AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. IBAMA. IMPOSIÇÃO DE MULTA AMBIENTAL. FUNDAMENTAÇÃO. PORTARIA. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. IMPROVIMENTO.
1. É vedado ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA impor sanções punitivas sem expressa autorização legal. Precedentes. 2. Agravo regimental improvido.
(STJ – AgRg no REsp: 1144604 MG 2009/0113294-0, Relator: Ministro HAMILTON CARVALHIDO, Data de Julgamento: 20/05/2010, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/06/2010)
RELATÓRIO
Agravo regimental interposto pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA contra decisão que conheceu, em parte, do recurso especial interposto por Sicafe Produtos Siderúrgicos Ltda e deu-lhe provimento, para declarar a ilegalidade da multa ambiental, com fulcro nas Portarias Normativas nºs 122/85 e 267/88, que lhe foi imposta, em razão do transporte ilegal de carvão vegetal.
Alega a recorrente que:
“(…) Conforme delineado no art. 14, I, da Lei n. 6.938/81, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores às penalidades ali descritas, dentre as quais, a de multa simples.
São estas Regras de gestão adequada do meio ambiente que vinculam o particular, prevendo obrigações de cumprimento obrigatório, as quais, todavia, estão fixados em sede de lei no sentido formal, em perfeita consonância com o princípio da legalidade.
(…) É evidente que a Portaria2677/88 e a Portaria Normativa1222/85, ao prescreverem a sanção, não inovaram a ordem jurídica de forma autônoma, tendo, simplesmente, concretizado o dever jurídico previsto em lei stricto sensu, não havendo que se falar em violação ao princípio da legalidade.
Destarte, resta evidente que o transporte de carvão vegetal, sem licença do órgão competente constitui atividade potencialmente degradadora do meio desatende o disposto no art. 144, I, da supracitada Lei n,6.9388/81, uma vez que o autor deixou de cumprir as medidas necessárias”a preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental”, estando, portanto, prevista em leis em sentido estrito.
(…) Assim, as regras para uso dos bens ambientais devem ser fixadas em lei de forma geral, sendo impossível ao legislador ordinário criar normas contendo todos os elementos de fato que afetem o meio ambiente, matéria confiada ao Poder Executivo, que detém o conhecimento técnico e prático sobre questão.
(…) Mister salientar, ademais, que o artigo144 da Lei n.6.9388/81 é espécie de tipo infracional aberto, sendo necessária a descrição das sanções aplicáveis às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente em outro dispositivo, buscando concretizar as obrigações estabelecidas em lei.
É o relatório.
VOTO
Senhor Presidente, a questão é a da competência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA para aplicação de penalidades ambientais, com base em Portarias Administrativas.
É esta, para a certeza das coisas, a fundamentação do acórdão do Tribunal a quo, verbis:
“(…) Ao que se vê da cópia do Auto de Infração nº 0292715/A (fl. 20), datado de 09.12.90, foi ele lavrado por infringência ao disposto no art. 13, parágrafo único, da Portaria Normativa nº 122/85 c/c o art. 5º da Portaria nº 267/88
(…) Ocorre que tal auto de infração encontra apenas fundado em Portarias Normativas do IBAMA, contrariando a jurisprudência desta Corte e do STJ, segundo a qual a definição de infrações e a cominação de penalidades, após a vigência daCF/888, somente podem decorrer a lei em sentido formal.
(…) Por outro lado, regulamentando tal dispositivo legal, o Decreto n88.35151, de 10.06.83, estabeleceu, no art 3636, que”É infração, para efeitos deste Regulamento, toda ação ou omissão que importe na inobservância de preceitos nele estabelecidos ou na desobediência às determinações de caráter normativo dos órgãos ou das autoridades administrativas competentes”.
A seguir, nos arts. 37, 38 e 39, definiu condutas sujeitas à multa de 10 (dez) a 1.000 (mil) ORTNs, dentre as quais, entretanto, não se subsume a conduta descrita no auto de infração, ficando a disposição genérica do art. 366 sem a imposição de qualquer sanção específica.
Nessas condições, afastada a aplicação, ao caso dos autos, de qualquer das disposições legais citadas, resta o auto de infração fundado apenas em Portarias do IBAMA, contrariando a jurisprudência desta Corte, segundo o qual a definição de infrações e a cominação de penalidades, após a vigência daCF/888, somente podem decorrer de lei em sentido formal.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou já compreensão no sentido de que, na vigência daConstituição Federall de 1988, apenas a lei em sentido formal e material pode tipificar infração e cominar penalidades, sendo vedado, pois, ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA aplicar sanções apoiado em Portarias Administrativas, por violação do princípio da legalidade. Nesse sentido, por todos:
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – CPC, ART. 535, II – VIOLAÇAO NAO OCORRIDA – IBAMA – IMPOSIÇAO DE MULTA COM BASE EM INFRAÇAO DESCRITA APENAS EM PORTARIA – IMPOSSIBILIDADE.
1. Não ocorre ofensa ao art. 535, II, do CPC, se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide, não estando o magistrado obrigado a examinar tese recursal nova, suscitada apenas em sede de embargos de declaração.
2. A jurisprudência firmada nesta Corte e no STF é no sentido de que o princípio constitucional da reserva de lei formal traduz limitação ao exercício das atividades administrativas do Estado. Precedentes.
3. Consoante já decidido pelo STF no julgamento da ADI-MC 1823/DF, é vedado ao IBAMA instituir sanções punitivas sem expressa autorização legal.
