que estão inseridas dentro do perímetro da Unidade de Conservação é matéria ainda indefinida, já que, transcorridas mais de duas décadas da criação dessa Unidade de Conservação de Proteção Integral, por meio do Decreto Estadual nº. 1796/97, o poder público estadual não implementou qualquer medida de modo a transferir para si a área declarada de utilidade pública.
Aliás, apesar das alegações do agravante, sabe-se que a área é composta por mais de 158 mil hectares, conforme art. 1º do Decreto nº 1.796/97, porém não há delimitação da Unidade de Conservação, já que não comprovada a realização de georreferenciamento após a formalização do Termo de Ajustamento de Conduta nº 005/2007, entre o estado de Mato Grosso, a Procuradoria-Geral do Estado de Mato Grosso, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e o Ministério Público Estadual.
Desse modo, a medida de embargo/interdição da propriedade é, ao que se afigura, extrema e prematura, porquanto não só limitou a utilização normal do bem, mas também determinou a retirada do gado do imóvel rural, o que se mostra, indubitavelmente, irreversível, não se podendo desconsiderar a possibilidade de o imóvel não estar localizado em área de proteção ambiental.
Ora, em que pese o poder/dever de agir do agente público, o Estado não pode atropelar o processo e impor ao particular o ônus pela sua inércia, notadamente quando a omissão no cumprimento da obrigação de atuar lhe é atribuída.
Outrossim, não se está aqui retirando do poder público o dever pela preservação e proteção dos espaços territoriais especialmente protegidos, à luz dos princípios e da norma constitucional, mas ponderando a sua atuação à vista das peculiaridades do caso, notadamente da razoabilidade, pois a despeito de reconhecer a pertinência e importância da proteção ambiental, não pode agir manu militari, desproporcionalmente, impondo obrigações desarrazoadas, como a indisponibilidade total do bem, remoção do gado, com o risco de violação flagrante do direito constitucional a atividade econômica, comprometendo a função social da propriedade, incorrendo, assim, no periculum in mora inverso, na forma do § 3º do art. 300 do CPC/15, o que é totalmente vedado.
Além disso, não obstante a independência das instâncias administrativa e judicial, o acolhimento da defesa administrativa manejada pelo agravado para desconstituir as medidas de embargo e multa pode acarretar a perda do objeto da ação ordinária primitiva, não desconsiderando, que, em regra, tais impugnações são dotadas de efeito suspensivo.
Com base nas premissas expostas, agiu com acerto o magistrado singular, uma vez que presentes os pressupostos legais para a concessão de tutela antecipada para a suspensão dos atos administrativos que restringiram o direito de propriedade do agravado.
A propósito, em situações idênticas, este Egrégio Tribunal de Justiça assim pronunciou:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – DIREITO AMBIENTAL – AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO – INTERDIÇÃO/EMBARGO DE PROPRIEDADE RURAL – ÁREA SUPOSTAMENTE INSERIDA EM UNIDADE DE CONSERVAÇÃO AMBIENTAL – PARQUE ESTADUAL SERRA RICARDO FRANCO – ALEGADA ILEGALIDDE DA AUTAÇÃO – NULIDADE DOS AUTOS DE EMBARGO/INTERDIÇÃO – INEXISTÊNCIA DE DESMATAMENTO ILEGAL – ÁREA ANTROPIZADA – LIMITES INDEFINIDOS DA ÁREA GEOGRÁFICA DA UNIDADE DE CONSERVAÇÃO – CELEBRAÇÃO DE TAC – PERICULUM IN MORA INVERSO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Se mostra desproporcional e excessiva a medida de embargo/interdição da atividade econômica, bem como a restrição total e generalizada de todo o imóvel rural, quando indefinidos os limites do perímetro da Unidade de Conservação em que supostamente estaria inserida a área degradada. 2. De mais a mais, discute-se, a legalidade da criação da própria Unidade de Conservação, além da caducidade do decreto expropriatório, cuja ineficácia, se reconhecida, fulminaria, por completo, as autuações dos agentes ambientais. 3. Outrossim, considerando a possibilidade do imóvel não se encontrar em área de proteção ambiental, deve ser afastada a decisão que determinou a paralisação de toda atividade econômica do agravante desenvolvida desde que adquiriu a propriedade, por se mostrar, indubitavelmente, irreversível, a caracterizar o periculum in mora inverso. 4. Recurso provido em parte.” (N.U 1002138-81.2016.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, YALE SABO MENDES, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 01/12/2021, Publicado no DJE 15/12/2021)
