ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. AÇÃO ORDINÁRIA. INFRAÇÃO AMBIENTAL. AUTO DE INFRAÇÃO. ERRO NA DESCRIÇÃO DAS COORDENADAS. NULIDADE DA AUTUAÇÃO. SENTENÇA MANTIDA.
I – Não sendo a questão de fundo debatida nos autos relativa ao meio ambiente, apesar de o auto de infração questionado ter sido lavrado por infração ambiental, mas sim referente ao reconhecimento da nulidade de ato administrativo, não há que se falar em necessidade de intervenção do Ministério Público Federal. Nulidade suscitada pelo IBAMA afastada.
II – Não se decreta nulidade sem a demonstração de efetivo prejuízo pela parte que a alega. Limitando-se o IBAMA a afirmar ser nula a sentença por cerceamento de defesa por não terem sido ouvidas as testemunhas arroladas, sem indicar concretamente qual o prejuízo daí advindo, não há como acolher a preliminar suscitada.
III – Embora a legislação vigente à época da lavratura do auto de infração não enumere seus requisitos de validade, fato é que o autuado deve ter ciência exata do fato que lhe é imputado, inclusive com a correta descrição e individualização da área na qual se diz desenvolver exploração de floresta nativa sem aprovação prévia do órgão ambiente competente, sob pena de cerceamento de defesa.
IV – A legislação superveniente ao auto de infração (Decreto 6.514/2008) enumera, em seu art. 97, os requisitos do auto de infração, dentre eles a descrição clara e objetiva das infrações administrativas constatadas. Embora ela não possa ser aplicada ao caso dos autos, o IBAMA a utilizou como referência ao citar o art. 99 em sua defesa, argumentando que erro na indicação das coordenadas no auto de infração seria secundário e, portanto, sanável. Nada obstante, o que se entende por vício sanável decorre da interpretação a contrario sensu do § 1º do art. 100 do mesmo diploma, que não foi citado pelo IBAMA em sua contestação e prevê que “considera-se vício insanável aquele em que a correção da autuação implica modificação do fato descrito no auto de infração”.
V – No caso concreto, embora a imputação da infração administrativa seja a mesma – exploração de floresta de origem nativa sem aprovação prévia do órgão ambiental competente -, a área em que ela fora desenvolvida não corresponde às coordenadas fornecidas pela autoridade ambiental, de modo que se pode concluir que sua retificação posterior implicaria em modificação do fato descrito. A constatação de vício insanável impõe a nulidade do auto de infração, sendo possível a imputação do mesmo fato ao infrator se lavrado novo auto dentro do prazo prescricional. Idêntica previsão consta da legislação superveniente à autuação questionada ( § 2º do art. 100 do Decreto nº 6.514/2008).
VI – Recurso de apelação interposto pelo IBAMA a que se nega provimento.
(TRF-1 – AC: 00004634420094013303, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, Data de Julgamento: 13/02/2017, SEXTA TURMA, Data de Publicação: 24/02/2017)
VOTO
Antes de apreciar a questão de mérito posta nos autos, examino as preliminares de nulidade da sentença suscitada pelo IBAMA.
A primeira diz respeito à ausência de intimação do MPF para manifestação do feito, amparada no art. 82, III, do CPC/1973, segundo o qual compete ao Ministério Público intervir em todas as demais causas em que há interesse público, evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte.
Nada obstante o quanto alegado pelo IBAMA, registro que a demanda posta nos autos não diz respeito, quanto à questão de fundo, ao meio ambiente, apesar de se tratar de auto de infração lavrado por desrespeito à legislação ambiental.
Cuida-se, em verdade, de ação em que se pretende o reconhecimento da nulidade de ato administrativo materializado em auto de infração, razão pela qual não há necessidade de intervenção obrigatória do MPF.
Razão também não assiste ao IBAMA quanto à segunda preliminar suscitada, amparada na tese de que teria havido cerceamento de defesa em razão de as testemunhas por ele indicadas não terem sido ouvidas.
Ressalto, todavia, que vigora a máxima de que só se decreta nulidade se comprovado prejuízo por quem a alega.