4. Diante dessas premissas e, ainda, do princípio da tipicidade, tem-se que é vedado à referida autarquia impor sanções por infrações ambientais prevista apenas na Portaria 44/93-N.
5. Recurso especial não provido.”(REsp 1050381/PA, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/12/2008, DJe 26/02/2009).
“ADMINISTRATIVO. IBAMA. INFRAÇAO. APLICAÇAO DE MULTA.
1 SÃO INVÁLIDOS OS ATOS NORMATIVOS PROVENIENTES DE DECRETOS-LEIS O NELES FUNDADOS, QUE NAO SE ENCONTRAM ALBERGADOS PELA EXCEÇAO CONSTANTE NO ARTIGO 25 DO ADCT. 2 REVESTE-SE DE ILEGALIDADE A PORTARIA DO IBAMA, FRUTO DE DELEGAÇAO DE COMPETÊNCIA CONTIDA EM DECRETO-LEI NAO ABRIGADO PELO CONGRESSO NACIONAL.
3 SÓ A LEI, EM SENTIDO FORMAL E MATERIAL, PODE DESCREVER INFRAÇAO E IMPOR SANÇÕES.
4 RECURSO IMPROVIDO. (REsp. 120285/DELGADO). ” ( REsp 259173/RS, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/03/2001, DJ 11/06/2001 p. 111).
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. ARTS. 14, INCISOS I E III, 15 A 17, INCISOS, E 18 DO DECRETO-LEI N.º 289/67. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. IBAMA. AUTO DE INFRAÇAO. PORTARIA N.º 267/88-P, DO EXTINTO IBDF. ART. 25 DO ADCT. CONTRAVENÇAO PENAL. CAPITULAÇAO COMO PENALIDADE ADMINISTRATIVA. ILEGALIDADE.
1. Não decididas pela Corte de origem as questões federais alusivas aos arts. 14, incisos I e III, 15 a 17, incisos, e 18 do Decreto-Lei n.º 289/67, inadmissível é o manejo de recurso especial, pois imperiosa a observância ao requisito do prequestionamento. São aplicáveis as Súmulas 211/STJ e 282/STF.
2. A delegação de competência encartada no Decreto-Lei n.º 289/67 não encontrou abrigo no art. 25 do Ato das Disposições Constitucionais-ADCT. Ilegítima, assim, a Portaria n.º 267/88-P, do extinto IBDF, resultado de delegação não amparada pelo Congresso Nacional.
3. O regime jurídico-administrativo albergado pela Carta Magna de 1988 impõe que somente lei, em sentido formal e material, pode tipificar infração e cominar penalidades.
4. Se o ato ensejador do auto de infração caracteriza contravenção penal tipificada no art. 26, caput, da Lei 4.771/65 ( Código Florestal), somente o Juízo Criminal, e não o funcionário do IBAMA, poderia aplicar a correspondente penalidade.
5. Recurso especial improvido. ( REsp 118871/MG, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/03/2006, DJ 27/03/2006 p. 243).
“ADMINISTRATIVO. IBAMA. INFRAÇAO. APLICAÇAO DE MULTA.
1- SÃO INVALIDOS OS ATOS NORMATIVOS PROVENIENTES DE DECRETOS-LEIS OU NELES FUNDADOS, QUE NAO SE ENCONTRAM ALBERGADOS PELA EXCEÇAO CONSTANTE DO ARTIGO 25 DO ADCT. 2- REVESTE-SE DE ILEGALIDADE A PORTARIA DO IBAMA, FRUTO DE DELEGAÇAO DE COMPETENCIA CONTIDA EM DECRETO-LEI NAO ABRIGADO PELO CONGRESSO NACIONAL.
3- SO A LEI, EM SENTIDO FORMAL E MATERIAL, PODE DESCREVER INFRAÇAO E IMPOR SANÇÕES.
4- RECURSO IMPROVIDO.”( REsp 120285/MG, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/06/1997, DJ 01/09/1997 p. 40757).
“ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE SEGURO. NAO-RENOVAÇAO. OFERECIMENTO DE PRODUTO SIMILAR. APLICAÇAO DE MULTA. AUSÊNCIA DE SUBSUNÇAO DO FATO À NORMA. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ESTRITA. PROVIMENTO DO RECURSO.
1. Os atos da Administração Pública devem sempre pautar-se por determinados princípios, dentre os quais está o da legalidade. Por esse princípio, todo e qualquer ato dos agentes administrativos deve estar em total conformidade com a lei e dentro dos limites por ela traçados.
2. A aplicação de sanções administrativas, decorrente do exercício do poder de polícia, somente se torna legítima quando o ato praticado pelo administrado estiver previamente definido pela lei como infração administrativa.
3. Hipótese em que a conduta praticada pela impetrante não se subsume às normas elencadas pelo Administrador para a imposição da pena de multa, na medida em que se limitou a exercer, dentro do prazo previsto no contrato, a prerrogativa expressamente contida nas Condições Gerais da Apólice (direito de não renovar o contrato).
4. “O procedimento administrativo pelo qual se impõe multa, no exercício do Poder de Polícia, em decorrência da infringência a norma de defesa do consumidor deve obediência ao princípio da legalidade. É descabida, assim, a aplicação de sanção administrativa à conduta que não está prevista como infração” (RMS 19.510/GO, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 3.8.2006).
5. Recurso ordinário em mandado de segurança provido.”(RMS 21274/GO, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/09/2006, DJ 16/10/2006 p. 292).
Pelo exposto, nego provimento ao agravo regimental.