“DIREITO AMBIENTAL. RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO. INTERDIÇÃO/EMBARGO ATIVIDADE ECONÔMICA. UNIDADE DE CONSERVAÇÃO AMBIENTAL. PARQUE ESTADUAL SERRA RICARDO FRANCO. PEDIDO DE REFORMA DA DECISÃO AGRAVADA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DA TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA. ALEGADA INEXISTENCIA DE DEGRADAÇÃO AMBIENTAL. AUSÊNCIA DE DELIMITAÇÃO DA ÁREA GEOGRÁFICA DA UNIDADE DE CONSERVAÇÃO. CELEBRAÇAO DE TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. COMPROMISSOS ASSUMIDOS PARA A IMPLANTAÇÃO E REGULARIZAÇÃO DO PARQUE ESTADUAL. CADUCIDADE DO DECRETO EXPROPRIATÓRIO. IRREGULARIDADE NA CRIAÇÃO DO PARQUE ESTADUAL. DESMATAMENTO ILEGAL. NULIDADE DOS AUTOS DE EMBARGO/INTERDIÇÃO. MATÉRIAS A SEREM DIRIMIDAS NA AÇÃO PRINCIPAL. PERICULUM IN MORA INVERSO. RECURSO PROVIDO EM PARTE. Não se afigura razoável a medida de embargo da atividade econômica da propriedade, bem como a restrição total e generalizada de todo o imóvel, quando desconhecidos o perímetro da Unidade de Conservação em que supostamente estaria inserida a área degradada. Verificada a possibilidade do imóvel não se encontrar em área de área de preservação ambiental, merece ser reformada a decisão que determinou a desocupação e/ou demolição das benfeitorias realizadas no bem, por se mostrar, indubitavelmente, irreversível, a caracterizar o periculum in mora inverso. Recurso provido em parte.” (N.U 1002283-40.2016.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, EDSON DIAS REIS, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 06/11/2019, publicado no DJE 22/11/2019)
“DIREITO AMBIENTAL. RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO. INTERDIÇÃO/EMBARGO ATIVIDADE ECONÔMICA. UNIDADE DE CONSERVAÇÃO AMBIENTAL. PARQUE ESTADUAL SERRA RICARDO FRANCO. PEDIDO DE REFORMA DA DECISÃO AGRAVADA. SUSPENSAO DA EXIGIBILIDADE DA MULTA E EMBARGO. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DA TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA. LEGITIMIDADE DA AUTUAÇÃO. AREA INSERIDA DENTRO DE UNIDADE DE CONSERVAÇÃO DE PROTEÇÃO INTEGRAL. DESMATAMENTO INDEVIDO. INDEFINIÇÃO QUANTO AOS LIMITES DO PARQUE ESTADUAL. CELEBRAÇAO DE TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. COMPROMISSOS ASSUMIDOS PARA A IMPLANTAÇÃO E REGULARIZAÇÃO DO PARQUE ESTADUAL. CADUCIDADE DO DECRETO EXPROPRIATÓRIO. NULIDADE DOS AUTOS DE EMBARGO/INTERDIÇAO. MATÉRIAS A SEREM DIRIMIDAS NA AÇÃO PRINCIPAL. IMPUGNAÇÃO DA AUTUAÇAO NA VIA ADMINISTRATIVA. POSSIBILIDADE DE DESCONSTITUIÇÃO DA AUTUAÇÃO. PERICULUM IN MORA INVERSO. RECURSO DESPROVIDO. Não se afigura razoável a medida de embargo da atividade econômica da propriedade, bem como a restrição total e generalizada de todo o imóvel, quando desconhecidos o perímetro da Unidade de Conservação em que supostamente estaria inserida a área degradada. Verificada a possibilidade do imóvel não se encontrar em área de preservação ambiental, se mostra escorreita a decisão que suspendeu a determinação de desocupação e/ou demolição das benfeitorias realizadas no bem, por se mostrar, indubitavelmente, irreversível, a caracterizar o periculum in mora inverso. Em que pese as instâncias judicial e administrativa sejam independentes, é certo que o acolhimento da defesa administrativa aviada perante o Órgão ambiental, para desconstituir as medidas de embargo e multa, pode acarretar a perda do objeto da ação originária. Recurso desprovido.” (N.U 1007637-12.2017.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, EDSON DIAS REIS, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 06/11/2019, Publicado no DJE 26/11/2019)
No mais, conforme já exposto, a natureza e devolutividade do Recurso de Agravo de Instrumento impede a apreciação do mérito de legalidade das penalidades e embargos, eventual antropização da área ou desapropriação, vez que matérias não apreciadas pelo Juízo de origem na decisão objurgada, sob pena de supressão de instância.
Com essas considerações, NEGO PROVIMENTO ao Agravo de Instrumento, mantendo incólume a decisão vergastada.
É como voto.