No caso concreto, o IBAMA apenas alega ter havido cerceamento de defesa, sem indicar concretamente qual prejuízo teria advindo do fato de não terem sido ouvidas as testemunhas indicadas, razão pela qual não há como acolher a preliminar de nulidade da sentença por cerceamento de defesa.
Passo ao exame da questão de mérito.
Cinge-se a controvérsia acerca da (i)legalidade de auto de infração por irregularidade, dentre outras, na exata descrição do fato, conforme se verifica do seguinte trecho da exordial (fl. 6): (…).
Pois bem. O Auto de infração e o termo de embargo foram lavrados com base em coordenadas que não correspondem a uma área de 686,10 ha, e sim a uma área de 76 ha, primeiro vício.
Além disso, a área de 686,10 ha a qual foi embargada possuía autorização para desmate, conforme consta nas autorizações nº 005/2002 (doc. 27) e nº 006/2002 (doc. 28). Segundo vício.
E por final, a vegetação já estava regenerada em que houve a exploração da vegetação, visto que o desmatamento objeto de multa e embargo ocorreu no ano de 2002, operando-se, na pior das hipóteses, a prescrição do direito de embargar a área que por sinal estava acobertada por autorizações. Terceiro vício. (…).
Ao apreciar a questão, a d. magistrada de primeiro grau consignou que, embora possível a lavratura de auto de infração pelo desmatamento de área sem prévia autorização/licença ambiental, “o erro quanto à descrição do fato leva a um vício insanável, que provoca a nulidade da autuação, porquanto componente do próprio tipo, que tem exegese estrita e que deve ser objetivo e certo, para fins de consecução do contraditório e ampla defesa” (fl. 335).
Pois bem. Cópia do auto de infração discutido nos autos encontra-se acostada à fl. 15, sendo a infração descrita nos seguintes termos:
Explorar 686,10 ha de floresta de origem nativa, sem aprovação prévia do órgão ambiental competente.
Coordenadas: 11º44.479’S e 45º28.595’W.
Do termo de embargo respectivo, por sua vez, consta (fl. 16):
Ficam embargados 686,10ha de terra circunscritos nas seguintes coordenadas: 11º,74381ºS, 045º,46865ºW; 11º,74534ºS, 045º,45995ºW; e 11º,74763ºS, 045º,47237ºW.
O que o autor afirma é que as coordenadas fornecidas pela autoridade ambiental não se referem à área individualizada na descrição do fato. Em relação a tal ponto, o IBAMA não negou o quanto alegado pelo autor; apenas ressaltou que se trata de vício sanável e que, por isso, não se justifica o pretendido reconhecimento de nulidade da autuação.
Confira-se o seguinte trecho da contestação (fl. 172): (…).
O auto de infração de nº 367662 e o termo de embargo de nº 521076 atendem a todas as formalidades exigidas pela lei, tendo sido produzidos por autoridade competente, com objeto lícito e possível, obedecendo a forma prescrita em lei.
O ponto questionado pelo autor refere-se a aspecto secundário, que não ilide o nexo de causalidade entre o cometimento da infração e sua autuação pelo órgão competente.
A alegação de existência de apenas três coordenadas de identificação da área questionada no auto de infração não se constitui em vício como quer a parte autora, já que o auto de infração foi lavrado sob a égide do Decreto nº 3.179 que não trazia em si a exigência de identificação das coordenadas da área autuada.
Só no ano de 2008, com a publicação do Decreto nº 6.514/2008 é que sobreveio a previsão legislativa de inclusão das coordenadas da área no auto de infração, como um plus nas informações constantes do auto infracional.
Ainda assim, atualmente, os autos lavrados sob a vigência do novo decreto que deixarem de aportar as coordenadas da área, estarão eivados de vício secundário, perfeitamente sanável, incapaz de levar à nulidade do auto de infração lavrado, haja vista não atinge o mérito da infração em si, como disciplina o art. 99 do decreto 6.514/2008.
Portanto, seja porque lavrado em perfeita harmonia com a legislação vigente à época de sua lavratura, seja porque o vício alegado se constitui em matéria sanável, mesmo diante da legislação atual, o auto de infração objeto desta ação encontra-se perfeitamente válido, não cabendo tecer qualquer discussão em redor de sua inquestionável validade. (…).
Apesar do raciocínio desenvolvido pelo IBAMA – que a legislação superveniente classifica a omissão na descrição das coordenadas da área como sanável e que, portanto, não conduz à nulidade da autuação –, entendo não lhe assistir razão.
A uma, porque, embora a legislação vigente à época não enumerasse os requisitos de validade do auto de infração, fato é que o autuado deve ter ciência exata do fato que lhe é imputado, sob pena de cerceamento de defesa.
E a duas, porque, seguindo a mesma linha de raciocínio, ou seja, o que exige a legislação superveniente à lavratura do auto de infração questionado nos autos, tem-se o art. 99 do Decreto nº 6.514/2008 citado pelo IBAMA em sua contestação, que assim dispõe:
Art. 99. O auto de infração que apresentar vício sanável poderá, a qualquer tempo, ser convalidado de ofício pela autoridade julgadora, mediante despacho saneador, após o pronunciamento do órgão da Procuradoria-Geral Federal que atua junto à respectiva unidade administrativa da entidade responsável pela autuação.
Parágrafo único. Constatado o vício sanável, sob alegação do autuado, o procedimento será anulado a partir da fase processual em que o vício foi produzido, reabrindo-se novo prazo para defesa, aproveitando-se os atos regularmente produzidos.
O que se entende por vício sanável, por sua vez, decorre da interpretação a contrario sensu do § 1º do art. 100 do mesmo diploma, que, ressalte-se, não foi citado pelo IBAMA em sua contestação. Assim prevê o dispositivo:
Art. 100. O auto de infração que apresentar vício insanável deverá ser declarado nulo pela autoridade julgadora competente, que determinará o arquivamento do processo, após o pronunciamento do órgão da Procuradoria-Geral Federal que atua junto à respectiva unidade administrativa da entidade responsável pela autuação.
§ 1º. Para os efeitos do caput, considera-se vício insanável aquele em que a correção da autuação implica modificação do fato descrito no auto de infração.
Dessa forma, pode-se afirmar que considerasse vício sanável aquele em que a correção da autuação não implica modificação do fato descrito no auto de infração. Tal fato, contudo, não se verifica no caso concreto.
E isso porque, embora a imputação da infração administrativa seja a mesma – exploração de floresta de origem nativa sem aprovação prévia do órgão ambiental competente –, a área em que ela fora desenvolvida não corresponde às coordenadas fornecidas pela autoridade ambiental, de modo que se pode concluir que sua retificação posterior implicaria em modificação do fato descrito.
Assim sendo, e na linha de raciocínio desenvolvida pelo IBAMA quanto à legislação superveniente, o que se tem, em verdade, é que o erro na descrição das coordenadas do auto de infração é vício insanável e que, portanto, impõe o reconhecimento de sua nulidade, apenas sendo possível a imputação do mesmo fato ao infrator se lavrado dentro do prazo prescricional.
A lavratura de novo auto de infração caso constatado vício insanável, inclusive, é prevista no § 2º do art. 100 do citado Decreto nº 6.514/2008, que, repita-se, apesar de não ser aplicável ao caso concreto por ser superveniente à autuação, foi utilizado pelo próprio IBAMA em sua contestação:
§ 2º. Nos casos em que o auto de infração for declarado nulo e estiver caracterizada a conduta ou atividade lesiva ao meio ambiente, deverá ser lavrado novo auto, observadas as regras relativas à prescrição.
Amparado em tais fundamentos, e considerando que o erro na descrição do fato imputado ao infrator impossibilita o efetivo exercício do contraditório e da ampla defesa, não podendo o administrado ser prejudicado por culpa imputada à Administração, entendo deva ser mantida a sentença recorrida.
Pelo exposto, nego provimento ao recurso de apelação interposto pelo IBAMA.
É como voto.